Superendividamento no mercado de consumo

Dr. Cassiano Antunes Tavares

No último dia 02 de julho entrou em vigor a Lei 14.181, que traz mudanças no Código de Defesa do Consumidor, visando regular o chamado superendividamento. Agora, como direito básico do consumidor, inserido no mesmo rol do direito à vida, saúde e segurança, está assegurada “a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservando o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas.”.

Por sua vez, o conceito legal de superendividamento é “a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação”.

O primeiro recorte que se deve fazer é que apenas as dívidas das pessoas físicas, decorrentes de relação de consumo estão incluídas nesse conceito. Dentre elas, aquelas decorrentes de operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada.

Ao consumidor superendividado é possibilitado requerer judicialmente processo de repactuação de dívida, com diversas regras preestabelecidas, referentes à abatimento de encargos e elastecimento de prazos para pagamento, de cunho obrigatório para os fornecedores, conforme a redação da citada lei.

Antes de mais nada, desde que respeitadas as condicionantes legais, deve-se registrar que não se trata de “favorecimento ao calote”, uma vez que exige-se que o consumidor esteja de boa-fé em relação a situação, exclui dívidas contraídas mediante fraude ou má-fé ou com o doloso propósito de inadimplemento ou, ainda, que tenham como objeto produtos ou serviços de luxo e alto valor.

Além do preço em reais, a taxa de juros de mora e a taxa efetiva anual de juros, demais acréscimos, número e periodicidade das prestações, e a soma total a pagar com e sem financiamento, que já eram previstas e foram reforçadas nesta nova lei, foram aos fornecedores de crédito e de venda a prazo o dever de prestar as seguintes informações: i) o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem; ii) a taxa efetiva mensal de juros remuneratórios e os encargos no caso de atraso no pagamento, tais como, juros de mora, multa, etc.; iii) o montante das prestações e a validade da oferta, cujo mínimo deve ser de 2 (dois) dias; o nome e endereço físico e eletrônico do fornecedor; iv) o direito do consumidor ao abatimento proporcional dos encargos no caso de liquidação antecipada do preço, mesmo que parcial.

Cabe frisar que todas essas informações devem ser prestadas ao consumidor de modo, prévio e adequado, já no momento da oferta, e, ainda, clara e resumidamente, no instrumento contratual, na fatura, ou em documento lateral facilmente acessível.

Por sua vez, a par dessas informações, deve ser observado, ainda, o dever do fornecedor em analisar os bancos de proteção ao crédito, a fim de avaliar responsavelmente as condições de crédito do consumidor. Consequentemente, é proibido oferecer crédito sem consulta prévia a esses bancos, tais como SPC e SERASA.

Compõe esse rol de obrigações o de indicar o agente financiador, entregar cópia do contrato aos obrigados pelo crédito.

Em todas essas hipóteses deve ser considerada sempre a idade do consumidor para que se prestem os esclarecimentos sobre as informações pertinentes.

O descumprimento de qualquer desses deveres acima elencados pode acarretar na redução dos juros, encargos e dilação do prazo de pagamento originários, sem prejuízos de indenizações materiais e morais aos consumidores, de acordo com a gravidade da conduta do fornecedor.

É proibido prejudicar a compreensão sobre as implicações da utilização do crédito, bem como não se pode forçar tais contratações, especialmente quando se tratar de idoso, analfabeto, doente, ou de pessoa em estado de vulnerabilidade agravado ou se houver premiação envolvida.

Mais uma inovação é o reconhecimento legal, do que já se via nas decisões judicias, em relação aos chamados contratos conexos. Mais especificamente, quando junto ao contrato principal de fornecimento do produto ou serviço adquirido pelo consumidor ocorre a assinatura de um outro contrato acessório de crédito para o pagamento do contrato principal.

Nessas situações, havendo participação direta do fornecedor, seja na preparação, na conclusão ou se a oferta do crédito se der no local da atividade do fornecedor principal ou no mesmo lugar em que seja celebrado o contrato principal, o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor em relação a um dos contratos implica a resolução do outro e, se o fornecedor do contrato principal descumprir suas obrigações, o consumidor poderá requerer a rescisão contra o fornecedor do crédito.

A lei iguala ao fornecedor do crédito, em relação a rescisão que possa ser oposta pelo consumidor, o portador do cheque pós-datado emitido para o pagamento do contrato principal de fornecimento ou contra o administrador ou emitente de cartão de crédito ou similar quando este for fornecido por entidade pertencente ao mesmo grupo econômico do fornecedor principal do produto ou serviço.

Outra novidade na defesa do consumidor em caso de desacerto comercial entre o consumidor e fornecedor de produto ou serviço que envolva crédito é que este não pode buscar recebimento de valores de quantias que tenham sido contestadas pelo consumidor junto à operadora de cartão de crédito ou similar, com antecedência mínima de dez dias contados do vencimento da fatura.

Até aqui, tratou-se da prevenção ao superendividamento, repassando as incumbências trazidas pela modificação do Código Consumerista ao mercado que regula. Além disso, a alteração legislativa trata das situações quando ocorre o superendividamento.

No caso, foi criado procedimento específico para ações judiciais sobre essa matéria prevendo a conciliação e, quando esta não for alcançada, a consequente repactuação da dívida.

O regramento diz que o consumidor superendividado (de boa-fé, sem existência de fraude, etc.) pode requerer ao Judiciário a instauração do processo de repactuação de dívida, visando a realização de audiência de conciliação com todos os credores, oportunidade na qual levará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 05 cinco anos, considerado o seu mínimo existencial e as garantias e formas de pagamento originárias.

O plano de pagamento pode ser composto por medidas facilitadoras do pagamento da dívida, como, por exemplo, dilação de prazos, redução de encargos, etc.

O credor que não comparecer à audiência terá suspensa a exigibilidade do débito respectivo e interrompida a incidência dos encargos da mora, podendo chegar, ainda, ao pagamento posterior aos credores que compareceram.

Os créditos que não foram objeto de conciliação ficarão sujeitos a revisão e repactuação, visando a elaboração de um plano judicial compulsório, que assegurará, no mínimo, o recebimento do valor principal devido, corrigido monetariamente, e parcelado, cujo primeiro pagamento poderá ter carência de até 180 (cento e oitenta dias) da sua homologação e com liquidação total em até 5 (cinco) anos após a quitação do anterior plano consensual.

Pode-se concluir que o legislador tencionou privilegiar a dignidade da pessoa humana, quando assegura como norte ao tratamento do superendividamento o resguardo do mínimo existencial do consumidor. Porém, em contrapartida exige o pagamento de no mínimo o valor originário do crédito usufruído, bem como a abstenção por parte do consumidor de condutas que importem no agravamento do seu superendividamento e a condição de valer-se desse expediente somente 2 (dois) anos após a quitação do plano de pagamento firmado na conciliação.

MP 1.040/2021: Desburocratização da atividade empresária e proteção de acionistas minoritários

Por: Cícero José Zanetti de Oliveira

Entrou em vigor no dia 30 de março, a Medida Provisória nº 1.040, de 29 de março de 2021 “MP 1.040/2021” que dispõe, dentre outros aspectos, sobre a facilitação para o desenvolvimento da atividade empresária e a proteção de acionistas minoritários.

No que se refere a primeira temática, levando em consideração a sua utilidade prática para os empresários, sócios, acionistas, administradores e demais pessoas ou entidades interessadas no assunto, elencamos abaixo as principais medidas introduzidas pelo dispositivo legal:

  • Dispensa de reconhecimento de firma em documentos levados a registro nas juntas comerciais;
  • Transferência de bens utilizados para formar ou aumentar o capital social a partir de certidão de ato societário, mediante transcrição no registro público competente, desde que fornecida, a certidão, pela mesma junta comercial na qual o documento foi registrado;
  • Possibilidade de coexistência de denominações sociais semelhantes, permanecendo vedada, contudo, a coexistência das idênticas;
  • Admissão do CNPJ como denominação social, que deverá ser seguido da partícula identificadora do tipo societário, quando exigida por lei.

Ex. 01.234.567/0001-89 LTDA;

  • Elaboração da classificação de risco das atividades econômicas, pelo Poder Executivo federal, que será aplicada para todos os integrantes da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (“Redesim”) nos casos de ausência ou omissão da legislação estadual, distrital ou municipal;
  • Emissão automática de alvarás de funcionamento e licenças para atividadeseconômicas em que o grau for considerado baixo ou médio, em conformidade com a classificação de risco das atividades econômicas acima mencionada. Em contrapartida, o empresário ou responsável legal pela pessoa jurídica assinará termo de ciência e responsabilidade e firmará compromisso, sob as penas da lei, de observar os requisitos exigidos para o exercício das atividades econômicas constantes do objeto social, cumprindo as normas de segurança sanitária, ambiental e de prevenção contra incêndio, sem prejuízo de fiscalização pelos órgãos competentes;
  • Permuta de informações cadastrais fiscais entre a Fazenda Pública da União e os demais entes federativos a fim de otimizar a utilização de dados já prestados pelo usuário, de modo que não mais poderão ser exigidos, no processo de registro de empresários e pessoas jurídicas via Redesim, dados ou informações que constem da base de dados do Governo federal;
  • Devolução/eliminação de documentos físicos pelas juntas comerciais após a preservação da sua imagem. Nos demais casos, os documentos arquivados pelas juntas comerciais não serão retirados, em qualquer hipótese, de suas dependências;
  • Integração da administração da Redesim, cujo Comitê Gestor passará a contemplar a representação dos órgãos e entidades envolvidos no registro e legalização, bem como no licenciamento e autorização de funcionamento de empresários e pessoas jurídicas; e
  • Facilitação ao acesso a informações, orientações e instrumentos pelos órgãos e entidades envolvidos no processo de registro e legalização de empresas, permitindo aos usuários conhecer as etapas e documentos exigíveis para fins de registro, alteração, baixa, licenciamento e autorizações de funcionamento de empresários e pessoas jurídicas, sem custos, presencialmente ou por meio da rede mundial de computadores.

No que pertence à proteção de acionistas minoritários, a MP 1.040/2021 realizou mudanças na Lei nº 6.404/1976, também conhecida como “Lei das S/A”, das quais merecem destaque as seguintes:

  • Inclusão do inc. X no Art. 122, adicionando as seguintes competências privativas da assembleia geral, voltadas para as sociedades anônimas de capital aberto:
  • deliberar sobre a alienação ou a contribuição com ativos para outra empresa, caso o valor da operação corresponda a mais de 50% (cinquenta por cento) do valor dos ativos totais da companhia constantes do último balanço aprovado; e
  • deliberar sobre a celebração de transações com partes relacionadas que atendam aos critérios de relevância a serem posteriormente definidos pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”).
  • Alteração do inc. II, do Parágrafo 1º, e do inc. I, do Parágrafo 5º, ambos do Art. 124, este último referente ao modo e local de convocação das assembleias gerais, a fim de, nas companhias de capital aberto, respectivamente:
  • modificar o prazo de antecedência da primeira convocação da assembleia geral, que passa de 15 (quinze) para 30 (trinta) dias. O prazo de antecedência da segunda convocação permanece o mesmo: 8 (oito) dias; e
  • estabelecer que a CVM poderá, mediante decisão fundamentada de seu Colegiado, a pedido de acionista e ouvida a companhia, “declarar quais documentos e informações relevantes para a deliberação da assembleia geral não foram tempestivamente disponibilizados aos acionistas e determinar o adiamento da assembleia por até 30 (trinta) dias, contado da data de disponibilização dos referidos documentos e informações aos acionistas”.
  • Inclusão dos Parágrafos 3º e 4º no Art. 138, a fim de, nas sociedades anônimas de capital aberto, vedar a acumulação, em uma única pessoa, dos cargos de presidente do conselho de administração e de diretor-presidente ou de principal executivo da companhia, exceto se excepcionado pela CVM em conformidade com regulamento próprio.
  • Inclusão dos Parágrafos 1º e 2º no Art. 140, que trata da composição do conselho de administração no âmbito das sociedades anônimas tanto de capital aberto, quanto de capital fechado dispondo que:
  • o estatuto poderá prever a participação, no conselho de administração da companhia, de representantes dos empregados escolhidos pelo voto destes em eleição direta, organizada pela empresa em conjunto com as entidades sindicais que os representam.
  • na composição do conselho de administração das companhias abertas é obrigatória a participação de conselheiros independentes, nos termos e nos prazos definidos pela CVM.

Neste sentido, vale ressaltar que, como regra, no que diz respeito aos temas aqui expostos, as medidas e alterações introduzidas pela MP 1.040/2021 passaram a produzir efeitos no ordenamento jurídico desde o dia 30 de março, com exceção do Parágrafo 3º do Art. 138, da Lei das S/A – que veda a acumulação dos cargos de presidente do conselho de administração e de diretor-presidente ou de principal executivo nas sociedades anônimas de capital aberto – cujo vigência será a partir de 25/03/2022.

Ainda, há que se destacar que, em complementação às alterações supracitadas, naquilo que disser respeito às companhias de capital aberto, a CVM poderá estabelecer regras de transição para as obrigações decorrentes da MP 1.040/2021, de acordo com o seu Art. 6º.

Por fim, no que se refere às disposições referentes à facilitação para a abertura de empresas, em conformidade com o Art. 4º, os órgãos, as entidades e as autoridades competentes, a exemplo das Juntas Comerciais e das Prefeituras Municipais, terão até o dia 29/05/2021 para se adequar às modificações promovidas.

Transação de débitos tributários federais

Por Fernanda Gomes Augusto

Em outubro de 2019, foi publicada a Medida Provisória nº 899, onde foram estabelecidas as condições para que a União e os devedores realizem transação referente a débitos federais.

No final de novembro/2019, os procedimentos, requisitos e condições necessários à realização das transações de dívida ativa com a União foram regulamentados, através da Portaria PGFN nº 11956/2019.

Essa medida adotada pela Procuradoria visa viabilizar que os contribuintes superem a crise econômica vivida nos últimos anos, preservando a atividade produtiva de empresas e permitindo a manutenção de empregos dos trabalhadores. Consequentemente, a Fazenda Nacional também se beneficia com o recebimento de receitas de difícil arrecadação e, ainda, assegura a possível fonte de renda tributária para o futuro.

Desde logo, cabe destacar que não são passíveis de transação os débitos de FGTS, Simples Nacional e multas qualificadas e criminais.

Foram estipuladas 2 modalidades de transação: por adesão e individual.

A modalidade por adesão é destinada a devedores com dívidas de até R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) e a adesão deverá feita pela Plataforma REGULARIZE, de acordo com as condições e benefícios estipulados no Edital de Acordo de Transação por Adesão nº 01/2019, publicado no sítio da PGFN em 04/12/2019. O Edital traz a proposta completa da Procuradoria para adesão à transação na cobrança da dívida tributária.

Já a modalidade individual é destinada aos contribuintes com débitos superiores a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais).

Serão concedidos descontos para os débitos inscritos em dívida ativa da União que são considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação. Entende-se por débitos de difícil recuperação quando se verifica que o contribuinte não gera recursos suficientes para realizar o pagamento integral das dívidas no prazo de até 5 (cinco) anos.

Ainda, são considerados de difícil recuperação ou irrecuperáveis aqueles débitos que: (i) estão inscritos há mais de 15 (quinze) anos sem suspensão ou garantia; (ii) suspensos por decisão judicial há mais de 10 (dez) anos; (iii) de contribuinte com falência decretada, em processo de recuperação judicial ou extrajudicial, em liquidação judicial, ou em intervenção ou liquidação extrajudicial; (iv)de empresa que a situação cadastral do CNPJ seja baixada, inapta ou suspensa; (v) de contribuinte pessoa física com indicativo de óbito; e (vi) sejam objeto de execuções fiscais arquivadas há mais de 3 (três) anos.

Além disso, também poderão ser transacionados outros débitos inscritos, mas sem descontos, desde que atendidos os requisitos previstos pela PGFN.

Os benefícios que podem ser obtidos nas transações são os seguintes:

Descontos de até 50% sobre o valor da dívida;

Parcelamento em até 84 meses;

Flexibilização das regras de oferecimento de garantias, penhoras e alienação de bens;

Possibilidade de amortização ou quitação de dívidas com precatórios federais próprios ou de terceiros.

Para pessoas físicas, empresários individuais, microempresas e empresas de pequeno porte em recuperação judicial, os descontos chegam até 70% sobre o valor do débito e o parcelamento pode ser feito em até 100 meses.

Além disso, empresas em processo de recuperação judicial terão carência para iniciar o pagamento em até 180 dias.

Com a realização da transação do débito, a cobrança será suspensa até a sua quitação. Dessa forma, uma vez que a dívida esteja suspensa, o devedor regularizará sua situação fiscal, sendo excluído dos cadastros de devedores, viabilizando a emissão das certidões de regularidade fiscal federal, suspendendo as cobranças judiciais e podendo cancelar eventuais protestos extrajudiciais.

Os contribuintes que aderirem à transação, além de cumprir os termos do acordo, estarão reconhecendo definitivamente os débitos transacionados, inclusive renunciando a quaisquer alegações de direito, atuais ou futuras, que envolvam os créditos incluídos na transação, deverão manter-se regular com o FGTS e regularizar eventuais débitos que vierem a ser inscritos em dívida ativa ou se tornarem exigíveis no prazo de 90 (noventa) dias.

Caso não cumpridas as condições do acordo ou comprovada fraude praticada pelo devedor ou, ainda, decretada a sua falência, a transação será rescindida, sendo retomada a cobrança e afastando-se os benefícios concedidos, deduzidos os valores pagos. Além disso, a PGF estará autorizada a requerer a falência do devedor e não será aceito nova transação pelo devedor pelo prazo de 2 (dois) anos, ainda que de outros débitos.

Por fim, cabe destacar que por se tratar de um benefício público, todas as transações firmadas serão divulgadas, contendo as condições e valores, preservando, todavia, as informações do contribuinte.

DREI passa a admitir a titularização de EIRELI por incapaz

Por Cícero José Zanetti de Oliveira

O advogado Cícero José Zanetti de Oliveira é diretor do Prolik Advogados e atua no setor societário.

Entrou em vigor em 12 de março de 2019 a Instrução Normativa nº 55, editada pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI). Através dela, foram modificadas as normas relacionadas à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), autorizando-se a sua titularização por incapazes.

Para tanto, nos termos do seu art. 1º, dois requisitos devem ser verificados. O primeiro relacionado à representação ou assistência do incapaz, a depender do grau da incapacidade, e o segundo voltado para a administração da empresa, que deverá ficar a cargo de terceira pessoa não impedida.

Ainda com relação ao primeiro requisito, observa-se que haverá a representação se o incapaz possuir menos de dezesseis anos – incapacidade absoluta -, e a assistência, se possuir entre dezesseis e dezoito anos – incapacidade relativa. Para ambos os casos, em observância ao artigo 1.690, do Código Civil, a instrução esclarece que “compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os sócios menores de 16 (dezesseis) anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade […]”.

Sem dúvidas, na esfera das EIRELIs, a inovação trazida pela IN 55 dá continuidade à flexibilização que já vem sendo operada na modalidade desde maio de 2017, conforme quadro descritivo abaixo. Em linhas gerais, enquanto vigente a Instrução Normativa nº 10, apenas pessoas naturais, maiores de dezoito anos ou emancipadas, e não impedidas por lei poderiam titularizá-la.

Em 2017, com a Instrução normativa nº 38, acresceu-se ao regramento a permissão para que pessoas jurídicas, nacionais ou estrangeiras, também pudessem titularizar EIRELIs. Após, por meio da Instrução nº 47, inovou-se na matéria autorizando-se que mais de uma EIRELI pudesse pertencer a uma mesma pessoa jurídica.

Registre-se, contudo, que esta disposição não se estende às pessoas naturais, que, segundo a norma editada pelo DREI, só podem figurar como titular de uma empresa da modalidade. Neste sentido, impõe-se como requisito para o registro do ato constitutivo cláusula na qual o constituinte declare não figurar em nenhuma outra empresa da modalidade.

Ademais, vale observar que a Instrução nº 47, então revogada pela IN 55, também abordou a situação dos incapazes, dispondo que a única hipótese em que ele poderia figurar como titular de EIRELI seria quando da necessidade de continuação da empresa, desde que exclusivamente para esta finalidade e que, sobre ele, não recaísse nenhum impedimento legal.

NORMA TITULARIZAÇÃO
IN 10/2013 Pessoas naturais, maiores de dezoito anos ou emancipadas, e não impedidas por lei.
IN 38/2017 Pessoas naturais, maiores de dezoito anos ou emancipadas, e não impedidas por lei;

Pessoa jurídica, nacional ou estrangeira.

IN 47/2018 Pessoas naturais, maiores de dezoito anos ou emancipadas, e não impedidas por lei;

Pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, em mais de uma EIRELI.

IN 55/2019 Pessoas naturais, maiores de dezoito anos ou emancipadas, e não impedidas por lei;

Pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, em mais de uma EIRELI;

Pessoas naturais incapazes, desde que representadas ou assistidas, e com a administração da EIRELI incumbida a terceiro não impedido por lei.

As demais regras relacionadas à modalidade, dispostas no art. 980-A, do Código Civil, permanecem as mesmas, como se constata do seu teor: “A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País”.

Neste sentido, possibilita-se ao titular explorar de forma individual a atividade econômica com todos os efeitos pertinentes à personalização, notadamente o da distinção patrimonial, a partir da qual os bens da empresa não se confundirão com os do titular. Noutros termos, desde que o seu titular não incorra nas hipóteses de abuso da personalidade previstas no art. 50 do Código Civil, a limitação da responsabilidade, prevista pelo tipo societário, faz com que eventuais dívidas da empresa não afetem, em regra, o patrimônio pessoal do titular.

O grande diferencial da EIRELI encontra-se no fato de uma única pessoa, natural ou jurídica, ser titular da totalidade do capital social, sendo um tipo societário atrativo para aqueles que não desejam desenvolver a atividade empresarial em conjunto com sócios, mitigando-se, ainda, os chamados “sócios de fachada”.

Em contrapartida, o capital social mínimo para a constituição de uma EIRELI é relativamente elevado, não podendo, nos termos do art. 980-A, ser inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no país. Malgrado a flexibilização operada pelo DREI, o tipo societário, em função da regra do Código Civil, apresenta-se ainda assim como uma opção restrita à parcela da população.

Há de se considerar, ainda, que a IN 55 confere às EIRELIs um algo a mais até então inexistente, tornando-a ferramenta de grande utilidade não só nas estruturações societárias, mas também nos planejamentos sucessórios. Neste último caso, especialmente, mais do que ferramenta, assume a empresa o papel de facilitadora, trazendo maior celeridade ao processo, menor desgaste aos envolvidos e a garantia de que haverá a preservação dos bens quando da transmissão patrimonial.

Da natureza confiscatória das multas imputadas em valor superior aos tributos exigidos

Por Matheus Monteiro Morosini

O advogado Matheus Monteiro Morosini atua no setor tributário do Prolik.

A legislação tributária federal, a pretexto de coibir determinadas condutas lesivas ao interesse do Fisco, prevê penalidades agravadas que podem atingir o patamar de 225% do tributo devido.

Muitos contribuintes, não se conformando com a elevada penalidade aplicada, têm se socorrido do Poder Judiciário para questionar a constitucionalidade das multas, sob o argumento de que a imputação de penalidades acima de 100% do tributo exigido possui efeito confiscatório, ofendendo a razoabilidade e a proporcionalidade.

O princípio do não-confisco está consagrado no art. 150, inciso IV, da CF/88. Com efeito, é da tradição brasileira coibir tributos com efeitos confiscatórios, neles incluídas as consequências sancionatórias, quer sejam elas visualizadas como essenciais ao Direito e integrantes da estrutura lógica da regra de tributação ou não.

A vedação do confisco tem matriz própria, radicada na garantia do direito de propriedade. Seria reconhecida ainda que não expressa na Constituição e assim se consolidou na jurisprudência: como limitação ao poder de tributar. O princípio da vedação do confisco atua como limite negativo que garante o direito de propriedade.

Importante ponderar que, apesar de tributo e multa possuírem definições jurídicas diferentes, o Supremo Tribunal Federal (STF) não faz distinção quanto à aplicação do princípio constitucional da vedação de confisco.

A Suprema Corte já decidiu os seguintes pontos em relação às multas: (i) a multa não pode ser superior ao valor do tributo – RE 833.106 AgR/GO, Relator Min. MARCO AURÉLIO – Julgamento:  25/11/2014, e RE 938.538 AgR/ES, Relator Min. ROBERTO BARROSO – Julgamento: 30/09/2016; e (ii) a multa moratória deverá ter como teto 20% do valor da obrigação principal. AI 727.872 AgR / RS – Relator Min. ROBERTO BARROSO – Julgamento: 28/4/2015.

A multa, enquanto obrigação tributária, é acessória e, nessa condição, não pode ultrapassar o principal (STF, RE 81.550 in RTJ 74/319). Jamais as penalidades tributárias podem ser desproporcionais às supostas faltas cometidas, sob pena de restar configurado o seu caráter confiscatório.

Tem-se assim que as multas, tal como previstas no art. 44, §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.430/96, em percentuais que podem variar de 150% a 225%, extrapolam a finalidade para a qual foram criadas, a partir do momento em que se utilizam de modo abusivo de seu caráter sancionatório.

Ao prever as sanções tributárias, o legislador deve atender aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo essas sanções serem proporcionais ao ilícito praticado, pois, em caso contrário, serão consideradas inconstitucionais.

É exatamente dentro desse contexto que a Lei nº 9.784/99, em seu art. 2º, inciso VI, a partir dos preceitos elencados no art. 37 da CF/88, estabelece como critério de atuação da Administração, adequação entre meios e fins. A Administração não pode impor obrigações, restrições ou sanções em medida superior ao estritamente necessário para o atendimento do interesse público.

Diante do exercício das funções intimidatória e ressarcitória (ou retributiva), a sanção tributária deixa transparecer seu caráter instrumental, ou melhor, de instrumento utilizado pelo legislador com o objetivo de realizar um interesse público. Mas, de qualquer forma, a realização desse interesse público não pode desconsiderar ou ignorar o princípio da proporcionalidade.

Por esses motivos, a conclusão mais acertada é a de que multas aplicadas nos percentuais de 150% ou 225% sobre o valor dos tributos tidos por não declarados não guardam a devida proporção com a gravidade do ilícito cometido pelo contribuinte.

Ora, sanções em tais patamares, além de ofenderem ao princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, atentam contra o direito de propriedade, protegido pelo Texto Constitucional em seu art. 5º, inciso XI, princípio no qual se funda a ordem econômica deste País (art. 170, inciso II), e contra o próprio princípio da capacidade contributiva, que rege as relações de direito tributário.

Assim, do mesmo modo que se exige que a instituição de tributos não atente contra o princípio da capacidade contributiva e se limite o poder de tributar, pode-se dizer que esse entendimento justifica a vedação de multas originadas do descumprimento de obrigação acessória que não leva em conta tal princípio, o que acabará por afetar o próprio direito de propriedade, podendo chegar, até mesmo, a ter efeitos confiscatórios.

A legislação tributária que fixou multas em percentuais tão exagerados deve ser afastada pelo Poder Judiciário, com a declaração de sua inconstitucionalidade por ofensa aos princípios do não-confisco, da capacidade contributiva, da proporcionalidade, da moralidade e da razoabilidade.

O STF, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 551-1/RJ, já afirmou entendimento no sentido de que a multa desproporcional com o desrespeito à norma tributária ofende o princípio do não-confisco, padecendo de vício de inconstitucionalidade a norma que o fizer (STF, ADI nº 551/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJU de 14.02.2003).

Saliente-se que, em sede de repercussão geral, aguarda-se a reafirmação do posicionamento do STF sobre a multa fiscal qualificada (sonegação, fraude e conluio) – Tema 863.

Em que pese o recurso afetado ao rito da repercussão geral ainda aguarde julgamento de mérito, o fato é que, conforme acima evidenciado, até o momento tem prevalecido a posição de que a multa punitiva não pode ser superior ao valor do tributo tido por omitido/sonegado, tal como o decidido no âmbito do RE nº 833.106 AgR/GO e ARE nº 938.538 AgR/ES, antes mencionados.

E, ainda que se trate de multa de ofício qualificada por suposta omissão de rendimentos, não é válida a cobrança excedendo o valor do principal, na medida em que o art. 150 inciso IV da Constituição Federal veda esta cobrança para qualquer tipo de penalidade, inclusive, para aquelas que tenham sido qualificadas por sonegação/fraude/conluio.

Isso é corroborado por recente parecer apresentado pelo Ministério Público Federal, da lavra do procurador regional da República Fábio Bento Alves, em feito que será julgado pelo TRF da 4ª Região, assim ementado:

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PARCELAMENTO. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. MULTA DE OFÍCIO AGRAVADA. NATUREZA CONFISCATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Contraria o princípio da vedação ao confisco a multa de ofício agravada em 225%. Entendimento jurisprudencial. Readequação para aplicação de multa limitada ao patamar máximo de 100% do valor do tributo devido. 2. A multa prevista no artigo 44, inc. II, da Lei 9.430/96 possui caráter punitivo, sendo acessória e, nessa condição, não pode ultrapassar o valor principal, sob pena de afronta à vedação de confisco. Parecer pelo parcial provimento da apelação.

Apesar da relevância do princípio do não-confisco, dada a sua abrangência e abertura, até o momento não se tem uma delimitação específica daquilo que se caracteriza como confiscatório, o que impõe, em cada caso concreto, o exame específico das características da cobrança, para que se alcance a melhor conclusão acerca da dosimetria da penalidade.

Mas é certo que uma penalidade aplicada na ordem de 150% ou 225% não guarda observância com a melhor interpretação da matéria, devendo a multa ficar limitada, ao menos, ao montante do tributo devido (100%).

Notas sobre o interesse comum capaz de gerar solidariedade tributária

por Sarah Tockus

A advogada Sarah Tockus atua no setor tributário do Prolik Advogados.

É bastante comum para quem atua no direito tributário, deparar-se com decisões judiciais que impõem a responsabilidade solidária a empresas integrantes de um mesmo grupo econômico.

No texto dessa semana, pretende-se, justamente, analisar a responsabilidade tributária solidária dessas sociedades, em relação a obrigação tributária nascida de fato imponível realizado por apenas uma das empresas do grupo.

Rememore-se que a caracterização de um grupo econômico, de modo geral, ocorre sempre que uma ou mais empresas, embora cada qual com personalidade jurídica própria, estejam sob a direção, controle ou administração de outra.

E, há solidariedade quando, na mesma obrigação, concorre mais de um devedor (ou credor), cada qual com direitos ou obrigações em relação à toda a dívida.

No campo do direito tributário, a solidariedade não comporta benefício de ordem, ou seja, o credor pode escolher o devedor que desejar (ou todos eles) para o cumprimento da obrigação, que, uma vez adimplida, também aproveita os demais.

A base normativa da solidariedade tributária está no artigo 124, do Código Tributário Nacional, que a autoriza em duas situações: quando as pessoas envolvidas tenham interesse comum na situação que constitua a materialidade do tributo prevista na regra matriz; e quando expressamente prevista em lei.

Fixadas essas premissas, passa-se à análise de quando empresas de um mesmo grupo econômico podem vir a ser responsabilizadas por obrigações tributárias de apenas uma delas.

A esse respeito, Carlos Jorge Sampaio Costa leciona “a solidariedade dos membros de um mesmo grupo econômico está condicionada a que fique devidamente comprovado: a) o interesse imediato e comum de seus membros nos resultados decorrentes do fato gerador; e/ou b) fraude ou conluio entre os componentes do grupo. (…) Na fraude ou conluio, o interesse comum se evidencia pelo próprio ajuste entre as partes, almejando a sonegação.” (Revista de Direito Tributário. Ano 2, n. 4, abril/junho de 1978. p. 304)

São, pois, solidariamente obrigadas pelo crédito tributário pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador, o que não é revelado pelo interesse econômico no resultado ou no proveito da situação que constitui o fato gerador da obrigação principal, mas pelo interesse jurídico, que diz respeito à realização comum ou conjunta da situação que constitui o fato gerador.

Uma sociedade que participa do capital de outra, ainda que de forma relevante, não é solidariamente responsável pela dívida tributária, apenas por isso. Nesse sentido o Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “A sociedade que participa do capital de outra, ainda que de forma relevante, não é solidariamente obrigada pela dívida tributária referente ao imposto de renda desta última, pois, embora tenha interesse econômico no lucro, não tem o necessário interesse comum, na acepção que lhe dá o art. 124 do CTN, que pressupõe a participação comum na realização do lucro. Na configuração da solidariedade é relevante que haja a participação comum na realização do lucro, e não a mera participação nos resultados representados pelo lucro.” (TRF4, AMS 94.04.55046-9, SEGUNDA TURMA, Relator ZUUDI SAKAKIHARA, DJ 27/10/1999)

A caracterização da solidariedade com fundamento no interesse comum exige o interesse na situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária. Interesse jurídico e não meramente econômico, próprio dos grupos econômicos.

É essa, aliás, a interpretação do Superior Tribunal de Justiça: “Para se caracterizar responsabilidade solidária em matéria tributária entre duas empresas pertencentes ao mesmo conglomerado financeiro, é imprescindível que ambas realizem conjuntamente a situação configuradora do fato gerador, sendo irrelevante a mera participação no resultado dos eventuais lucros auferidos pela outra empresa coligada ou do mesmo grupo econômico.” (REsp n.º 834.044/RS, Rel. Min. Denise Arruda, 1ª Turma, julgado em 11.11.2008, DJe de 15.12.2008) Mais recentemente, em decisão de relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, esse entendimento foi reforçado:  “A respeito da definição da responsabilidade entre as empresas que formam o mesmo grupo econômico, de modo a uma delas responder pela dívida de outra, a doutrina tributária orienta que esse fato (o grupo econômico) por si só, não basta para caracterizar a responsabilidade solidária prevista no art. 124 do CTN, exigindo-se, como elemento essencial e indispensável, que haja a induvidosa participação de mais de uma empresa na conformação do fato gerador, sem o que se estaria implantando a solidariedade automática, imediata e geral;” (AgInt no Agravo em REsp n.º 1.035.029/SP, j. em 28.05.2019, DJe de 30.05.2019)

O interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal implica que as pessoas solidariamente obrigadas sejam sujeitos da relação jurídica que deu azo à ocorrência do fato imponível, sob pena de desnaturação da própria lógica jurídico-tributária. Pois, só pode ser incluído no polo passivo da relação tributária alguém que tenha participado da ocorrência do fato gerador.

Não basta, assim, a mera identidade de sócios, fazer parte do mesmo conglomerado societário. É essencial demonstrar o interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas integrantes no fato gerador tributário, na linha da jurisprudência mencionada.

Apesar da regra do art. 124, do CTN, e para que fique aqui o registro, tem-se questionado atualmente sobre a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica, previsto no art. 50, do Código Civil e art. 133, do CPC, quando o que se pretende é a responsabilização apenas com fundamento no interesse comum.

A aplicação, no entanto, dependerá de análise da Primeira Seção de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça, pois as Turmas divergem a respeito do cabimento do instituto nas execuções fiscais.

Em fevereiro de 2019, a 1ª Turma do STJ entendeu que o redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originariamente executada, mas não foi identificada no ato de lançamento ou que não se enquadra nas hipóteses dos artigos 134 e 135, do CTN (responsabilidade de terceiros por atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei, contratos e estatutos), depende da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tornando obrigatória a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica devedora  (REsp n.º 1.775.269/PR, DJe de 1º.03.2019).

Para a 2ª Turma, no entanto, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é incompatível com o processo de execução fiscal, seja porque incompatível com a lei especial, seja porque do ponto de vista prático, como suspende a cobrança da dívida, a instauração do incidente acabaria por facilitar eventual dilapidação de patrimônio por parte do devedor, além de impor ônus excessivo à Fazenda na busca pela satisfação de seus créditos. (REsp n.º 1.786.311/PR, julgado em 09.05.2019).

Resta aguardar qual será a posição do STJ. Dentro ou fora do instituto de desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica, no entanto, para fins de responsabilização solidária, com fundamento no art. 124, do CTN, deve haver participação conjunta na situação que configura o fato gerador da obrigação tributária (ou eventual fraude) de uma empresa, para que outra do mesmo grupo econômico seja solidariamente responsabilizada.

O necessário debate sobre uso do mandado de segurança em temas tributários e repetição via precatório

Por Janaina Baggio

A advogada Janaina Baggio atua no setor tributário do Prolik.

O Mandado de Segurança (MS) é remédio constitucional previsto no artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal de 1988, de larga utilização no meio jurídico, especialmente em relação aos temas de natureza tributária, para os quais se observa certo grau de compatibilidade/afinidade com as hipóteses de cabimento da medida.

De modo geral, o estímulo ao uso do MS decorre de algumas vantagens previstas tanto na lei que hoje regula o procedimento – nº 12.016/09 – como a partir da interpretação jurisprudencial. São exemplos: a) o “rito célere” viabilizado com o trâmite prioritário e a prova pré-constituída do direito “líquido e certo” (arts. 1º e 20); b) a dispensa de honorários sucumbenciais em desfavor da parte vencida (art. 25); c) a possibilidade de execução provisória da sentença que conceder a ordem (art. 14); d) a desistência a qualquer tempo, com extinção sem julgamento de mérito (Tema 530/STF), dentre outras.

Do ponto de vista das ações tributárias, algumas dessas características podem favorecer a pretensão deduzida em juízo, mas também limitá-la em algumas situações, sendo de oportuno destaque alguns temas rotineiros na advocacia da área.

A descrição da hipótese de cabimento do MS, voltado a proteger direito “líquido e certo”, estabelece desde a origem a necessidade de prova documental pré-constituída para fins de instrução do procedimento, que não se submeterá à fase de dilação probatória típica dos procedimentos ordinários.

Se por um lado a subtração da fase instrutória garante maior celeridade, de outro, representa importante aspecto limitador a ser considerado, que retira do escopo do MS todas as situações que possam envolver algum quadro fático de maior complexidade, que eventualmente exija prova específica ou complementar.

No que tange ao atrativo representado pela dispensa dos honorários de sucumbência, trata-se de relevante aspecto sobretudo em relação às “causas repetitivas”, diante das naturais incertezas quanto à interpretação da matéria pelos Tribunais. É sabido que o tempo médio de julgamento de um tema repetitivo é longo, perdurando nesse período a incerteza quanto ao destino das ações, inclusive em razão das sucessivas mudanças de composição dos integrantes das Cortes.

Especificamente quanto aos efeitos patrimoniais, embora a jurisprudência consolidada há anos reconheça ser o MS instrumento hábil para o pedido de compensação tributária, conforme texto da Súmula nº 213/STJ, afirma que ele não pode servir como sucedâneo de ação de cobrança, por não produzir efeitos patrimoniais pretéritos (Súmulas nº 269 e 271 do STF).

Devido a essa limitação, o MS nunca pôde ser utilizado como instrumento voltado à repetição de indébito via precatório, não obstante a sentença mandamental transitada em julgado seja, naturalmente, um título judicial apto a fundamentar os pedidos de tal natureza, desde que formulados em ação ordinária autônoma.

Nova interpretação

Nos últimos anos, porém, uma nova interpretação jurisprudencial feita a partir da redação do art. 14, § 4º, da Lei nº 12.016/09, sinaliza a possibilidade de que o entendimento venha a ser alterado, embora com limitações.

Nos autos de RE nº 889.173, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral no exame da matéria, estando a decisão assim ementada:

Ementa: recurso extraordinário, constitucional e processual. Mandado de segurança. Valores devidos entre a data da impetração e a implementação da ordem concessiva. Submissão ao regime de precatórios. Repercussão geral reconhecida. Reafirmação de jurisprudência.” (RE 889173 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 07/08/2015, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-160 DIVULG 14-08-2015 PUBLIC 17-08-2015)

Portanto, é possível que venha a ser autorizada a repetição via precatório em mandado de segurança, especificamente no que tange aos recolhimentos feitos após a impetração, com possível limitação dos efeitos ao momento de implementação da ordem concedida/recolhimentos feitos no curso da ação mandamental.

Certamente as vantagens do uso do MS superam as limitações, o que justifica sua ampla utilização em matéria tributária, daí porque a perspectiva jurisprudencial de uma eventual ampliação dos seus efeitos patrimoniais precisa ser debatida e estimulada, pois virá em benefício de todos: contribuintes, Fazendas Públicas e Poder Judiciário.

Sobre a reclassificação fiscal de mercadorias

Por Michelle Heloise Akel

A advogada Michelle Heloise Akel atua no setor tributário do Prolik.

Situação que tem se tornado corriqueira, tanto na esfera de fiscalização federal como estadual, é o lançamento tributário, com exigência de diferença de recolhimento de tributos (Imposto de Importação – II, Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e ICMS) em decorrência da reclassificação fiscal promovida por autoridade fazendária.

No âmbito da fiscalização federal, o contribuinte – após anos e anos, às vezes por mais de década, adotando a mesma classificação fiscal em operações de importação, inclusive com operações parametrizadas em canal vermelho, ou seja, com conferência física, sem ser nunca questionado – é fiscalizado e vê desconsiderada a classificação fiscal utilizada. Classificação fiscal esta, a propósito, que normalmente é a mesma usada pelo exportador industrial.

É autuado pela diferença dos tributos incidentes diante das diferenças de alíquotas de tributos incidentes na importação e, mesmo quando sequer há diferença, é aplicada multa isolada do artigo 84, inc. I, da Medida Provisória nº 2158-35/2001, por alegado prejuízo à fiscalização aduaneira.

O mesmo ocorre nos estados, quando a fiscalização – seja para fins de definição de alíquota aplicável ou incidência da substituição tributária – reclassifica de forma unilateral a classificação fiscal adotada pelos contribuintes.

Embora os contribuintes reiteradamente aleguem a impossibilidade de reclassificação fiscal por autoridade fiscal sem conhecimentos técnicos para tanto, usualmente vêem dito argumento ser refutado em discussões administrativas e a classificação fiscal por ele usada e aquela revista pela fiscalização serem analisadas por órgãos administrativos, os quais – igualmente – não possuem conhecimentos técnicos para tanto.

Felizmente, contudo, algumas decisões têm reconhecido a impossibilidade de reclassificação fiscal pela autoridade fiscal, na medida em que exige análise técnica de natureza, composição e constituição do produto, cabendo ao órgão fiscalizador provar o erro cometido pelo contribuinte.

Nesse sentido, se posicionou a 1.ª Turma Ordinária da 3.ª Câmara da 3.ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), em decisão proferida por unanimidade.

Nos termos do voto proferido pela Cons. Relatora, no Acórdão nº. 3301-005.698 – 3.ª Câmara / 1.ª Turma Ordinária (Processo nº. 10830.726952/201441):

“A reclassificação fiscal exige análise técnica da natureza, composição e constituição do produto, não basta apenas que a fiscalização apresente o seu entendimento sobre a descrição formulada pela importadora, mas sim incumbe-lhe o ônus da prova, cumprido através da apresentação de elementos técnicos que sustentem a classificação atribuída pela Administração, afastando aquela empregada pelo contribuinte. Havendo litígio no que se refere à identificação do produto importado, deve haver, nos autos, elementos capazes de demonstrar a adequada reclassificação efetuada pela fiscalização, em contraposição ao código em que fora enquadrado pelo importador”.

O Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais do Estado do Paraná, ao analisar situação envolvendo a reclassificação fiscal de desodorantes, em decisão proferida em abril de 2018, concluiu pela impossibilidade de desconsideração da classificação fiscal adotada pelo contribuinte com base em informação constante de catálogo de venda.  A decisão está assim ementada:

“ICMS  –  Deixar  de  pagar  o  imposto na forma e no prazo previsto na legislação. Infração parcialmente mantida.

(…) II – Conforme Soluções de Consulta da Receita Federal do Brasil, o desodorante colônia é classificado no código 3307.20.10 da NCM, não se confundindo esse produto   com “água de colônia”.  Não cabe a desclassificação da NCM do produto com base na sua descrição em catálogo de venda. Desodorantes corporais e antiperspirantes líquidos são produtos distintos, não sendo possível restringir o benefício fiscal de redução da base de cálculo somente ao desodorante corporal que tenha ação antiperspirante. Aplica-se o benefício fiscal previsto no item 5 da Tabela I do Anexo II do RICMS/2007 aos desodorantes corporais líquidos classificados no código 3307.20.0100 da NBM/SH (correspondente à NCM 3307.20.10).

Preliminar de nulidade da decisão cameral por cerceamento de defesa, arguida pelo sujeito passivo, rejeitada. Recurso de reconsideração do sujeito passivo parcialmente provido. Decisões unânimes.”

(CCRF/PR. Acórdão nº. 79/2018. Pleno. PAF: 65853701. Publicação: 27/04/2018.  DOE: 10179.)

Transcreve-se trecho autoexplicativo do voto:

“A simples análise da descrição do produto no catálogo não é suficiente para descaracterizar a classificação do NCM do produto. Não tem o agente fiscal a competência para afastar a classificação de produto por mera presunção. A presente autuação não decorre de presunção legal, sendo assim é dever do agente autuante comprovar suas alegações. Vale lembrar que a classificação dos produtos no NCM ou na TIPI é matéria de competência da Receita Federal do Brasil.” (destacou-se)

Espera-se que a jurisprudência administrativa e judicial evolua, reconhecendo a impossibilidade de as fiscalizações, unilateralmente, sem maiores conhecimentos técnicos e, especialmente, quando envolvem produtos que dependem de análise química, promovam a reclassificação fiscal de mercadorias, transferindo o ônus da prova para os contribuintes.

Luvas na locação comercial

Por Paulo Roberto Narezi

O advogado Paulo Roberto Narezi atua no setor Cível do Prolik.

“Luvas” é o nome dado ao valor pago pelo inquilino ao proprietário de um imóvel, além do aluguel mensal, levando em conta na maioria das situações a particularidade deste bem, seja pelo seu valor, pela sua localização estratégica ou pelas benfeitorias que possui.

As Luvas são costumeiramente pagas de forma adiantada, no ato da assinatura do contrato de locação, admitindo-se formas diferenciadas de pagamento, como o parcelamento junto com o aluguel.

As locações, até o início da vigência da Lei 8.245/1991 eram reguladas pelo Decreto 24.150 de 20 de abril de 1934. Essa regra possuía previsão expressa, no artigo 29, de proibição da cobrança de luvas por parte do locador.

Tal prática era vista como ilícito, punível com multa e até mesmo prisão.

Em razão disso pagamentos informais eram comuns, bem como eram criadas regras contratuais com o objetivo de disfarçar essa cobrança.

Com a Lei 8.245/1991, regra vigente que regula as locações, a cobrança de luvas passou a ser permitida, ao menos no início das locações, justamente em situações nas quais o imóvel disponível para locação tem particularidades que o diferenciam em relação a outros, como valor significativo, localização estratégica, ou benfeitorias que o colocam em situação de vantagem em relação a outros bens imóveis na mesma região.

Todavia a cobrança de luvas por parte do locador não é livre, sendo assegurado tal procedimento apenas no início da locação e vedada a sua prática em casos de renovação.

É o que dispõe o artigo 45 da Lei 8.245/1991: “Art. 45. São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto.”

O que a lei assegura, portanto, ao inquilino, é o direito de renovar o contrato de locação, desde que preenchidos os requisitos legais, sem qualquer imposição de obrigação pecuniária que não o aluguel ajustado ou fixado judicialmente.

A prática de cobrança de luvas em renovação de contratos, apesar de expressamente vedada, encontra espaço nos dias de hoje, mas é rejeitada pelo Poder Judiciário, ainda que encoberta por cláusulas contratuais com outras obrigações financeiras.

Em recente (08.08.2018) julgamento de apelação cível (1.717.378-9) no Tribunal de Justiça do Paraná, sob a relatoria do Juiz Substituto de Segundo Grau, Luciano Carrasco Falavinha Souza, a 12.ª Câmara Cível do Tribunal reconheceu a nulidade de cláusula contratual que impunha à locatária o pagamento de um valor, a título de aluguel antecipado, em renovação de contrato de locação, que equivalia a quase 25% de todo o aluguel da locação, por entender que se tratava de cobrança disfarçada de luvas.

Decisão similar foi proferida pela 16.ª Câmara Cível do mesmo Tribunal, no julgamento da apelação cível 0007888-64.2017.8.16.0014, em 05.12.2018, em que foi relatora a desembargadora Maria Mércis Gomes Aniceto.

Cumpre observar, em relação ao que foi dito sobre a cobrança de luvas apenas no início da locação, e não na sua renovação, que existem julgados, ainda não pacificados sobre o tema, no sentido de admitir que a cobrança das luvas ocorra apenas nos casos de locação celebradas por prazo superior a cinco anos.

Isso porque, nas locações comerciais firmadas por prazo inferior a cinco anos, ao locatário não é assegurado o direito de renovar a locação judicialmente, afigurando-se, portanto, segundo esses julgados, prática ilegal a cobrança de luvas em contratos inferiores a 60 meses.

Importante destacar, por outro lado, que nada impede que o locatário ofereça determinado valor ao proprietário para a renovação do contrato de locação. O que a lei veda é a exigência do locador de pagamento de um valor como condição para a permanência do inquilino no imóvel. Mas, se esse se dispõe a pagar determinada importância, por ser do seu interesse manter-se no imóvel, afastando outros pretendentes, o recebimento não configura ato ilícito do locador. Nesse caso, vale a regra da livre convenção das partes.

A (in)constitucionalidade da cobrança do complemento de ICMS-ST pelos estados

Por Fernanda Gomes Augusto

A advogada Fernanda Gomes Augusto atua no setor tributário do Prolik.

Em outubro de 2016, o Supremo Tribunal Federal, no âmbito do julgamento do Recurso Extraordinário nº 593.849/MG, na sistemática da repercussão geral, reconheceu o direito do contribuinte substituído a restituir-se do valor do ICMS-ST recolhido a maior, desde que comprovado que a base de cálculo presumida tenha sido superior ao valor da venda ao consumidor final.

Esse julgamento se deu em razão da vedação à restituição ou à cobrança complementar do ICMS na sistemática da substituição tributária, existente na cláusula segunda do Convênio ICMS nº 13/97.

Entendeu o Supremo Tribunal Federal que o disposto ofende o art. 150, § 7º, da Constituição Federal, que por sua vez assegura ao contribuinte o direito à restituição do tributo pago de forma antecipada quando não efetivado o fato gerador presumido e que, esse direito, se estende aos casos em que o fato gerador presumido não se concretize na exata forma em que antecipadamente tributado.

Então, restou fixada a tese de que “é devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”.

Ao assim concluir, o Supremo Tribunal Federal consignou que restava alterado parcialmente o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1851-4/AL, de 08/05/2002, e modulou os efeitos, para que esse novo entendimento se aplique apenas aos fatos geradores futuros e litígios pendentes de julgamento.

O entendimento anterior, fixado no âmbito do julgamento da ADI mencionada, era de que o fato gerador presumido não é provisório, mas definitivo e que, por isso, não daria ensejo à restituição ou complementação do valor pago, com exceção de quando não se realizasse o fato gerador final.

Assim, a conclusão do julgamento do RE nº 593.849/MG acabou por reabrir outra discussão, qual seja: a possibilidade de os estados exigirem complemento de ICMS-ST, quando o valor efetivo da venda ao consumidor final for superior a base presumida.

Os estados interpretaram que o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal teria efeito “duplo”, permitindo tanto a restituição quanto a complementação do imposto.

Dessa forma, vários estados, entre eles São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, editaram leis e decretos, incorporando em suas legislações a previsão de restituição do valor pago a maior, mas também a necessidade de complementação do ICMS-ST, nas hipóteses em que o preço de venda praticado se mostre inconsistente com a base de cálculo presumida para a cadeia de substituição.

O estado de São Paulo possui previsão de cobrança desde 14/04/09, com a edição do Decreto nº 54.239. Já o estado do Paraná o fez através do art. 6º, da Lei nº 19.595, de 12 de julho de 2018, determinando, ainda, que a exigência do complemento se daria para os fatos geradores ocorridos a partir de 20/10/2016.

Inobstante a flagrante inconstitucionalidade da legislação paranaense, na parte em que visa à cobrança de tributo sobre eventos ocorridos antes da sua edição, por ofensa ao princípio constitucional da anterioridade, também não se pode admitir a cobrança do complemento do ICMS-ST do contribuinte substituído por ser contrária a jurisprudência do STF e ofender o princípio da segurança jurídica.

De acordo com o ministro Edson Fachin, relator do RE nº 593.849/MG, houve alteração parcial de precedente, na modalidade de reescrita (overriding), que ocorre quando a Corte redefine o âmbito de incidência, restringindo a sua aplicação.

Dessa forma, acreditamos que a alteração do entendimento anterior se refere apenas ao reconhecimento do direito de restituição do valor pago em excesso pelo contribuinte, mantendo-se válida a conclusão da ADI nº 1851/AL quanto à impossibilidade de cobrança do complemento pelo Fisco.

Até porque a Constituição Federal (art. 150, § 7º), no âmbito das limitações constitucionais ao poder de tributar, assegurou apenas o direito à restituição do contribuinte, o que leva à conclusão de que o direito de complementação do Fisco está vedado.

Ainda, a cobrança complementar ofenderia a segurança jurídica, uma vez que o Contribuinte não teria como saber qual base de cálculo adotar – presumida ou o valor efetivo da operação – nem poderia mensurar o seu custo tributário.

Por fim, cabe destacar que a sistemática da substituição tributária foi criada pelo Estado visando a maior segurança e eficiência na arrecadação e na máquina estatal, além de combater a sonegação, ao fixar o recolhimento em determinados pontos da cadeia produtiva. Dessa forma, não há como entender pelo direito do Estado de obter os benefícios do regime ordinário quando lhe convém, sob pena de extinção da própria sistemática por ele instituída.