Sócio não pode ter nome inscrito no Serasa por dívida da empresa

Por Isadora Boroni Valério

A 32ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisão do último dia 11 de julho, condenou empresa a pagar indenização a empresário que teve seu nome incluído nos cadastros do Serasa em razão de dívida da sociedade na qual é sócio. Para o desembargador do caso, Kioitsi Chicuta, ficou clara a falta de cautela da empresa ao incluir o nome do empresário em órgão de proteção de crédito sem que fosse feita a verificação exata do seu cabimento e pertinência. Inexistia relação jurídica entre o credor e o sócio da empresa, de modo que o débito dele cobrado também era ilegítimo.

Vale lembrar que a pessoa jurídica da empresa e a pessoa do seu sócio possuem personalidades distintas. Logo, cada um é titular do seu patrimônio, composto por bens, direitos e também por dívidas. Trata-se do princípio da unidade do patrimônio: quando se cria uma pessoa jurídica e a ela se atribui personalidade, essa pessoa passa a ser titular do seu próprio patrimônio, diferente daquele de seus sócios.

Havendo a separação do patrimônio do sócio do patrimônio da empresa e não restando comprovada a existência de relação jurídica entre o credor e o empresário que justificasse a cobrança do débito, a inscrição indevida do seu nome no Serasa deu origem ao “inegável dever de reparação dos danos sofridos, tendo em vista a existência de abalo ao bom nome, à imagem e credibilidade no mercado”, segundo o relator do acórdão.

Bens do empresário respondem por dívidas da empresa individual

A decisão proferida pela 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em abril deste ano deixou claro o que a própria lei já prevê: o patrimônio dos empresários individuais é o mesmo da empresa. Assim, não há a necessidade de se instaurar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica para executar os bens do empresário individual quando houver dívidas constituídas pela empresa.

Nas sociedades empresárias como as anônimas e limitadas, e na empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), há a constituição da pessoa jurídica e a atribuição a ela da respectiva personalidade jurídica. Logo, há a separação do patrimônio da pessoa natural do patrimônio da empresa. Nesses casos, a responsabilidade do empresário perante dívidas constituídas em nome da sociedade é limitada ao valor do capital social, quando este foi totalmente integralizado.

Embora o empresário individual, por sua vez, esteja obrigado a se inscrever junto ao Registro Público de Empresas Mercantis e constitua pessoa jurídica através da qual exercerá atividade empresária, à essa empresa individual não se atribui personalidade jurídica, na medida em que o seu patrimônio pertence ao sócio que a compõe.

A advogada Isadora Boroni Valério explica que no Brasil vigora o princípio da unicidade do patrimônio, ou seja: cada sujeito é titular de um único patrimônio, composto por bens, direitos e por dívidas. Quando se cria uma pessoa jurídica e a ela atribui-se personalidade, essa pessoa passa a ser titular do seu próprio patrimônio, diferente daquele de seus sócios, e que responderá por suas obrigações.

No caso do empresário individual, não há a atribuição de personalidade jurídica à pessoa jurídica constituída. O registro da empresa é uma formalidade que não separa o patrimônio do titular daquele da empresa, mantendo a unicidade dos ativos e passivos do sócio e da empresa através da qual ele exerce a atividade comercial. Diz-se que a responsabilidade do empresário é ilimitada, o que significa reconhecer, em outras palavras, que tanto a sociedade responde com seus bens pelos débitos adquiridos por seu titular, como o seu proprietário responde pelos débitos contraídos pela empresa.

Daí a razão da decisão proferida apontar que não é necessário desconsiderar a personalidade jurídica do empresário individual para atingir os bens do sócio, já que o patrimônio de ambos é um só. É importante estar atento ao tipo societário escolhido pelo empresário para o exercício da sua atividade empresarial e os riscos a ele inerentes, principalmente no que diz respeito à limitação de sua responsabilidade perante dívidas da empresa.

Companheira herda todo patrimônio na ausência de ascendentes e descendentes, decide STJ

Por Thiago Cantarin Moretti Pacheco

O advogado Thiago Cantarin Moretti Pacheco atua no setor Cível do Prolik.

Em julgamento realizado recentemente, a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que, na ausência de descendentes e ascendentes do autor da herança, a companheira herda a totalidade do patrimônio – inclusive aquele adquirido onerosamente antes do início da união estável. A decisão do STJ confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais contra o qual se insurgiram parentes de quarto grau do autor da herança. A decisão reformou o entendimento monocrático sobre a sucessão, que havia se fundado no art. 1.790, III do Código Civil:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

(…)

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

O Recurso Especial foi relatado pelo Ministro Villlas Bôas Cueva, o qual ressaltou que, após decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, o dispositivo legal em questão “não subsiste mais no sistema” – é que o STF reconheceu, em caráter incidental, sua inconstitucionalidade, e entendeu que não existe mais qualquer diferenciação entre cônjuges e companheiros para fins sucessórios. Assim não haveria violação ao art. 1.790 do Código Civil, alegada pelos parentes do falecido no recurso especial, devendo se aplicar ao caso concreto as disposições dos arts. 1.829 e 1.839, do mesmo Código.

O julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal, a seu turno, ocorreu em maio de 2017 e foi capitaneado pelo ministro Luís Roberto Barroso – relator do Recurso Extraordinário n. 878694 e prolator de voto divergente no RE n. 646721. Naquela oportunidade, prevaleceu, em repercussão geral, o seguinte entendimento:

“No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”.

Assim, o STJ passa a aplicar a conclusão adotada pelo STF de que não existiria “hierarquia” entre famílias constituídas a partir do casamento e da união estável – entendimento também sujeito a críticas, como a do próprio Ministro Mauro Aurélio de Mello, relator vencido no RE 646721, cujo entendimento é o de que a mera existência de institutos diferentes, com a possibilidade de escolha pelos interessados, é suficiente para demonstrar que não são equivalentes. Ganhou destaque à época, também, o voto do Ministro Dias Toffoli em sentido oposto ao da tese prevalente, concluindo que a norma do art. 1.790 do Código Civil é constitucional.

De toda forma, a tese vencedora no STF passa a ser aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça e, concorde-se ou não com seu acerto, há um inegável ganho de segurança jurídica em tema que, até então, era marcado por incertezas e decisões das mais variadas e conflitantes – somando-se a isso a sempre possível destinação de patrimônio por última disposição de vontade, ausente, aliás, no caso concreto decidido pelo STJ.