SELIC é a taxa aplicável às dívidas civis.

Manuella de Oliveira Moraes

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, de forma unânime, que a taxa Selic é a taxa legal de juros de mora aplicável às dívidas civis, conforme o artigo 406 do Código Civil, mesmo antes da entrada em vigor da Lei nº 14.905/2024. A decisão foi julgada sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.368), o que significa que o entendimento passa a ser obrigatório para todos os juízes e tribunais do país.

Segundo o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do caso, a Selic é a única taxa em vigor para a mora no pagamento de tributos federais, prevista em várias leis e reconhecida pela Emenda Constitucional nº 113/2021. Por isso, deve ser adotada também nas relações civis, garantindo uniformidade e equilíbrio entre as obrigações públicas e privadas.

O acórdão destacou que a fixação de juros moratórios civis diferente do parâmetro nacional poderia gerar distorções econômicas, permitindo ganhos indevidos aos credores civis. Ressaltou-se ainda que os juros de mora têm caráter compensatório, e não punitivo, e que eventual prejuízo superior pode ser reparado por meio de indenização suplementar.

Com essa decisão, o STJ pacifica definitivamente uma discussão que perdurava há anos e confirma a posição já adotada em julgamentos anteriores, posteriormente validada também pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, salvo acordo diferente entre as partes, a Selic passa a ser o índice oficial para calcular juros e correção monetária nas dívidas civis, trazendo mais clareza e segurança jurídica às relações contratuais e judiciais.

Filme de Tribunal: “Acusação” (1995).

Thiago Pacheco

Recentemente, completaram-se 30 anos do “Caso Escola Base”, episódio midiático-jurídico de triste memória: acusações falsas de abuso de crianças feitas contra os proprietários de uma escola infantil de bairro, localizada nos arredores do centro de São Paulo, destruíram definitivamente não apenas a pequena escola, mas a vida dos acusados – em grande parte pelo sensacionalismo de órgãos de imprensa e da apuração dos fatos feita de maneira precipitada, embalada por um clima de histeria criado de maneira artificial pelos próprios jornalistas. O tempo absolveu os acusados – mas já era tarde. 

Um caso muito semelhante aconteceu nos EUA, alguns anos antes do escândalo brasileiro: a família McMartin era proprietária de um jardim de infância na cidade de Manhattan Beach, distrito de Los Angeles. A mãe de um dos alunos, recém divorciada do pai da criança, acionou a polícia para informar que o filho havia sido abusado, suspeitando do pai e de um professor da escolinha dos McMartin. A partir daí, uma investigação com semelhantes contornos sensacionalistas e midiáticos é iniciada – e duraria quase 10 anos até que a inocência dos acusados fosse comprovada. 

Em “Acusação”, telefilme produzido pela HBO e lançado em 1995, a história dos McMartin é contada de dentro das salas de julgamento – com o advogado Danny Davis (outra excelente atuação de James Woods como defensor) enfrentando a promotora Lael Rubin (Mercedes Ruehl) ao longo de torturantes audiências, em que crianças são levadas a testemunhar com o apoio de psicólogos forenses e fazem revelações perturbadoras – até que uma fragilidade no método empregado para extrair as narrativas é detectada. 

Com o tempo, as acusações principais vão perdendo força, e a promotoria passa a imputar aos McMartin outros fatos desabonadores, como um meio de tentar dar credibilidade às acusações iniciais. A jornada da família é angustiante, como é a do espectador – e, no fim das contas, como qualquer percurso em busca do restabelecimento da verdade. 

Há, normalmente, certo preconceito contra “telefilmes” – longas-metragens produzidos para o formato específico da televisão, lançados diretamente nesse meio, e com a reputação de serem obras mais simples e, por vezes, toscas. Mas “Acusação” é uma produção da operadora de tv a cabo HBO (responsável por clássicos como “Os Sopranos” e “Band of Brothers), feita com cuidado e que vale ser revisitada, mesmo 30 anos depois, quando ainda se discute ardentemente o poder das mentiras amplificadas pela mídia e pelas redes sociais. 

Escolha do foro pelo consumidor pressupõe coerência.

Robson José Evangelista

Quando as partes contratantes entram em conflito no cumprimento do contrato e a via amigável não se mostra eficiente para o apaziguamento, é comum a busca do Poder Judiciário para a solução do impasse. Via de regra, em relações contratuais instrumentalizadas por escrito, há previsão de determinado foro judicial para dirimir a controvérsia. É dado às partes o poder de disposição para escolherem, de comum acordo, o juízo no qual a disputa será examinada e solucionada pelo poder estatal da jurisdição. 

Entretanto, essa escolha nem sempre é livre. Em algumas situações específicas, a própria lei determina qual é o foro do litígio. Caso, por exemplo, da ação de despejo, que deverá ser proposta na Comarca na qual se localiza o imóvel locado. Outra situação: nas ações em que o representante comercial cobra valores a título de comissão, o local de seu domicílio será o competente para a demanda. 

Então, quando não há previsão legal específica, as partes podem eleger no contrato o foro para eventuais discussões judiciais. Via de regra o foro será o do domicílio de uma das partes ou o local aonde as obrigações contratuais serão cumpridas. Apesar dessa liberdade, não podem as partes, porém, escolher um local que não tenha nenhuma pertinência com um desses critérios, sob pena de invalidade de tal disposição. 

Nas relações de consumo, considerando o viés protetivo previsto na legislação de regência da matéria, é facultado ao consumidor uma liberdade maior para escolher ao juízo no qual direcionará a sua pretensão. Poderá ser o seu domicílio, o domicílio do fornecedor, o local aonde a obrigação deverá ser satisfeita, ainda que exista no contrato cláusula de eleição diversa, principalmente se o foro especificado dificultar o exercício do direito de ação. 

É o caso típico dos contratos bancários, nos quais o foro constante no contrato é o da sede da instituição bancária, mas isso não impede que o consumidor opte pelo seu domicílio. Porém, apesar dessa liberdade para o consumidor, a escolha do foro não pode resultar de sua simples conveniência, sem justificativa plausível. 

No âmbito das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, o entendimento consolidado é no sentido de que o direito de opção do consumidor impera, mas a escolha aleatória de foro, sem razão lógica e satisfatoriamente demonstrada, deve ser repreendida. 

Imaginemos a seguinte situação: alguém mora em uma cidade e adquire um veículo da concessionária em outra cidade. Caso haja necessidade de discutir defeito do veículo em face da fabricante e da concessionária, não tem sentido ele direcionar a demanda para uma Vara especializada em relações de consumo de uma Comarca que não seja a do seu domicílio, da sede da loja de veículos ou do fabricante, sob o pretexto de que a vara especializada teria mais expertise para definir a melhor solução para a disputa judicial. 

Em suma, o critério do bom senso sempre deve imperar na escolha do consumidor sobre o local para a propositura de ações contra o fornecedor.

Reequilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos em razão da Reforma Tributária.

Eduardo Mendes Zwierzikowski

A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, que teve por objetivo substituir os impostos sobre o consumo por um modelo de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual, integrado pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), representa um marco na reestruturação do sistema tributário brasileiro. As profundas alterações introduzidas por essa reforma produzem reflexos relevantes no regime jurídico dos contratos em geral, e especialmente os contratos administrativos. 

Para mitigar os impactos das novas exações, a Lei Complementar nº 214/2025 dedicou um capítulo à disciplina do reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos públicos, reforçando a importância da segurança jurídica e da estabilidade nas relações contratuais com a administração pública.

A nova legislação estabelece, de forma cogente, a obrigação da administração pública, em todos os níveis federativos, de revisar contratos firmados antes da vigência da reforma, sempre que comprovado o desequilíbrio econômico-financeiro decorrente da instituição dos novos tributos. 

Contratos Administrativos abrangidos

Essa previsão visa preservar  o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, assegurando à contratada a manutenção das condições originais da proposta apresentada na licitação, sendo aplicável aos contratos celebrados pela administração pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive concessões públicas.

O artigo 373, da LC 214/2025, delimita o escopo de aplicação dos instrumentos de ajuste para o reequilíbrio dos contratos administrativos, estabelecendo que eles são aplicáveis apenas aos contratos firmados anteriormente  à entrada em vigor da lei (16 de janeiro de 2025) e, excepcionalmente, a aqueles que, mesmo firmados após à referida data, contem com proposta apresentada antes da sua entrada em vigor  (§ 1º). 

Parâmetros de Reequilíbrio

Já o artigo 374 define os parâmetros para aferição da “carga tributária efetiva” para fins de reequilíbrio, que deve abranger: (i) os efeitos da não cumulatividade nas aquisições e custos incorridos pela contratada e o direito a créditos de IBS/CBS; (ii) a possibilidade de repasses a terceiros, pela contratada, do encargo financeiro oriundo da instituição do IBS e da CBS; (iii) o impacto das alterações durante os períodos de transição da reforma tributária; e (iv) a perda de benefícios ou incentivos fiscais relacionados a tributos extintos. 

De modo inovador, o § 2º , do art. 374, afasta a aplicação de cláusulas contratuais que atribuam à contratada o ônus integral de tributos supervenientes, reconhecendo a excepcionalidade do cenário tributário inaugurado.

Procedimento

Os artigos 375 e 376, por sua vez, tratam do procedimento de revisão. O primeiro prevê a possibilidade de reequilíbrio de ofício quando verificada redução da carga tributária; o segundo permite o pleito pela contratada, que deve instruí-lo com elementos que comprovem o efetivo desequilíbrio. O pedido deverá tramitar de forma prioritária e o prazo para decisão definitiva é de 90 dias, prorrogável uma única vez, sendo possível, em casos de impacto relevante, o reequilíbrio cautelar (§ 4º), especialmente nas concessões de serviços públicos.

Meios para se obter o Reequilíbrio contratual

Com relação aos meios para se alcançar o reequilíbrio contratual, a LC 214/2025 prevê que ele poderá ocorrer por meio de: 1) revisão dos valores contratados; 2) compensações financeiras, ajustes tarifários ou outros valores contratualmente devidos à contratada, inclusive a título de aporte de recursos ou contraprestação pecuniária; 3) renegociação de prazos e condições de entrega ou fornecimento de serviços; 4) elevação ou redução de valores devidos à administração pública, inclusive direitos de outorga; 5) transferência a uma das partes de custos ou encargos originalmente atribuídos à outra; ou 6) outros métodos considerados aceitáveis pelas partes, observada a legislação do setor ou de regência do contrato. 

Inaplicabilidade da LC 2014/2025 aos contratos privados

Embora a LC 214/2025 exclua formalmente os contratos privados de seu regime, a magnitude da reforma reacende o debate sobre a possibilidade de aplicação de institutos tradicionais do direito privado, como a teoria da imprevisão e a onerosidade excessiva (arts. 317 e 478 do Código Civil), diante dos impactos ainda incertos da reforma tributária, que podem fundamentar pedidos de revisão contratual, desde que demonstrado o efetivo desequilíbrio e a ocorrência de um fato superveniente, imprevisível e extraordinário capaz de alterar a base objetiva do contrato.

Assim, os artigos 373 à 377 da Lei Complementar nº 214/2025 inauguram um microssistema jurídico destinado a neutralizar os efeitos da reforma tributária sobre os contratos administrativos, fortalecendo a estabilidade e a previsibilidade nas contratações públicas. Ainda que o novo regime busque simplificar o sistema, ele impõe desafios técnicos e metodológicos à gestão contratual, exigindo dos operadores do direito uma atuação proativa na análise e recomposição do equilíbrio econômico-financeiro.

Conta Notarial Garantida – Segurança Jurídica em Transações Condicionadas.

Manuella de Oliveira Moraes

A Conta Notarial Garantida, recentemente regulamentada pelo Provimento nº 197/2025 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é uma novidade para reforçar a segurança jurídica em transações que envolvem pagamentos condicionados. Por meio dela, valores são depositados em conta bancária gerida pelo cartório de notas, sendo liberados apenas mediante o cumprimento das condições previamente estabelecidas entre as partes.

Seu uso é indicado para diversas finalidades contratuais, como compra e venda de imóveis, prestação de serviços, contratos empresariais e parcerias comerciais, operações no agronegócio, entre outras. Por exemplo, em uma venda de imóvel, o comprador deposita o valor na conta notarial e o vendedor só recebe após a efetiva transferência da matrícula. 

Entre os principais benefícios estão: neutralidade do tabelião, transparência na gestão dos valores, formalização pública dos termos acordados e mitigação de riscos de inadimplemento ou litígios futuros. Além disso, pode ser utilizada como alternativa ou complemento às tradicionais garantias contratuais, como cauções ou seguros.

A formalização se dá por meio de escritura pública, na qual são estipulados os valores, condições e prazos. Após o depósito na conta vinculada, o tabelionato acompanha o cumprimento das obrigações e libera os valores conforme o previsto. 

Denúncia vazia de locação pode ser comunicada por e-mail

Cassiano Antunes Tavares

Em dezembro passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a comunicação para rescindir locação por prazo indeterminado poderia se operar por e-mail.

Nos termos do artigo 6º da Lei de Locações de Imóveis Urbanos, “o locatário poderá denunciar a locação por prazo indeterminado mediante aviso por escrito ao locador, com antecedência mínima de trinta dias.”

Assim, o recurso julgado no STJ (REsp 2.089.739) tinha como principal objeto determinar qual o modo em que este aviso deve ser realizado. Com farta fundamentação, entendeu-se que não há maiores formalidades, bastando que a comunicação seja escrita, idônea e suficiente. No caso, por e-mail.

O advogado, Cassiano Antunes Tavares, destaca que o entendimento se trata de uma situação peculiar e específica, como frisado na própria decisão. Ainda, comenta que este tipo de expediente deve ser considerado como exceção, pois o mais recomendável é mesmo optar pelo meio mais formal para evitar discussões casuísticas. 

Nova Lei impacta na eficácia dos Negócios Imobiliários

Eduardo Mendes Zwierzikowski

A Lei nº 14.825, de 20 de março de 2024, alterou o art. 54, da Lei nº 13.097/2015, para garantir a eficácia dos negócios jurídicos relativos aos imóveis em cuja matrícula inexista averbação, mediante decisão judicial, de qualquer tipo de constrição, inclusive aquelas provenientes de ação de improbidade administrativa de hipoteca judiciária.

A lei alterada pela nova norma contém previsões sobre os registros nas matrículas imobiliárias e já garantia eficácia aos negócios jurídicos realizados entre particulares, quando inexistente a averbação da existência de ações judiciais relativas ao imóvel ou que pudessem implicar na insolvência do proprietário.

O que a Lei 14.825 trouxe de novidade foi a ampliação da proteção legal às transações imobiliárias, que não poderão ser desconstituídas quando ausente na matrícula a averbação de qualquer tipo de constrição, como penhoras, arrestos, sequestro de bens ou inclusão do nome do proprietário no Cadastro Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB).

Essas previsões prestigiam a segurança jurídica dos negócios imobiliários e conferem especial importância à análise cuidadosa das matrículas, essencial para garantir proteção ao adquirente de boa-fé.

Após partilha, herdeiro é obrigado a pagar taxas de condomínio atrasadas do imóvel herdado.

Cassiano Antunes Tavares

No semestre passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão das instâncias anteriores no sentido de que os herdeiros que receberam imóvel por ocasião da partilha respondem solidariamente pelas dívidas de taxa condominial anteriores. 

No caso, o STJ houve por bem afastar a incidência do disposto no artigo 1.792, do Código Civil, pelo qual, “o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança”. Ou seja, dívidas deixadas pelo falecido somente serão suportadas pelo herdeiro até o limite do que este tenha recebido por herança.

Todavia, no caso, o entendimento se deu sob outro viés jurídico. Aplicou-se ao caso o regramento das chamadas obrigações propter rem, às quais decorrem da mera titularidade de um bem, como, no caso de imóveis, ocorre com o IPTU e as taxas condominiais, pois o dever de pagar estes valores, independentemente da época em que surgiram as dívidas respectivas, cabe ao proprietário, tão somente pela titularidade sobre o bem.

Assim, uma vez que os herdeiros permaneceram conjuntamente proprietários do imóvel herdado, foram declarados responsáveis solidariamente pelas taxas de condomínio atrasadas, em decorrência tão somente da titularidade sobre o bem, que passaram a ostentar, independentemente da expedição de formal de partilha, segundo os termos da decisão.

O advogado, Cassiano Antunes Tavares, destaca que a decisão ressalvou o direito de regresso daquele condômino que venha a pagar individualmente a dívida toda em ressarcir-se perante os demais coproprietários, na proporção de suas frações. 

Nova lei do Regime Jurídico Emergencial de Direito Privado

Por Thiago Cantarin Moretti Pacheco

A Presidência da República sancionou, no último dia 10, a lei que institui o “Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado” (14.010/2020). Foram vetados, no entanto, oito dispositivos.

A lei suspende, a partir de sua entrada em vigor, o fluxo de prazos prescricionais, decadenciais e de usucapião até 30/10/2020 – com a ressalva de que não se “cumula” a suspensão com aquela que já esteja acontecendo por outro motivo legal.

As reuniões e assembleias de pessoas jurídicas e de condomínios passam a ter previsão de realização por meio eletrônico, com a simplificação do cômputo de seus resultados. Prorrogou-se o mandato dos síndicos vencidos a partir de 20/03 até 30/10, nas hipóteses de impossibilidade de realização da assembleia condominial na forma eletrônica.

No campo do direito do consumidor, suspendeu-se a aplicação do art. 49 do CDC nas hipóteses de entrega domiciliar de produtos perecíveis, alimentos e medicamentos – ou seja, o consumidor deixa de poder exercer seu arrependimento em tais hipóteses, em um contexto no qual a demanda por tal modalidade de aquisição aumentou dramaticamente.

O regime extraordinário também se aplica ao sistema concorrencial disciplinado pela lei n. 12.529/2011, com a suspensão de alguns de seus dispositivos enquanto durar o estado de calamidade pública, como determinadas hipóteses de infrações à ordem econômica, e também do controle de certos atos de concentração, como a realização de consórcios e joint ventures.

No direito de família, instituiu-se a prisão domiciliar do devedor de prestação alimentícia, e, nas sucessões abertas a partir de fevereiro, prorrogou-se o prazo para instauração do respectivo inventário até 30/10/2020 – em oposição ao prazo de dois meses previsto pelo art. 611 do CPC.

Vetos

Foram vetados oito artigos da Lei 14.010/2020, com destaque para os dispositivos que tratavam das consequências da pandemia no cumprimento e execução de contratos. O art. 6º previa que não haveria “efeitos jurídicos retroativos” por consequência da pandemia, e o art. 7º excluía do âmbito da teoria da imprevisão fatores como aumento de inflação, variação cambial e desvalorização da moeda. Pela potencial colisão com normas já em vigor, e pela existência de previsões legais de teor semelhante, o veto parece acertado.

Uma das regras mais polêmicas era a do art. 11, a qual instituía poderes extraordinários ao síndico, inclusive o de proibir o acesso de visitantes às unidades autônomas. A razão de veto poderia ter excursionado por outros fundamentos, mas se limita a justificá-lo pela retirada da autonomia das deliberações por assembléia de condôminos. Foi vetada, também, a disposição que proibia a concessão de liminar em ações de despejo até 30/10/2020, sob o fundamento de que constituiria “proteção excessiva” ao devedor e incentivo ao inadimplemento.

Os arts. 17 e 18, a seu turno, determinavam diminuição compulsória na retenção de valores pelas operadoras de aplicativos de transporte, delivery e do serviço de táxi, ao mesmo tempo em que proibiam o aumento do preço das viagens e entregas – o que violaria, segundo as razões de veto, “o princípio constitucional da livre iniciativa, bem como o da livre concorrência”.

Por fim, o art. 19 previa a flexibilização de regras sobre o limite de peso de veículos de carga para “aumentar a eficiência na logística de transporte de bens e insumos”, mediante a determinação de que o CONTRAN editasse tais regras. O veto se resolveu com a invocação da separação de poderes e do entendimento do STF de que “o Poder Legislativo não pode determinar que o Executivo exerça função que lhe incumba”, eis que o CONTRAN integra a estrutura do Executivo.

Mesmo diante de tantos vetos, o que sobra da Lei n. 14.010/2020 é ainda bastante útil nestes tempos de grande incerteza – sendo talvez os mais importantes dispositivos os que suspendem os prazos prescricionais e decadenciais, prevenindo, assim, o perecimento de direitos e da possibilidade de sua discussão enquanto esta beira o inviável.  

Lei: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14010.htm

Mensagem de Veto: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Msg/VEP/VEP-331.htm