Por Heloísa Guarita Souza

A advogada Heloísa Guarita Souza durante palestra na Fiep sobre as as questões tributárias controvertidas do RERCT.
No próximo dia 31 de julho vence o prazo de adesão à segunda fase do chamado Programa de Regularização Cambial e Tributária de ativos remetidos ou mantidos no exterior e não declarados às autoridades brasileiras, até a data base de 30 de junho de 2016.
Trata-se de uma segunda oportunidade dada aos contribuintes para que regularizem bens e recursos remetidos ao exterior ou lá mantidos, de forma irregular, vale dizer, sem o pagamento dos tributos devidos e sem o cumprimento das obrigações legais para o envio. O efeito de tal adesão é o afastamento das consequências tributárias, cambiais e penais a que o contribuinte estaria sujeito.
A regularização pressupõe a apresentação de uma declaração, perante a Receita Federal, chamada de “DERCAT”, e o pagamento de imposto de renda à alíquota de 15% e de multa de 135%, o que acarreta uma carga tributária final de 35,25% dos valores regularizados.
Vale observar que a repatriação dos bens e recursos regularizados não é obrigatória. A partir do momento em que regularizados (com a apresentação da DERCAT mais o pagamento do tributo devido), o contribuinte poderá trazer tais bens e recursos se e quando quiser, inclusive, se for o caso, para o pagamento do crédito tributário a ser pago pela regularização, sempre por meio de uma instituição financeira oficial.
Também perante o Banco Central, no caso de ativos a serem regularizados de valor igual ou superior a US$ 100.000,00, deve ser apresentada a Declaração de Capitais Brasileiros, ou a sua retificação, o que deve ser feito até o dia 30 de dezembro próximo.
Não obstante, em linhas gerais, as regras desta nova etapa do programa serem as mesmas da etapa anterior – que se encerrou em outubro do ano passado – algumas dúvidas ainda persistem e alguns pontos precisam ser destacados, a fim de se evitar adesões equivocadas, com sérios prejuízos ao contribuinte.
É importante levarmos em consideração que este Programa de Regularização Cambial e Tributária está dentro de um contexto maior que hoje é uma realidade inegável: a busca da transparência fiscal internacional.
Há acordos internacionais, também firmados pelo Brasil, em que os países se comprometem a trocar informações financeiras de seus residentes. Nesse sentido, é importante destacar o FACTA, firmado entre Brasil e Estados Unidos, que permite a obtenção automática de informações bancárias entre os dois países, e o firmado no âmbito da OCDE, chamado “CRS- Common Reporting Standard”, que visa a padronizar a troca automática de informações com as administrações tributárias dos países signatários.
E o RERCT vem, portanto, dentro desse contexto, como uma fase de transição, de adaptação dos cidadãos a esse novo conceito da transparência fiscal global.
É importante o contribuinte observar que não são todos e quaisquer bens e recursos passíveis de serem regularizados, mas, apenas, aqueles considerados “de origem lícita”, que são os seguintes: a) os bens e direitos adquiridos com recursos oriundos de atividades permitidas ou não proibidas pela lei; b) o objeto, produto, ou o proveito dos crimes que são anistiados pela Lei, quais sejam sonegação fiscal, sonegação de contribuição previdenciária, crimes contra a ordem tributária, lavagem de dinheiro, operação de câmbio não autorizada, falsificação de documento público ou particular, uso de documento falso e falsidade ideológica.
O contribuinte não precisa provar a origem lícita, apenas declará-la, ao fazer a DERCAT. Ao preencher o formulário, o contribuinte declara que o patrimônio a ser regularizado tem origem lícita. Compete ao Fisco provar o contrário, a partir de outros elementos concretos de prova.
Segundo a Receita Federal, no seu Perguntas e Respostas sobre o tema, não podem ser declarados joias, pedras e metais preciosos, obras de arte, antiguidades de valor histórico ou arqueológico, animais de estimação ou esportivos e material genético de reprodução animal.
Da mesma forma, bens e direitos remetidos ao exterior ou adquiridos após a data base de 30.06.2016 não podem ser regularizados mediante o RERCT.
Uma questão bastante debatida é quanto à base de cálculo a ser considerada para a regularização, na hipótese de os ativos enviados ao exterior serem de valor superior àquele efetivamente existente em 30.06.2016. É o que se tem chamado de “foto ou filme?”.
Rendas auferidas e já consumidas não deixam de ser, em essência, rendas sujeitas à tributação, observado o prazo decadencial.
É fato que o legislador elegeu um marco temporal para considerar a regularização, a operacionalização do programa e, consequentemente, o fato gerador tributário: 30.06.2016. Trata-se de mera opção legislativa.
É nessa data, pois, que se considera ocorrido o acréscimo patrimonial, mesmo que presumido, para fins da incidência tributária do Imposto de Renda, nos termos expressos do artigo 6º, da Lei nº 13.248/2017.
Da leitura atenta da Lei, parece-nos possível extrair a previsão legal da incidência do imposto de renda sobre base de cálculo já consumida e/ou não mais existente na data de corte – 30.06.2016. A própria Instrução Normativa RFB nº 1.704/2017, que regulamenta o programa, ao tratar da base de cálculo a ser considerada, diz que “para os ativos não mais existentes em 30 de junho de 2016, o valor presumido nessa data, apontado por documento idôneo que retrate o ativo quando existente”.
Temos, então, o seguinte:
- Regra geral: valor dos ativos a serem regularizados em 30.06.2016.
- Exceção: na hipótese da inexistência de saldo a ser declarado, ou havendo valores já consumidos, a base de cálculo será o valor total inicial a ser regularizado.
O que a lei não esclarece é até quando é preciso fazer a retroação temporal. Ora, se o objetivo da lei é a regularização tributária, cambial e criminal, com a anistia e remissão de todas as consequências advindas de tal conduta ilícita (manter no exterior ativos não declarados), a retroação alcança o período específico de cada consequência que se queira afastar. Nesse sentido, o artigo 13, § 5º, da IN RFB nº 1704, dispõe que: “Os efeitos da Lei nº 13.254, de 2016, alcançam somente o valor declarado que foi base de cálculo do imposto previsto no art. 24”.
Diferente é a situação de perda do ativo, desvalorização do patrimônio, não pelo consumo. Nesse caso, o valor a ser considerado é aquele efetivamente existente em 30.06.2016.
Considerando que estamos nos últimos dias possíveis para a adesão, é importante o interessado saber que se o montante global dos ativos no exterior for superior a US$ 100.000,00, ele deve solicitar e autorizar a instituição financeira no exterior a enviar informações sobre o saldo dos seus ativos em 30.06.2016 à instituição financeira brasileira, via SWIFT.
Isso deve ser feito até 31.07.2017 e a instituição estrangeira deverá prestar essas informações até o dia 31.10.2017. Logo, é mais uma providência a ser tomada até o final do mês e que, se não atendida adequadamente, pode levar à não aceitação da Regularização como um todo.
Ainda no caso de pessoa física, cabe o alerta de que deverá ser feita a retificação da sua última Declaração de Ajuste Anual, relativa ao exercício de 2017, ano-calendário de 2016, com a inclusão dos ativos regularizados, na ficha de Bens e Direitos Rendimentos, pelo valor declarado na DERCAT.
Em se tratando de pessoa jurídica, tais ativos deverão constar na escrituração contábil e societária relativa ao ano-calendário da adesão, ou seja, 2017. O prazo de envio dessa retificadora é 30.12.2017. Mas, se houver imposto a ser regularizado sobre rendimentos financeiros auferidos com esses ativos no exterior, entre o período de 01.07.2016 e 31.12.2016, haverá imposto a ser recolhido.
E para que tal recolhimento possa ser feito sem multa de mora (20%) é necessário que essa regularização (via entrega da declaração de ajuste de 2016/2017 retificadora) e o pagamento do imposto sejam feitos até o próximo dia 31 de julho.
Então, àqueles que têm interesse na regularização e ainda nada fizeram, atenção com os prazos, pois há muito a ser feito – algumas providências dependem das instituições financeiras – e o dia 31 de julho está próximo!
Dificilmente, a curto prazo, tenhamos uma terceira oportunidade para uma regularização tão ampla (com efeitos tributários, cambiais e penais). E, se tivermos, seguramente, será em bases tributárias mais gravosas ainda.
A quem interessar possa, mãos à obra!