Sociedade limitada unipessoal: a denominação social quando o sócio único for pessoa jurídica

A Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), ao desburocratizar e simplificar as atividades empresariais, introduziu uma série de modificações no ordenamento jurídico brasileiro. Uma destas alterações diz respeito à inserção das sociedades limitadas unipessoais no Código Civil, tratada neste artigo.

Em continuação, tendo em vista a edição da Instrução Normativa (IN) nº 69/2019, pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI), retomamos o assunto para melhor explorá-lo, interessando-nos, neste momento, as normas relacionadas à composição do nome da citada modalidade empresarial.

Antes de adentrarmos ao tema, vale relembrar que as sociedades limitadas unipessoais, tipificadas no §1º, do art. 1.052, do Código Civil, são formadas por uma única pessoa, física ou jurídica, sendo este o seu principal diferencial em relação às já conhecidas sociedades limitadas constituídas por dois ou mais sócios. À parte desta característica, ambas as modalidades partilham da mesma base normativa, dando-se especial destaque à limitação da responsabilidade dos sócios/sócio único quanto às obrigações contraídas no âmbito da sociedade.

Neste cenário, o DREI, órgão responsável por, dentre outras funções, regulamentar as normas e diretrizes gerais do registro público de empresas mercantis, estabeleceu, inicialmente, por meio da IN nº 63/2019, de 11 de junho de 2019, que o nome empresarial das sociedades limitadas unipessoais fosse formado pelo nome civil do sócio único seguido da palavra “limitada”, por extenso ou abreviada, podendo ser-lhe acrescido, se desejável ou quando já existir nome empresarial idêntico ou semelhante, designação mais precisa da pessoa ou da atividade do sócio único.

Dessa feita, regra geral, a determinação deveria ser aplicada independentemente de as sociedades limitadas unipessoais possuírem, na qualidade de sócio único, pessoa física ou jurídica, demonstrando-se, a ideia, lacunosa. Assim, de acordo com esta lógica, nas hipóteses de alteração do quadro de sócios reduzindo-o a sócio único pessoa jurídica, como ficaria a composição do nome empresarial?

A resposta ao questionamento veio apenas de 18 de novembro de 2019, através da IN nº 69/2019. Nos termos do seu art. 2º “a sociedade limitada constituída por um único sócio pode ter nome empresarial de tipo firma ou denominação, valendo, para ambos os casos, as regras gerais da sociedade limitada, observada a necessidade de mudança de nome, apenas se for do tipo firma, quando se torna unipessoal por retirada de sócio cujo nome próprio compunha o nome empresarial”.

O advogado Cícero José Zanetti de Oliveira, do Setor Societário de Prolik Advogados, destaca que a IN nº 69/2019 não revogou, mas tão somente aclarou as disposições da IN nº 63/2019, de modo que, na prática, um dispositivo complementa o outro, devendo ser considerados conjuntamente.

Já para os casos das sociedades limitadas pluripessoais, o advogado reforça a aplicação da regra do art. 1.158, do Código Civil, mediante a adoção da firma (composta pelo nome de um ou mais sócios pessoa física), ou da denominação (que designará o objeto da sociedade), seguida, em qualquer das opções, pela palavra “limitada”, por extenso ou abreviada.

DREI passa a admitir a titularização de EIRELI por incapaz

Por Cícero José Zanetti de Oliveira

O advogado Cícero José Zanetti de Oliveira é diretor do Prolik Advogados e atua no setor societário.

Entrou em vigor em 12 de março de 2019 a Instrução Normativa nº 55, editada pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI). Através dela, foram modificadas as normas relacionadas à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), autorizando-se a sua titularização por incapazes.

Para tanto, nos termos do seu art. 1º, dois requisitos devem ser verificados. O primeiro relacionado à representação ou assistência do incapaz, a depender do grau da incapacidade, e o segundo voltado para a administração da empresa, que deverá ficar a cargo de terceira pessoa não impedida.

Ainda com relação ao primeiro requisito, observa-se que haverá a representação se o incapaz possuir menos de dezesseis anos – incapacidade absoluta -, e a assistência, se possuir entre dezesseis e dezoito anos – incapacidade relativa. Para ambos os casos, em observância ao artigo 1.690, do Código Civil, a instrução esclarece que “compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os sócios menores de 16 (dezesseis) anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade […]”.

Sem dúvidas, na esfera das EIRELIs, a inovação trazida pela IN 55 dá continuidade à flexibilização que já vem sendo operada na modalidade desde maio de 2017, conforme quadro descritivo abaixo. Em linhas gerais, enquanto vigente a Instrução Normativa nº 10, apenas pessoas naturais, maiores de dezoito anos ou emancipadas, e não impedidas por lei poderiam titularizá-la.

Em 2017, com a Instrução normativa nº 38, acresceu-se ao regramento a permissão para que pessoas jurídicas, nacionais ou estrangeiras, também pudessem titularizar EIRELIs. Após, por meio da Instrução nº 47, inovou-se na matéria autorizando-se que mais de uma EIRELI pudesse pertencer a uma mesma pessoa jurídica.

Registre-se, contudo, que esta disposição não se estende às pessoas naturais, que, segundo a norma editada pelo DREI, só podem figurar como titular de uma empresa da modalidade. Neste sentido, impõe-se como requisito para o registro do ato constitutivo cláusula na qual o constituinte declare não figurar em nenhuma outra empresa da modalidade.

Ademais, vale observar que a Instrução nº 47, então revogada pela IN 55, também abordou a situação dos incapazes, dispondo que a única hipótese em que ele poderia figurar como titular de EIRELI seria quando da necessidade de continuação da empresa, desde que exclusivamente para esta finalidade e que, sobre ele, não recaísse nenhum impedimento legal.

NORMA TITULARIZAÇÃO
IN 10/2013 Pessoas naturais, maiores de dezoito anos ou emancipadas, e não impedidas por lei.
IN 38/2017 Pessoas naturais, maiores de dezoito anos ou emancipadas, e não impedidas por lei;

Pessoa jurídica, nacional ou estrangeira.

IN 47/2018 Pessoas naturais, maiores de dezoito anos ou emancipadas, e não impedidas por lei;

Pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, em mais de uma EIRELI.

IN 55/2019 Pessoas naturais, maiores de dezoito anos ou emancipadas, e não impedidas por lei;

Pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, em mais de uma EIRELI;

Pessoas naturais incapazes, desde que representadas ou assistidas, e com a administração da EIRELI incumbida a terceiro não impedido por lei.

As demais regras relacionadas à modalidade, dispostas no art. 980-A, do Código Civil, permanecem as mesmas, como se constata do seu teor: “A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País”.

Neste sentido, possibilita-se ao titular explorar de forma individual a atividade econômica com todos os efeitos pertinentes à personalização, notadamente o da distinção patrimonial, a partir da qual os bens da empresa não se confundirão com os do titular. Noutros termos, desde que o seu titular não incorra nas hipóteses de abuso da personalidade previstas no art. 50 do Código Civil, a limitação da responsabilidade, prevista pelo tipo societário, faz com que eventuais dívidas da empresa não afetem, em regra, o patrimônio pessoal do titular.

O grande diferencial da EIRELI encontra-se no fato de uma única pessoa, natural ou jurídica, ser titular da totalidade do capital social, sendo um tipo societário atrativo para aqueles que não desejam desenvolver a atividade empresarial em conjunto com sócios, mitigando-se, ainda, os chamados “sócios de fachada”.

Em contrapartida, o capital social mínimo para a constituição de uma EIRELI é relativamente elevado, não podendo, nos termos do art. 980-A, ser inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no país. Malgrado a flexibilização operada pelo DREI, o tipo societário, em função da regra do Código Civil, apresenta-se ainda assim como uma opção restrita à parcela da população.

Há de se considerar, ainda, que a IN 55 confere às EIRELIs um algo a mais até então inexistente, tornando-a ferramenta de grande utilidade não só nas estruturações societárias, mas também nos planejamentos sucessórios. Neste último caso, especialmente, mais do que ferramenta, assume a empresa o papel de facilitadora, trazendo maior celeridade ao processo, menor desgaste aos envolvidos e a garantia de que haverá a preservação dos bens quando da transmissão patrimonial.

(Des)burocratização empresarial: a perda da eficácia da MP 876

No dia 11 de julho de 2019, a Medida Provisória nº 876 (MP 876), que dispunha sobre arquivamentos dos atos constitutivos das empresas mercantis, teve o seu prazo de vigência encerrado. Como consequência, deixaram de existir no ordenamento jurídico brasileiro alterações voltadas à desburocratização da regularidade empresarial.

A MP 876 entrou em vigor no dia 14 de março de 2019 e introduziu mudanças que tangenciavam desde os prazos para a apreciação dos pedidos de arquivamento pelas Juntas Comerciais até a dispensa da autenticação de documentos, quando declarados correspondentes aos originais por advogados e contadores.

Na prática, a observância dos seus comandos fazia com que o arquivamento, pelas Juntas Comerciais, dos atos relativos às sociedades anônimas, consórcios e grupos de sociedades, bem como às operações societárias de transformação, incorporação, fusão e cisão, fosse analisado no prazo de cinco dias úteis contado a partir do protocolo.

Já para os demais tipos societários, a citar as sociedades limitadas e EIRELIs, o tempo para a apreciação do pedido de registro era ainda menor, de modo que, cumpridas as formalidades legais, o retorno da Junta Comercial deveria ocorrer em até dois dias úteis a partir do protocolo dos documentos. Caso tal prazo não fosse respeitado, os atos deveriam ser considerados arquivados mediante provocação dos interessados, sem prejuízo do exame das formalidades legais pela procuradoria.

Além disso, destacava-se outro estímulo para a desburocratização: a nova redação que fora dada ao art. 63 da Lei 8.934/1994 (Lei de Registro Público de Empresas Mercantis), que conferia aos advogados e contadores a possibilidade de declararem a autenticidade de cópias de documento. A disposição legal estava em consonância com a Lei 13.726/2018 (Lei da Desburocratização), que veda, no âmbito da administração pública federal, a exigência de cópias autenticadas. Havia assim, sensível redução de custos para as empresas.

Retrocesso

Neste sentido, ainda que se entenda que as Juntas Comerciais exercem função federal delegada, a Junta Comercial do Paraná, na prática, voltou a exigir cópias autenticadas de documentos, nos moldes tradicionais. Há, assim, manifesto retrocesso no que concerne ao ideal de desburocratização empresarial.

Para a advogada Letícia Marinhuk, do Setor Societário do Prolik Advogados, o excesso de burocracia, em muitos casos meramente formal, acarreta prejuízos imensuráveis às empresas e empresários, cujo tempo é um dos principais aliados do desenvolvimento das respectivas atividades econômicas.

A falta de atenção à continuidade do processo de simplificação e desburocratização empresarial, atualmente conduzida pelo Ministério da Economia, implica sérios prejuízos ao Brasil. De acordo com Letícia, “em se tratando da legislação, a atividade criativa e integradora desempenhada pelos governantes consolida-se na contribuição para que as regras do País se tornem mais simples, acessíveis e modernas, revigorando-se na cooperação para que, gradativamente, sejam elaboradas de forma mais atraente e economicamente eficaz. No caso da MP 876, todavia, desejou-se tanto a ponto de se deixar a desejar”.

Bens do empresário respondem por dívidas da empresa individual

A decisão proferida pela 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em abril deste ano deixou claro o que a própria lei já prevê: o patrimônio dos empresários individuais é o mesmo da empresa. Assim, não há a necessidade de se instaurar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica para executar os bens do empresário individual quando houver dívidas constituídas pela empresa.

Nas sociedades empresárias como as anônimas e limitadas, e na empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), há a constituição da pessoa jurídica e a atribuição a ela da respectiva personalidade jurídica. Logo, há a separação do patrimônio da pessoa natural do patrimônio da empresa. Nesses casos, a responsabilidade do empresário perante dívidas constituídas em nome da sociedade é limitada ao valor do capital social, quando este foi totalmente integralizado.

Embora o empresário individual, por sua vez, esteja obrigado a se inscrever junto ao Registro Público de Empresas Mercantis e constitua pessoa jurídica através da qual exercerá atividade empresária, à essa empresa individual não se atribui personalidade jurídica, na medida em que o seu patrimônio pertence ao sócio que a compõe.

A advogada Isadora Boroni Valério explica que no Brasil vigora o princípio da unicidade do patrimônio, ou seja: cada sujeito é titular de um único patrimônio, composto por bens, direitos e por dívidas. Quando se cria uma pessoa jurídica e a ela atribui-se personalidade, essa pessoa passa a ser titular do seu próprio patrimônio, diferente daquele de seus sócios, e que responderá por suas obrigações.

No caso do empresário individual, não há a atribuição de personalidade jurídica à pessoa jurídica constituída. O registro da empresa é uma formalidade que não separa o patrimônio do titular daquele da empresa, mantendo a unicidade dos ativos e passivos do sócio e da empresa através da qual ele exerce a atividade comercial. Diz-se que a responsabilidade do empresário é ilimitada, o que significa reconhecer, em outras palavras, que tanto a sociedade responde com seus bens pelos débitos adquiridos por seu titular, como o seu proprietário responde pelos débitos contraídos pela empresa.

Daí a razão da decisão proferida apontar que não é necessário desconsiderar a personalidade jurídica do empresário individual para atingir os bens do sócio, já que o patrimônio de ambos é um só. É importante estar atento ao tipo societário escolhido pelo empresário para o exercício da sua atividade empresarial e os riscos a ele inerentes, principalmente no que diz respeito à limitação de sua responsabilidade perante dívidas da empresa.

Senado aprova PL que autoriza pessoa natural a ser titular de mais de uma EIRELI

O Plenário do Senado aprovou no último dia 7 o Projeto de Lei nº 10/2018 (PLS 10/2018) que visa alterar o art. 980-A, do Código Civil, e aperfeiçoar o tratamento legislativo dado às empresas individuais de responsabilidade limitada (EIRELIs).

Através dele, propõe-se a simplificação dos requisitos exigidos para a constituição de EIRELIs, destacando-se, em especial, a possibilidade expressa de pessoas jurídicas serem titulares de empresas desta modalidade, a possibilidade tanto de pessoas naturais como jurídicas figurarem em mais de uma EIRELI, bem como a supressão da exigência de capital social mínimo de constituição.

A legislação atualmente em vigor permite que a pessoa natural seja titular apenas de uma EIRELI (§2º do art. 980-A, CC) e exige que o capital social mínimo integralizado no momento da constituição seja equivalente ou maior do que 100 (cem) salários mínimos. Nada esclarece, contudo, acerca da titularidade das EIRELIs por pessoas jurídicas.

Quanto a estas, diga-se de passagem, o Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), subordinado à Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, manifestou-se em agosto deste ano, através da IN 47/2018, dispondo não só que as pessoas jurídicas podem sim ser titulares de EIRELIs, como podem figurar em mais de uma delas.

Até que o projeto seja aprovado e sancionado, as pessoas naturais, por sua vez, continuarão autorizadas a figurar em apenas uma destas empresas devendo, inclusive, “constar do corpo do ato constitutivo cláusula com a declaração de que o seu constituinte não figura em nenhuma outra empresa dessa modalidade” (item 1.2, IN 38/2017, Manual de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI).

De acordo com a advogada Isadora Boroni Valério, a desburocratização dos requisitos relacionados à criação das EIRELIs poderá contribuir para a redução de informalidades, como as de casos em que se utilizam “sócios de fachada” ou “sócios laranjas” para representarem os sócios de fato na EIRELI e/ou para compor a pluralidade do capital social em outras modalidades societárias.

Ademais, considerando que o valor nacional do salário mínimo em 2018 é de R$ 954,00, a integralização no momento da constituição de capital social mínimo no valor de R$ 95.400,00 impede que muitos empresários de micro e pequeno porte possam adotar esta modalidade societária. Sem esta exigência, é razoável esperar o aumento no número de registro de empresas individuais de responsabilidade limitada, também contribuindo para a formalização de diversas atividades, a geração de empregos e o recolhimento de tributos.

Além disso, a advogada alerta para o fato de que a aprovação do projeto de lei pelo Senado Federal representa apenas uma etapa do processo legislativo, de modo que, até ser alçado à condição de lei, dependerá da aprovação da Câmara dos Deputados, bem como da chancela da Presidência da República.

A evolução legislativa da pessoa jurídica como titular de Eireli – o novo entendimento

Por Flávia Lubieska N. Kischelewski

A advogada Flávia Lubieska Kischelewski atua no setor societário do Prolik.

Anos atrás, escrevemos sobre o advento da Lei nº 12.441, de 11/07/2011, que alterou o Código Civil com vistas a inaugurar, no Brasil, o uso do modelo da empresa individual de responsabilidade limitada – Eireli. Na época, destacamos que, embora ansiada, a promulgação da nova legislação não correspondeu a todas as expectativas do meio jurídico, sendo o texto considerado deficiente em vários aspectos. Essa situação persistiu por mais de cinco anos, ocasionando dificuldades para a adoção desse modelo por conta de interpretações legais emanadas pelos órgãos registrais. Esse era o caso, por exemplo, da possibilidade ou não de uma pessoa jurídica ser titular de Eireli.

Por força da lei acima mencionada, acresceu-se ao Código Civil o  artigo 980-A, pelo qual se estabelece que “a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social…”. Como se constata, não há especificação sobre o tipo de pessoa destacada, se natural ou jurídica, de maneira que, desde o princípio, muitos doutrinadores entenderam não haver limitações à titularidade de Eireli por pessoa jurídica. Esse posicionamento, todavia, não era pacífico.

Assim, em termos de evolução legislativa, o Projeto de Lei nº 4.605/2009 da Câmara dos Deputados (nº 18/2011 no Senado Federal), previa expressamente que a Eireli poderia ser constituída por um sócio, unicamente que fosse pessoa natural. Apesar disso, a leitura sistematizada do texto sancionado revela que essa restrição foi, em certo momento, suprimida ao longo da tramitação legislativa.

A despeito de não haver distinção na Lei vigente, o extinto Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC, por meio da Instrução Normativa nº 117, de 22/11/2011, ao aprovar o Manual de Atos de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, no item 1.2.11, previu que “não pode ser titular de Eireli a pessoa jurídica, bem assim a pessoa natural impedida por norma constitucional ou por lei especial”.

Esse regramento quanto ao impedimento para ser titular foi integralmente reprisado no Manual de Registro de Eirelis, aprovado pela Instrução Normativa nº 10, de 05/12/2013, do Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), órgão substitutivo ao DNRC. Tal manual estabelecia “normas que devem ser observadas pelas Juntas Comerciais e respectivos usuários dos serviços prestados por elas na prática de atos no Registro de Empresas referentes à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – Eireli”.

Nesse contexto, a despeito de jamais ter existido restrição legal no Código Civil, mas tão somente em manuais dos órgãos de registro de comércio, parte da doutrina comungava do entendimento de que apenas pessoa natural podia ser titular de Eireli. Esse posicionamento fora, inclusive, objeto do Enunciado nº 468 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, ocorrida em 2011 (“468 – Art. 980-A: A empresa individual de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa natural”).

Com efeito, essa limitação sempre nos pareceu indevida, pois, além de expandir indevidamente o texto legal, não trazia quaisquer benefícios práticos ao empresariado. Em primeira análise, restava evidente que a restrição não havia prosperado, embora inicialmente pretendida pelo legislador. No mesmo sentido, como outrora advertido, vislumbrava-se, com relação ao projeto do novo Código Comercial (Projeto de Lei nº PL 1572/2011), seu caráter abrangente, o qual, apesar de não adotar o termo empresa individual de responsabilidade limitada, consagra a sociedade unipessoal sem distinguir sócio pessoa física do sócio pessoa jurídica. No artigo 192 do referido projeto, prevê-se, tão somente, que “a sociedade limitada será constituída por um ou mais sócios”.

Como sempre se defendeu, negar a titularidade de Eireli por pessoas jurídicas é negar a realidade, quando se permite que subsistam situações em que se formalizam contratos sociais de sociedades limitadas nas quais o efetivo controlador é uma sociedade e o sócio minoritário é mera figura decorativa nessa relação.

Ademais, se houvesse prejuízo efetivo em se ter uma sociedade sendo a única titular de outra sociedade, a figura da subsidiária integral, prevista no artigo 251, da Lei das Sociedades Anônimas, deveria ser abolida. Nessa esteira, está-se a admitir que uma pessoa jurídica seja a única titular de uma sociedade anônima, mas não de uma limitada da espécie Eireli. Nesse contexto, jamais se teve esse como o melhor entendimento.

A legislação societária das sociedades anônimas e das limitadas faz ainda outras distinções. Para a constituição de uma subsidiária integral, a legislação demanda, em essência, a opção pelo tipo societário (sociedade anônima) e que a única acionista seja sociedade nacional. Já para a Eireli, exige-se capital social mínimo equivalente a 100 (cem) salários mínimos e caso se pretenda que a titular seja uma pessoa jurídica é preciso recorrer ao Poder Judiciário. Além disso, há outra limitação prática para a escolha da Eireli.

Adicionalmente, destaca-se que uma sociedade pode ser titular de inúmeras subsidiárias integrais, ao passo que essa mesma amplitude não é cabível a Eirelis. Segundo o parágrafo segundo do artigo 980-A, do Código Civil, ”a pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade”.

Nesse cenário de incertezas, era possível identificar decisões judiciais favoráveis ao registro de contratos de sociedades do tipo Eireli tituladas por pessoa jurídica. O entendimento do Poder Judiciário era no sentido de preservar a intenção do legislador e derrogar o conteúdo da norma do antigo DNRC, ao se considerar que esse órgão não poderia normatizar a matéria inserindo proibição não prevista em lei.

Essa situação perdurou até março deste ano, quando então se publicou a Instrução Normativa DREI nº 38, de 02/03/2017, e que se encontra vigente desde 2 de maio. No Anexo referente às Eirelis, consignou-se o novo entendimento do departamento registral, pelo qual se admitiu que também as pessoas jurídicas, nacionais ou estrangeiras, têm capacidade para ser titulares de Eirelis.

Desta feita, finalmente a esperada solução veio quase seis anos após o surgimento das sociedades de responsabilidade limitada unipessoais no Brasil, suprindo a restrição de registro estabelecida por um órgão administrativo regulamentador que vigia em detrimento da norma geral estatuída no Código Civil. Evita-se, por conseguinte, que inúmeras sociedades recorram ao Poder Judiciário para obter o registro de suas Eirelis, que já se compreendia possível.

 

A pessoa jurídica como titular de Eireli

Dra. Flávia explica o contextos a empreendedores.

Dra. Flávia explica o contextos a empreendedores.

Por Flávia Lubieska Kischelewski.

A Lei nº 12.441, de 11/07/2011, alterou o Código Civil para inaugurar, no Brasil, o uso do modelo da empresa individual de responsabilidade limitada – Eireli. Embora ansiada, a promulgação da nova legislação não correspondeu a todas as expectativas do meio jurídico, sendo o texto considerado deficiente em vários aspectos. Alguns anos após o início da vigência legal, continuam a surgir dificuldades para a adoção desse modelo por conta de interpretações legais emanadas pelos órgãos registrais. Esse é o caso, por exemplo, da possibilidade ou não de uma pessoa jurídica ser titular de Eireli.

O artigo 980-A, do Código Civil, estabelece que “a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social…”. Como se constata, não há especificação sobre o tipo de pessoa destacada, se natural ou jurídica, de maneira que, desde o princípio, muitos doutrinadores entendem não haver limitações à titularidade de Eireli por pessoa jurídica. Esse posicionamento não é pacífico. Continue lendo