Por Sarah Tockus
A advogada Sarah Tockus atua no setor tributário do Prolik Advogados.
No último dia 22 de outubro, a Receita Federal, através da Solução de Consulta Interna COSIT nº 13, dispôs acerca dos procedimentos que deverão ser adotados para o cumprimento das decisões judiciais transitadas em julgado, que versem sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS.
Rememore-se que, em 15.03.2017, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 574.706/PR, fixou a seguinte tese de repercussão geral: “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”. E, muito embora o acórdão tenha sido objeto de embargos de declaração pela Fazenda Nacional – ainda pendentes de julgamento – pretendendo a modulação temporal dos efeitos da decisão, bem como o esclarecimento de outras questões, o STF determinou a aplicação imediata da decisão.
A consulta interna, pois, foi formulada para tratar, especialmente, acerca do montante do ICMS que deve deixar de compor a base de cálculo das referidas contribuições, notadamente nas situações em que o ICMS destacado em documento fiscal não coincide com o total de ICMS a recolher/pago pelo contribuinte, haja vista que grande parte dessas decisões judiciais simplesmente determinam a aplicação do entendimento do Supremo Tribunal Federal, sem esclarecer qual montante de ICMS deve ser excluído da base de cálculo da contribuição do PIS e da COFINS.
E a conclusão da Receita Federal foi a de que a parcela a ser excluída da base de cálculo deve corresponder ao ICMS a ser pago pelo contribuinte, na apuração mensal:
“Se depreende assim, do teor do julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706/PR, submetido ao rito da repercussão geral previsto no Art. 543-B da Lei nº 5.869, de 1973, bem como da análise de todos os votos formadores da tese vencedora, a qual definiu que o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência da Contribuição par ao PIS/Pasep e da Cofins, tanto na sua incidência cumulativa como na incidência não cumulativa, corresponde à parcela do ICMS a ser pago, isto é, à parcela do ICMS a recolher para a Fazenda Pública dos Estados e do Distrito Federal.”(destaques do original)
A interpretação da Receita, no entanto, no sentido de que o ICMS indevidamente incluído na base de cálculo das contribuições seria apenas o saldo devedor do mês, e não o ICMS destacado em suas notas fiscais/faturas, e que compuseram a base de cálculo do PIS e da COFINS, é equivocada, pois destoa da própria interpretação rendida à questão, pelo STF, reduzindo sensivelmente o imposto a ser recuperado pelas empresas.
Ora, o próprio caso paradigmático, julgado sob a sistemática da repercussão geral pediu claramente o reconhecimento do direito de dedução da parcela do ICMS, destacada nas notas fiscais, da base de cálculo do PIS e da COFINS, e foi esse o pedido provido pelo STF.
De trechos do voto da ministra Cármen Lúcia fica claro que a conclusão foi exatamente oposta à pretendida pelo Fisco ao emitir a Solução de Consulta em discussão:
“Desse quadro é possível extrair que, conquanto nem todo o montante do ICMS seja imediatamente recolhido pelo contribuinte posicionado no meio da cadeia (distribuidor e comerciante), ou seja, parte do valor do ICMS destacado na ‘fatura’ é aproveitado pelo contribuinte para compensar com o montante do ICMS gerado na operação anterior, em algum momento, ainda que não exatamente no mesmo, ele será recolhido e não constitui receita do contribuinte, logo, ainda que, contabilmente, seja escriturado, não guarda relação com a definição constitucional de faturamento para fins de apuração da base de cálculo das contribuições.”
É sabido que a base de cálculo do ICMS é o valor da operação, nos termos do art. 155, II, da CF/88 e art. 13, I, da Lei Complementar n.º 87/96. O ICMS devido é calculado aplicando-se uma alíquota sobre o valor da operação, e esse valor da operação de venda, por sua vez, é que compõe o faturamento/receita dos contribuintes, base de cálculo do PIS e da COFINS.
Pois, se é o ICMS incidente sobre a operação e destacado na nota fiscal de saída que integra a base de cálculo do PIS/COFINS, por abusiva exigência do Fisco, é este mesmo montante que será excluído da apuração das contribuições. É sobre o valor destacado na nota fiscal de venda que a Fazenda Nacional exige a tributação como receita bruta da pessoa jurídica – e não sobre o ICMS pago.
O fato de o “ICMS a pagar” (correspondente à diferença entre o valor devido sobre as operações de saída de mercadorias ou prestação de serviços e o valor cobrado nas operações anteriores) ser diferente do total destacado nas notas fiscais, o que decorre da sua não cumulatividade, em nada influencia a conclusão, na medida em que para fins de apuração do PIS e da COFINS, utiliza-se do imposto devido na operação de saída e não o montante efetivamente pago pela sistemática da não cumulatividade do ICMS.
E é exatamente assim, também, que tem entendido o nosso Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO AO PIS E COFINS. ICMS. BASE DE CÁLCULO. VALOR DESTACADO NA NOTA. O valor destinado pela empresa ao pagamento do ICMS que não deve compor a base de cálculo do PIS e COFINS, aí não importando a não-cumulatividade do ICMS ou o valor a ser creditado pelo contribuinte do ICMS, sendo adequado considerar o valor destacado na nota de saída como não incluído na base de cálculo da contribuição ao PIS e COFINS.” – neg.
(TRF4, AG 5015938-68.2018.4.04.0000, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 24/07/2018)
É irrelevante, pois, a discussão que acaba de inaugurar a Fazenda para, na verdade, limitar a exclusão da base de cálculo das contribuições aos valores efetivamente pagos a título de ICMS. É o valor destacado nas notas fiscais o efetivo encargo financeiro do ICMS na operação.
Trata-se de claro intuito do Fisco de obstaculizar a recuperação de valores, pelos contribuintes, o que certamente gerará inúmeras discussões administrativas e judiciais em torno da questão.