Helena Kolody, nossa poetisa maior

Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Nascida há 109 anos no pequeno município de Cruz Machado, filha dos imigrantes ucranianos Vitória e Miguel, Helena Kolody se muda para Rio Negro ainda em sua infância, lá dando continuidade a seus estudos. Ao concluí-los, se torna professora, lecionando por longo período no ginásio e na escola normal, dando aulas no Instituto de Educação de Curitiba e outros estabelecimentos – e se poucos entre gerações de Curitibanos tiveram o privilégio de ser seus alunos, todos nós pudemos desfrutar de sua obra.

A poesia de Helena Kolody é delicada e também sintética. Ela promoveu um encontro de culturas ao se tornar, reconhecidamente, a primeira mulher, no Paraná, a dominar e publicar poemas no formato “haicai”, o poema curto, “rápido e rasteiro” japonês – e foi homenageada pela comunidade nipônica por isso.

A bibliografia de Helena Kolody começa em 1941, com o poema “A Lágrima” publicado em revistas literárias, e o primeiro livro, “Paisagem Interior”. Kolody viria a publicar outros quatorze volumes, além de participar de várias obras coletivas. Admirada por nomes de vulto, como Drummond e Leminski (que se tornaria um amigo próximo), Kolody é eleita para a Academia Paranaense de Letras em 1991. Dona de inúmeros prêmios e condecorações, mais do que merecidos, Helena Kolody, mais do que isso, ocupa um lugar especial no coração do Paraná.   

Nenhuma borracha apagará o que esse Lápis escreveu

Por Dr. Thiago Cantarin Moretti Pacheco

“Lápis” era, por razões que hoje a correção política nos proíbe de contar, o apelido de Palminor Rodrigues Ferreira. O mais novo de 21 filhos, Lápis começou tocando pandeiro na infância, se apresentando no rádio, e logo mudou para o violão, depois de ganhar o instrumento de um de seus irmãos. Sua primeira composição foi “Vestido Branco”, que escreveu aos 18 anos. Depois, veio o conjunto “Bitten 4”, formado nos anos 60, que o parceiro de composições de Lápis, Paulo Vítola, acabou ajudando a levar ao Rio de Janeiro. Essa parceria, aliás, rendeu cerca de 15 canções, entre as quais “Dia de Arlequim”, “Lençol de Flores” e “Roteiro”.

Funcionário dos Correios, Lápis se notabilizou mesmo como o “Rei da Noite” de Curitiba, dado seu gosto pela boemia e pela proximidade com o público.

Uma das últimas realizações de Lápis foi o musical “Funeral para um Rei Negro” – curiosamente premonitório, pois lápis partiu cedo, aos 35 anos, em decorrência de uma insuficiência cardíaca.

Documentário “Lápis, de cor e salteado” – https://www.youtube.com/watch?v=N_GdbBAYyH0

Adoaldo Lenzi – o pouco conhecido parceiro de Poty

Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Poty Lazzarotto dispensa apresentações – mas não podia dispensar o trabalho do artista plástico e vitralista Adoaldo Lenzi. Verdadeiro “braço-direito” de Poty, Lenzi era o executor dos painéis idealizados por Lazzarotto e espalhados pela cidade. Chegado em Curitiba aos 12 anos de idade e vindo de Jaraguá do Sul (SC), Lenzi começou como aprendiz do mestre vitralista João Gener. Em 1970, conheceu Poty Lazarotto, de quem virou parceiro de trabalho. “Poty criava uma pintura e me chamava para estudarmos se era viável transformar em painel a partir de uma demanda. Nós estudávamos juntos e depois eu era o responsável pela obra. Quando acabávamos, dizia ‘Lenzi, hoje nós aprendemos mais um pouco’”.

Lenzi, no entanto, tem uma extensa obra própria em mosaicos e pedra, e em um ramo bastante especializado: vitrais sacros. É de sua autoria, por exemplo, o vitral que retrata o Papa João Paulo II na Igreja de Santo Estanislau, feito em homenagem à visita do Sumo Pontífice a Curitiba em 1980. A obra é constituída de quase 3 mil cacos de vidro em mais de 40 tonalidades, e foi inaugurada em 18 de maio daquele ano, poucos dias antes da visita papal. Lenzi também é responsável pelo maior vitral da américa latina, instalado na Basílica de Caacupê, no Paraguai. Criado em parceria com Osmar Horstmann, o impressionante painel tem 350m², e encanta os peregrinos e visitantes da basílica da padroeira daquele país.

Dalton Trevisan: vampiro e…advogado?

Por Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Ele se tornou parte da paisagem da cidade e de seu folclore; sua imagem, disputada por fotógrafos profissionais e amadores, cujo feito maior era reconhecê-lo em algum de seus passeios pelo centro da cidade, disfarçado por boné e óculos escuros; sua casa, quase um ponto de peregrinação: Dalton Trevisan é patrimônio de Curitiba e um de seus maiores autores.

Tudo isso decorre, é claro, do enorme sucesso da obra de Trevisan: dezenas de prêmios literários e respeito mundial nos círculos da literatura e da crítica, ombreando com Antonio Candido, Otto Maria Carpeaux e Mário de Andrade. O Vampiro encabeçou a publicação da lendária revista “Joaquim” e, tendo a cidade e seus habitantes por inspiração, escreveu contos imortais, traduzidos para vários idiomas. A casa cinzenta e de fachada um tanto desanimada e suja, na esquina da Ubaldino do Amaral esconde um gramado verde e bem cuidado – e um segredo não tão bem guardado assim, mas bastante curioso: o vampiro quase se tornou advogado.

Formado pela UFPR, Trevisan escrevia seus contos desde os tempos de estudante – e, depois de formado, militou por quase 10 anos antes de, felizmente, abandonar o meio jurídico e se dedicar inteiramente ao ofício de escritor. Muito melhor assim: não fomos privados de um dos maiores talentos literários da cidade: talvez tenham perdido os tribunais, mas a vida é feita de escolhas (e renúncias).

A obra do Vampiro é prolífica: constituída em sua maioria de contos, há o romance “A Polaquinha” (1985), o único que escreveu, além de versos esparsos em outros volumes, como “Em busca de Curitiba perdida” (1992). Seu apelido veio de um de seus primeiros livros, “O Vampiro de Curitiba” (1965), e a inspiração na cidade é marca indelével de sua escrita – durante uma trajetória que, torcemos, nunca acabasse, e fosse o Vampiro imortal.  

João Turin, nosso escultor maior

Por Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Nascido em Morretes, em 21 de setembro de 1878, João Turin pode ser considerado o escultor maior paranaense – tão paranaense, aliás, que, junto com o pintor Frederico Lange (o “Lange de Morretes”) e João Ghelfi, criou o “paranismo”, um movimento artístico de forte identidade local.

Antes disso, entretanto, Turin esteve na Europa por longa temporada. Em 1905, desembarca em Bruxelas para estudar, com uma bolsa do Governo do Paraná, na Real Academia de Belas Artes. O périplo europeu de Turin vai até 1922, período durante o qual conviveu com grandes artistas e personalidades, vivendo por um tempo em Paris.

Em sua vasta obra, se destacam as esculturas de animais selvagens e domésticos, que lhe valeram premiações e elogios – sendo exemplos notáveis os bronzes Tigre Esmagando a Cobra, exposta na Av. Manoel Ribas, e Luar do Sertão, no Centro Cívico. A perfeição e expressividade das formas fizeram com que a primeira fosse premiada no Salão Nacional de Belas Artes de 1944. Outros exemplos marcantes são Felino à Espreita e Marumbi, o retrato de um feroz combate entre dois grandes felinos. A forma humana, por sua vez, está representada em trabalhos emblemáticos como as esculturas que retratam o poeta italiano Dante Alighieri; o cacique Guairacá, figura histórica da colonização do Paraná; e Tiradentes, entre outras. Turin deixou também um acervo de cerca de 180 pinturas – embora considerasse essa uma ocupação secundária.

Em breve, com previsão para coincidir com o aniversário da cidade, serão inaugurados definitivamente no Parque São Lourenço o Memorial Paranista e o Jardim de Esculturas. Este último exibirá reproduções em tamanho maior de 15 esculturas do artista, dando a oportunidade aos visitantes de vislumbrar obras importantes como Marumbi, Homem-Pinheiro e Índio Guairacá.

O acervo de João Turin também pode ser visitado virtualmente neste link.

Claudio Seto – O samurai paranaense

Por Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Até quem não conhece Claudio Seto com certeza já passou, ainda que casualmente, por um desenho dele – andando na rua, no tempo não tão distante assim do jornal impresso, em algumas das dezenas de bancas que pregavam os diários em suas portas para que os passantes conferissem as manchetes. Na extinta Tribuna do Paraná, lá estavam os dramáticos desenhos de Seto, ilustrando as notícias policiais para as quais não haviam fotos – ou essas eram pesadas demais. Mas isso é apenas uma pequena, embora fascinante, fração do trabalho de Seto.

Filho de japoneses e descendente de samurais, nascido Chuji Seto Takeguma na localidade paulista de Guaiçara, em 1944, Seto passou seus anos formativos e juventude no Estado vizinho, se radicando em Curitiba mais tarde, quando já era conhecido por introduzir no Brasil o estilo japonês de histórias em quadrinhos conhecido como “mangá”. Chegando aqui, foi trabalhar na Grafipar, uma editora de histórias em quadrinhos de grande circulação no final dos anos 70 e início dos anos 80, onde criou personagens que ficaram famosos, como Kate Apache e Maria Erótica, além de coordenar a equipe de desenhistas da casa.

Mas Seto não era apenas desenhista: escrevia roteiros, incursionou no jornalismo e nas artes plásticas; era profundo conhecedor do folclore japonês, tendo publicado livros em que narra lendas e histórias daquela cultura milenar de onde ele veio. No fim da vida, Seto havia se afastado um pouco do trabalho nos mangás e preferia cultivar bonsais – mas jamais foi esquecido pela comunidade japonesa e por sua legião de admiradores. Nas comemorações do centenário da imigração japonesa, Seto foi merecidamente homenageado. O samurai nos deixaria, tristemente, apenas dois meses depois. No entanto, sua obra viverá para sempre – e sua memória também. Quem desejar conhecer um pouco mais sobre Cláudio Seto pode conferir “O Samurai de Curitiba”, documentário curta-metragem sobre o mestre, ou visitar o Espaço Cultural Claudio Seto, no clube Nikkei, em Curitiba.

Documentário: https://www.imdb.com/title/tt2190365/?ref_=nm_knf_t1

O Paraná em gravura

Por Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Poucos traços sejam talvez tão reconhecíveis e associados ao Paraná que os de Napoleon Potyguara Lazzarotto. Nascido em Curitiba, o filho de italianos começou ajudando o pai, ferroviário aposentado por invalidez, a produzir a partir de sucata reproduções da Santa Ceia, as quais eram vendidas para reforçar o orçamento da família. A mãe, dona Julia, tocava um restaurante que ficava nos fundos da residência da família e ficou conhecido como Vagão do Armistício, onde se servia frango, polenta, risoto e salada de radicchi.

O Interventor Manoel Ribas frequentava o Vagão, e ficou intrigado pelos desenhos feitos por Poty; convencido do talento do jovem, deu a ele uma bolsa de estudos e, em 1942, Poty foi para o Rio de Janeiro estudar na Escola de Belas Artes.

Em 1946, mais um ciclo de estudos, desta vez Paris, onde aprende litografia. Voltando ao Brasil, Poty chegou a morar em São Paulo, onde ensinou gravura e desenho, antes de voltar definitivamente a Curitiba.

E é em Curitiba que se vê os grandes murais que notabilizaram Poty, espalhados pela cidade e feitos com diferentes técnicas. O da fachada do Teatro Guaíra é de relevo em concreto – formas que mudam conforme a luz do dia vai se esvaindo, sombras sempre em movimento.

No Largo da Ordem, a lateral azulejada de velhos edifícios foi ilustrada com cores vivas de cenas da cidade. Você também pode encontrar Poty na Praça 29 de Março, na Praça das Nações, no Palácio Iguaçu, no Aeroporto Afonso Pena – há até um roteiro sugerido pela Secretaria Municipal de Turismo, um trajeto de bicicleta que passa pelas principais obras de Poty espalhadas pela cidade e também pelo Vagão do Armistício, que há muito deixou deixou de ser um restaurante e se tornou um memorial ao artista. Resta escolher um dos raros dias de sol em Curitiba!

Um parnanguara quase desconhecido: a incrível história de Waltel Branco

Por Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Quem ouve o conhecidíssimo tema da “Pantera Cor-de-Rosa”, no mais das vezes, não faz idéia de que a música tem uma ligação com nossa antiga cidade portuária de Paranaguá. Isso mesmo: um de seus filhos mais ilustres é um dos compositores da universalmente conhecida canção, reproduzida mundialmente na televisão há mais de cinquenta anos.

Waltel Branco nasceu em 22 de novembro de 1929, em uma família de músicos. Envolvido com o ofício desde cedo, começou a tocar bateria e violão, mais tarde aprendendo a tocar outros instrumentos. Ainda jovem, integrou bandas de jazz na capital, até se mudar para o Rio – um trampolim para Cuba, onde, com a banda da cantora Lia Ray, conheceu e tocou com lendas da música local, como Mongo Santamaria e Pérez Prado, sendo um dos responsáveis pela paternidade do “jás cubano”, a mistura da música caribenha com o jazz norte-americano. Assim estava plantada, também, a semente do “jazz fusion”, gênero que viria a dominar os anos 60 e 70 e criar um nicho musical tido por alguns, até hoje, como sagrado.

Pelas mãos de Waltel foi moldada, também, a Bossa Nova – ele foi parceiro de João Gilberto e contribuiu com composições e arranjos lendários, como do disco de estreia do baiano (embora creditado a Tom Jobim). A atuação de Waltel como arranjador, aliás, se estende da música erudita ao jazz, passando pelo rock e pela música popular, em alguns dos mais importantes discos já lançados no Brasil. Além de exímio instrumentista, Waltel é maestro: ele regeu a Orquestra Sinfônica de Ponta Grossa.

Estima-se que Waltel tenha se envolvido – como arranjador, compositor, músico ou produtor – em de mais de 1.000 discos, sem contar seus álbuns “solo”. Como se vê, o tema da Pantera Cor-de-Rosa, ao fim e ao cabo, é o de menos.

Paul Garfunkel: um francês paranaense

Por Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Se é verdade que “nem só de pão vive o homem”, também é verdade, aqui no escritório, que nem só de lei nós vivemos! É assim que resolvemos trazer para as redes alguns dos valores que herdamos de Augusto Prolik – entre eles, o apreço pelas artes. Vamos destacar por aqui as obras de artistas paranaenses que admiramos: do clássico ao contemporâneo, falaremos de música, livros, poesia, artes plásticas e outras manifestações de nosso pulsante Estado.

Hoje falaremos do, talvez, mais paranaense dos franceses: o pintor Paul Garfunkel.

Engenheiro de formação, Garfunkel mudou-se para o Brasil em virtude de compromissos profissionais. Com a eclosão da Revolução de 32, a trajetória do então engenheiro sofreu uma abrupta interrupção, e ele se muda para Santos, no litoral paulista, onde passa a se dedicar mais intensamente à pintura. Em 1936, se muda para o município paranaense de Marechal Mallet, para tomar a frente de um empreendimento de beneficiamento de linho que, logo adiante, malograria.

No começo dos anos 50, Garfunkel se muda para Curitiba, onde sua família já residia desde 1942, e passa a se dedicar exclusivamente à pintura. Abre seu ateliê, no centro da cidade, e passa a expor regularmente em todo o Brasil e também na Europa e Estados Unidos. Seu traço era tido em alta conta pela crítica, chegando a ser cognominado “o Debret do século XX”. Aqui, Garfunkel viveu e pintou até sua morte, em 11 de maio de 1981. Algumas de suas mais famosas pinturas retratam Curitiba – como “Largo da Ordem” (1957) e “Passei Público de Curitiba”, do mesmo ano.

Dois destes panoramas da cidade, afortunadamente, adornam nossas paredes – e não é raro que, na rotina atribulada, volta e meia algum de nós pare um pouquinho e os contemple. Nesse caso, não há mal algum em esquecer da lei por alguns minutos.