Por Robson José Evangelista
O advogado Robson Evangelista atua no setor Cível do Prolik.
Em 30 de abril foi editada a Medida Provisória (MP) nº 881, tendo por declarado objetivo estabelecer normas de proteção à livre inciativa e ao livre exercício de atividade econômica, bem como introduzindo disposições sobre a atuação do Estado enquanto agente normativo e regulador.
Na longa exposição de motivos da regulamentação fica evidente o viés ideológico de preocupação da administração federal com o liberalismo econômico, buscando assegurar que a atividade empresarial seja realizada de forma mais livre, com menor intervenção estatal e fortalecimento das relações negociais.
Se o resultado será alcançado ou não só o tempo dirá. Muitos assuntos são tratados na Medida Provisória, desde a desburocratização para a criação de pequenas empresas, até vedação, aos auditores fiscais, da constituição de créditos tributários quando houver parecer emitido pelo Procurador Geral da Fazenda Nacional que conclua no mesmo sentido do pleito do particular.
Portanto, a referida Medida Provisória certamente será tema para muitas considerações.
De pronto e pela sua relevância vamos tratar da nova redação que foi dada ao artigo 50, do Código Civil, que prevê a possibilidade de desconsideração da pessoa jurídica para atingir o patrimônio pessoal do sócio que utiliza de forma abusiva da sociedade empresarial, causando prejuízos a terceiros.
Cumpre primeiramente destacar que não atende à melhor política legislativa a alteração, por medida provisória, de normas que fazem parte de codificações. A aprovação do Código Civil que entrou em vigência no ano de 2002, por exemplo, resultou de anos de discussões, tendo sido aperfeiçoado por um grupo de juristas de notório saber, com ampla discussão e aprovação do Congresso Nacional.
Como a MP já é uma realidade, restar torcer agora para que a sua discussão ocorra de forma mais detida pelos congressistas, pois há imprecisões técnicas que demandam aperfeiçoamento em alguns dispositivos.
Seja como for e voltando à teoria da desconsideração, o artigo 50 do Código Civil foi alterado para estabelecer, em geral, que nos casos de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, ela poderá ser desconsiderada para que possam ser atingidos os bens particulares de sócios ou administradores ”beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”.
Essa parte final foi introduzida no claro intento de que a desconsideração seja mesmo uma exceção no mundo dos negócios e destinada a quem efetivamente tenha auferido benefícios com o abuso, criando um bom argumento de defesa para os sócios que, mesmo não participando diretamente da direção da empresa e não podendo controlar a atuação dos administradores, acabam sendo atingidos em seu patrimônio, mesmo não tendo auferido lucro direto ou indireto com a atividade danosa.
Entretanto, já é possível prever que as discussões doutrinárias e judiciais serão tormentosas, pois nem sempre é fácil identificar se houve ou não a percepção de vantagem pelo sócio, principalmente se ela for indireta.
Para além dessa alteração, foram acrescentados mais cinco parágrafos no citado artigo.
O primeiro deles define o desvio de finalidade como a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. O elemento volitivo (dolo) foi eleito como critério de responsabilização, de modo que, a contrário senso, não caberá a desconsideração se a prática de ato lesivo decorrer, por exemplo, de condução negligente do sócio, limitando o espectro de aplicação do instituto. Aqui as discussões certamente também serão acirradas.
O segundo parágrafo conceitua a confusão patrimonial, a ausência de separação de fato entre os patrimônios caracterizada por cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador e vice versa; a transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante; e, “outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial”, expressão essa muito abrangente e que acaba por prejudicar a própria ideia da MP de restringir a uso da desconsideração da pessoa jurídica.
No terceiro parágrafo introduzido no artigo 50, a MP consolidou o entendimento que já era manifestado pelos Tribunais, segundo o qual a desconsideração também pode se operar no sentido inverso, ou seja, os bens da sociedade poderão ser alcançados quando o sócio ou administrador se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros. Trata-se do típico caso de esvaziamento patrimonial do sócio para deixar de responder pelas dívidas que assume em atos abusivos e prejudiciais.
Já o parágrafo quarto estabelece que a existência de grupo econômico não implica na automática possibilidade de desconsideração de uma determinada pessoa jurídica para atingir bens de outra empresa, exigindo, nesse caso, que também sejam demonstrados os requisitos do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial.
Por fim, o parágrafo quinto prevê que não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.
A previsão nos parece despropositada e poderá motivar interpretações distorcidas, pois o que realmente importa para a aplicação do instituto da desconsideração é a utilização abusiva da personalidade jurídica que prejudique terceiros. E, nessa linha, a expansão ou a alteração da finalidade da empresa pode, sim, abrir espaço para a desconsideração se essas situações forem criadas de forma abusiva e prejudicial.