Falecimento de sócio não afasta arbitragem em sociedade

Por Isadora Boroni Valério

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente decisão, negou provimento a recurso (REsp nº 1.727.979-MG) no qual o espólio de sócio falecido buscava o afastamento da previsão de arbitragem, pactuada no contrato social. A ação tinha por objeto a dissolução parcial da sociedade e a apuração de haveres do sócio falecido. Para o espólio, o cerne da discussão envolvia direito sucessório que, pela sua natureza, é indisponível, cabendo ao Poder Judiciário, portanto, solucionar a questão.

De seu lado, a sociedade sustentou que não se debatiam os direitos dos sucessores aos bens deixados pelo sócio falecido, ou mesmo a titularidade dos herdeiros sobre a participação societária, mas tão somente direitos societários e patrimoniais relacionados à continuidade da sociedade, à alteração do quadro de sócios e aos haveres devidos ao espólio. Inafastável, consequentemente, a cláusula compromissória.

Nesse sentido, para o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, “o fato de o espólio promover [a] ação […] não modifica a natureza do direito societário ali discutido. O que se aborda, em síntese, é a subsistência da sociedade em liquidação parcial, com a consequente alteração de seu quadro societário […]. Não constitui, portanto, objeto da ação em comento o direito à sucessão da participação societária, de titularidade dos herdeiros, que se dá, naturalmente, no bojo de ação de inventário e partilha.”

Quanto a aspecto relacionado à ausência de adesão à cláusula compromissória pelos herdeiros do finado sócio, decidiu-se que os sucessores da participação societária não podem se negar a cumprir as regras societárias já existentes, “sob pena de se comprometer os fins sociais assentados no contrato social e a vontade coletiva dos sócios, representada pelas deliberações sociais”.

Não pode, por conseguinte, o sucessor das quotas, escolher quais disposições da empresa pretende cumprir ou não, sob pena de se colocar em risco a preservação da sociedade. O contrato social deve ser rigorosamente cumprido pelos sócios, inclusive pelos futuros ingressantes.

Como deve ocorrer a apuração de haveres na retirada de sócio

Por Flávia Lubieska N. Kischelewski

A advogada Flávia Lubieska Kischelewski atua no setor societário do Prolik.

Na hipótese de dissolução parcial de sociedade, o balanço especial de determinação “é o método que melhor reflete a situação patrimonial da(s) sociedade(s)” para fins de apuração de haveres. Este foi o entendimento da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar caso em que, face ao exercício do direito de retirada de sócio, discutia-se qual critério seria adotado para a apuração dos seus haveres (Apelação nº 1073239-55.2016.8.26.0100).

No caso concreto, o sócio dissidente, insatisfeito com o método de apuração estabelecido no contrato social da empresa – balanço especial de determinação –, requereu que fossem os haveres estimados com base no balanço especial de determinação (art. 606, do Código de Processo Civil) em conjunto com o critério de fluxo de caixa descontado. Para ele, os valores resultantes do mecanismo previsto no contrato social eram aviltantes e não condiziam com o real valor da sociedade e, portanto, do que lhe seria devido. As outras sócias da empresa, por sua vez, pleiteavam a observância do contrato social, rejeitando o critério pleiteado pelo sócio retirante.

Em vista da divergência, o TJ/SP posicionou-se pela prevalência das regras instituídas no contrato social da empresa quanto à apuração de haveres. Além de ser imperioso respeitar o pacto livremente estabelecidos pelos sócios, o balanço de determinação especialmente levantado, previsto no art. 1.031, do Código Civil e calculado com fulcro na NBC-T-4, foi considerado o critério que melhor retrata o valor patrimonial da empresa. Nesse balanço, além dos ativos e passivos contabilizados no balanço patrimonial da sociedade, não devem ser incluídos os bens incorpóreos.

Ademais, julgou-se que o método de fluxo de caixa descontado não se revelaria adequado para o caso. Por meio dele, seriam também trazidos ao cálculo os lucros da sociedade que possam ser auferidos no futuro, aos quais não fará jus aquele que não mais integra a sociedade desde o exercício da retirada. Assim como o sócio que se despede, não mais responderá pelos insucessos do negócio, não poderá se beneficiar das vantagens amealhadas na sua ausência.

Sócio remanescente e empresa podem ser atingidos em ação de divórcio de ex-sócio

A sócia sustentava ausência de legitimidade para integrar a ação, uma vez que o divórcio dizia respeito a seu ex-sócio e a ex-esposa deste.

O Superior Tribunal de Justiça confirmou acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná para manter sócia de empresa no polo passivo de ação de divórcio cumulada com partilha de bens (REsp 1.522.142-PR). No caso em comento, a sócia sustentava ausência de legitimidade para integrar a ação, uma vez que o divórcio dizia respeito a seu ex-sócio e a ex-esposa deste.

Sucede, no entanto, que o ex-sócio havia, às vésperas do término do matrimônio, transferido toda sua participação societária para a sócia, havendo, então, indícios de fraude na operação, com o intuito de esvaziamento do acervo patrimonial do casal, para inviabilizar a divisão dos bens com a esposa.

Em razão dessa circunstância, se comprovada a ilicitude da cessão das quotas, a respectiva alteração do contrato social será tida como ineficaz e a sócia remanescente, bem como a empresa, terão seus patrimônios atingidos pela partilha de bens do ex-sócio. Tal evento, no entender do Poder Judiciário, justifica a inclusão da sócia remanescente no processo de divórcio.

Para a advogada Flávia Lubieska Kischelewski, este precedente foi acertado porque todas as partes envolvidas no negócio jurídico nulo devem compor a lide, visto que se trata de litisconsórcio necessário. Além disso, no caso, a consequência de uma declaração de ineficácia do ato por simulação, atingirá a esfera patrimonial da sócia remanescente com o regresso das partes ao “status quo ante”.

Exploração de direito de imagem do próprio sócio por sociedade limitada

A advogada Flávia Lubieska Kischelewski atua no setor societário do Prolik.

Nos últimos dias, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (CARF) decidiu a favor do jogador de futebol Conca, em processo que debatia a constituição de sociedade limitada com o fito de se obter uma tributação menos onerosa comparativamente ao que incidiria sobre os rendimentos da pessoa física. Teria havido, assim, a existência de confusão patrimonial e fraude por meio de cessão de direito de imagem da pessoa física à pessoa jurídica na qual o detentor dos direitos é sócio majoritário.

No caso analisado, entre outros aspectos levantados, o atleta havia constituído uma sociedade limitada juntamente com sua mãe, com objeto de cessão de direito de uso de nome, voz e imagem, além da realização e/ou participação em eventos e empreendimentos desportivos, tanto dos seus cotistas, quanto de outros atletas.

Para o Fisco e de acordo com o voto vencido, o Código Civil, no §5º, do artigo 980-A, autoriza a possibilidade de constituição de empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) para a prestação de serviços relacionados à cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional. Pode, assim, o titular ceder tais direitos, como o de imagem, à empresa do tipo EIRELI. O que não se admitiria seria a exploração comercial desses direitos por uma sociedade limitada, ou seja, com dois ou mais sócios.

Tal entendimento, todavia, não prosperou. Ao final do julgamento, decidiu-se, por maioria de votos, que “o direito à imagem decorre do direito à personalidade, esse sim, intransmissível e irrenunciável. Já aquele, o direito de imagem, direito decorrente do direito de personalidade, pode em seu aspecto positivo, patrimonial, ser transmitido, explorado por pessoa jurídica constituída para este fim”.

Como esclarece a advogada Flávia Lubieska N. Kischelewski, “esse precedente é importante, pois traz mais segurança jurídica a planejamentos societários e tributários que tenham sido desenvolvidos não apenas a desportistas profissionais que pretendem fruir dos direitos patrimoniais oriundos de seus direitos de imagem por meio da constituição de uma pessoa jurídica, seja qual for o tipo societário adotado, mas também a profissionais de outras áreas”.

Não há como afirmar que o legislador vedou a exploração dessa atividade econômica por outros tipos de sociedades, apesar do permissivo legal do Código Civil estar presente nos artigos que tratam das EIRELIs. Note-se que o artigo 129, da Lei nº 11.196/2005, anterior ao advento das EIRELIs em nosso ordenamento jurídico, já previa hipóteses em que serviços de caráter personalíssimo do sócio pudessem ser prestados por pessoa jurídica da qual ele viesse a participar e ser nela tributado.

Dissolução irregular não gera desconsideração da pessoa jurídica

O advogado Cícero José Zanetti de Oliveira é diretor do Prolik Advogados e atua no setor societário.

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu unanimemente que a simples insolvência ou a dissolução irregular da sociedade não podem, isoladamente, fazer com que o patrimônio pessoal do sócio seja atingido por dívidas da sociedade, em razão da desconsideração da personalidade jurídica.

A decisão acima reforma acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que entendia pelo cabimento da desconsideração diante do esvaziamento patrimonial e do encerramento irregular da empresa (sem liquidação e sem baixa na Junta Comercial). O encerramento irregular caracterizaria desvio de finalidade, além de estar pautado no objetivo de livrar a pessoa jurídica da sua responsabilidade, ensejaria confusão patrimonial entre sócios e sociedade.

O entendimento paulista contraria sucessivos precedentes do STJ, que se baseia na obrigatoriedade da “comprovação de que a sociedade era utilizada de forma dolosa pelos sócios como mero instrumento para dissimular a prática de lesões aos direitos de credores ou terceiros – seja pelo desrespeito intencional à lei ou ao contrato social, seja pela inexistência fática de separação patrimonial –, o que deve ser demonstrado mediante prova concreta e verificado por meio de decisão fundamentada”.

O advogado Cícero José Zanetti, do setor societário de Prolik Advogados, ressalta que o julgado é de extrema relevância, pois é muito comum encontrar decisões judiciais em que a desconsideração da personalidade jurídica é decretada sem atender aos requisitos do artigo 50, do Código Civil e da doutrina. Nessa circunstância, independentemente da participação do sócio na sociedade ou de ele ser ou não administrador, seu patrimônio particular poderá vir a responder, indevidamente, por todo o débito da sociedade.

Sócio não pode ser impedido pela Fazenda de deixar sociedade

A advogada Flávia Lubieska Kischelewski atua no setor societário do Prolik.

Em recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, reconheceu-se que um empresário não pode ser proibido de deixar a sociedade em razão da existência de dívidas tributárias. A ação foi ajuizada pelo empresário que, mesmo após registrar a alteração de contrato social na Junta Comercial, em que constou sua saída da sociedade, não conseguia alterar o cadastro da empresa perante a Receita Estadual. Em razão de dívidas da sociedade, a Delegacia Regional Tributária de Campinas indeferiu a alteração do cadastro, de maneira que o empresário permanecia sendo o responsável legal pela empresa naquele órgão.

Para a Fazenda Pública, a saída do sócio da empresa prejudicaria a cobrança da dívida. No entanto, para o Poder Judiciário, impedir o registro da alteração do contrato social como forma de auxiliar na cobrança de dívidas constitui sanção política, ferindo o direito à autonomia da vontade e a livre iniciativa nas relações econômicas, ambas previstas na Constituição Federal.

De acordo com a advogada Flávia Lubieska Kischelewski, esta não é a primeira vez em que a existência de débitos fiscais dificulta operações societárias. O curioso em relação ao caso acima é que o obstáculo surgiu após o registro da alteração do contrato social na Junta Comercial; criando, assim, uma situação anômala em que o encerramento do vínculo societário seria parcial, isto é, válido perante a sociedade e terceiros, mas não perante o Fisco Estadual.

Além disso, a ação da Receita se revela coercitiva, pois a legislação prevê meios próprios, legais e não menos eficientes, para postular tais tipos de cobranças, sem que haja necessidade de se interferir nas relações contratuais privadas, quando não há efetiva justificativa legal para tanto.

A saída da sociedade e o fim das responsabilidades do sócio

Flávia Lubieska Kischelewski

Flávia Lubieska Kischelewski

A saída de sócio de uma empresa é, regra geral, marcada pela assinatura da alteração de contrato social. Mesmo que todos os sócios assinem esse documento, a efetividade do afastamento somente ocorrerá, perante terceiros, quando a alteração for registrada na Junta Comercial competente. Apesar disso, é comum que essa formalidade seja postergada ou ignorada, trazendo bastante dor de cabeça ao sócio que pretende encerrar o vínculo societário.

Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.415.543/RJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, fazendo valer o disposto no parágrafo único, do artigo 1.003, do Código Civil. Nesse caso, a alteração de contrato social foi firmada em 2007, mas submetida a registro cerca de um ano depois. Com isso, a transferência de quotas era eficaz entre os sócios, mas não diante de terceiros. A própria sociedade é considerada um “terceiro” nessa relação, não havendo óbices, portanto, para cobrar do ex-sócio valores oriundos de condenações trabalhistas, questão motivadora do litígio entre os envolvidos.

A responsabilidade do ex-sócio perdura pelo prazo de dois anos, contados da averbação da alteração do contrato social na Junta Comercial e não da data inserida no documento. Por tal razão, afirma a advogada Flávia Kischelewski, é imprescindível que as alterações de contrato social sejam levadas à Junta Comercial no prazo de até 30 dias contados de sua celebração. Esse é o período legalmente estabelecido para que as deliberações dos sócios surtam efeitos desde a data em que foram tomadas. Do contrário, as decisões dos membros de uma sociedade somente valerão a partir do registro do ato, ficando, dessa forma, o sócio vinculado à sociedade por mais tempo do que necessitaria.

Identidade de sócios pode caracterizar grupo econômico para execução fiscal

Em decisão recente, o juiz federal Hélio Nogueira, convocado pela Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), entendeu ser suficiente o indício de que várias empresas formam um só grupo econômico para que todas respondam solidariamente em uma ação de Execução Fiscal.

No caso analisado, caracterizou-se uma empresa jornalística, um estabelecimento de artes gráficas e uma indústria metalúrgica de Guarulhos (SP) como pertencentes a um mesmo grupo econômico, com base em provas documentais que indicavam a coincidência de sócios, de gestores e até mesmo de endereços. Ainda que as sociedades fossem juridicamente distintas, entendeu-se que havia “a existência de uma unidade voltada para a obtenção dos lucros empresariais”.

“A responsabilização solidária das empresas de um mesmo grupo econômico não é novidade, porquanto expressamente prevista na legislação tributária. Os empresários devem observar especialmente que a ‘Lei das Sociedades Anônimas’ prevê a possibilidade de criação de grupos econômicos, mediante convenção pela qual as sociedades se obriguem a combinar recursos para a realização dos respectivos objetos sociais”, explica a advogada Isadora Boroni Valério. Ela menciona a Lei nº 6.404 de 1976, da qual se entende o “grupo de sociedades de direito”.

A decisão proferida, entretanto, reconheceu a existência de grupo econômico de fato, que não havia sido regularmente constituído, mas que existia na prática e que pôde ser verificado através de características como as que foram reconhecidas no julgado: identidade de sócios, de dirigentes e de sedes.

Isadora frisa que “ainda que a divisão de empresas seja estratégica e funcional, há o risco de o Poder Judiciário identificar um grupo, determinando a responsabilidade solidária de empresa vinculada”.