Em dezembro passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a comunicação para rescindir locação por prazo indeterminado poderia se operar por e-mail.
Nos termos do artigo 6º da Lei de Locações de Imóveis Urbanos, “o locatário poderá denunciar a locação por prazo indeterminado mediante aviso por escrito ao locador, com antecedência mínima de trinta dias.”
Assim, o recurso julgado no STJ (REsp 2.089.739) tinha como principal objeto determinar qual o modo em que este aviso deve ser realizado. Com farta fundamentação, entendeu-se que não há maiores formalidades, bastando que a comunicação seja escrita, idônea e suficiente. No caso, por e-mail.
O advogado, Cassiano Antunes Tavares, destaca que o entendimento se trata de uma situação peculiar e específica, como frisado na própria decisão. Ainda, comenta que este tipo de expediente deve ser considerado como exceção, pois o mais recomendável é mesmo optar pelo meio mais formal para evitar discussões casuísticas.
A Lei nº 14.825, de 20 de março de 2024, alterou o art. 54, da Lei nº 13.097/2015, para garantir a eficácia dos negócios jurídicos relativos aos imóveis em cuja matrícula inexista averbação, mediante decisão judicial, de qualquer tipo de constrição, inclusive aquelas provenientes de ação de improbidade administrativa de hipoteca judiciária.
A lei alterada pela nova norma contém previsões sobre os registros nas matrículas imobiliárias e já garantia eficácia aos negócios jurídicos realizados entre particulares, quando inexistente a averbação da existência de ações judiciais relativas ao imóvel ou que pudessem implicar na insolvência do proprietário.
O que a Lei 14.825 trouxe de novidade foi a ampliação da proteção legal às transações imobiliárias, que não poderão ser desconstituídas quando ausente na matrícula a averbação de qualquer tipo de constrição, como penhoras, arrestos, sequestro de bens ou inclusão do nome do proprietário no Cadastro Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB).
Essas previsões prestigiam a segurança jurídica dos negócios imobiliários e conferem especial importância à análise cuidadosa das matrículas, essencial para garantir proteção ao adquirente de boa-fé.
No semestre passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão das instâncias anteriores no sentido de que os herdeiros que receberam imóvel por ocasião da partilha respondem solidariamente pelas dívidas de taxa condominial anteriores.
No caso, o STJ houve por bem afastar a incidência do disposto no artigo 1.792, do Código Civil, pelo qual, “o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança”. Ou seja, dívidas deixadas pelo falecido somente serão suportadas pelo herdeiro até o limite do que este tenha recebido por herança.
Todavia, no caso, o entendimento se deu sob outro viés jurídico. Aplicou-se ao caso o regramento das chamadas obrigações propter rem, às quais decorrem da mera titularidade de um bem, como, no caso de imóveis, ocorre com o IPTU e as taxas condominiais, pois o dever de pagar estes valores, independentemente da época em que surgiram as dívidas respectivas, cabe ao proprietário, tão somente pela titularidade sobre o bem.
Assim, uma vez que os herdeiros permaneceram conjuntamente proprietários do imóvel herdado, foram declarados responsáveis solidariamente pelas taxas de condomínio atrasadas, em decorrência tão somente da titularidade sobre o bem, que passaram a ostentar, independentemente da expedição de formal de partilha, segundo os termos da decisão.
O advogado, Cassiano Antunes Tavares, destaca que a decisão ressalvou o direito de regresso daquele condômino que venha a pagar individualmente a dívida toda em ressarcir-se perante os demais coproprietários, na proporção de suas frações.
A Presidência da República sancionou, no último dia 10, a lei que institui o “Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado” (14.010/2020). Foram vetados, no entanto, oito dispositivos.
A lei suspende,
a partir de sua entrada em vigor, o fluxo de prazos prescricionais,
decadenciais e de usucapião até 30/10/2020 – com a ressalva de que não se
“cumula” a suspensão com aquela que já esteja acontecendo por outro motivo
legal.
As reuniões e assembleias
de pessoas jurídicas e de condomínios passam a ter previsão de realização por
meio eletrônico, com a simplificação do cômputo de seus resultados.
Prorrogou-se o mandato dos síndicos vencidos a partir de 20/03 até 30/10, nas
hipóteses de impossibilidade de realização da assembleia condominial na forma
eletrônica.
No campo do
direito do consumidor, suspendeu-se a aplicação do art. 49 do CDC nas hipóteses
de entrega domiciliar de produtos perecíveis, alimentos e medicamentos – ou
seja, o consumidor deixa de poder exercer seu arrependimento em tais hipóteses,
em um contexto no qual a demanda por tal modalidade de aquisição aumentou
dramaticamente.
O regime
extraordinário também se aplica ao sistema concorrencial disciplinado pela lei
n. 12.529/2011, com a suspensão de alguns de seus dispositivos enquanto durar o
estado de calamidade pública, como determinadas hipóteses de infrações à ordem
econômica, e também do controle de certos atos de concentração, como a
realização de consórcios e joint ventures.
No direito de
família, instituiu-se a prisão domiciliar do devedor de prestação alimentícia,
e, nas sucessões abertas a partir de fevereiro, prorrogou-se o prazo para
instauração do respectivo inventário até 30/10/2020 – em oposição ao prazo de
dois meses previsto pelo art. 611 do CPC.
Vetos
Foram vetados
oito artigos da Lei 14.010/2020, com destaque para os dispositivos que tratavam
das consequências da pandemia no cumprimento e execução de contratos. O art. 6º
previa que não haveria “efeitos jurídicos
retroativos” por consequência da pandemia, e o art. 7º excluía do âmbito da
teoria da imprevisão fatores como aumento de inflação, variação cambial e
desvalorização da moeda. Pela potencial colisão com normas já em vigor, e pela
existência de previsões legais de teor semelhante, o veto parece acertado.
Uma das regras
mais polêmicas era a do art. 11, a qual instituía poderes extraordinários ao
síndico, inclusive o de proibir o acesso de visitantes às unidades autônomas. A
razão de veto poderia ter excursionado por outros fundamentos, mas se limita a
justificá-lo pela retirada da autonomia das deliberações por assembléia de
condôminos. Foi vetada, também, a disposição que proibia a concessão de liminar
em ações de despejo até 30/10/2020, sob o fundamento de que constituiria
“proteção excessiva” ao devedor e incentivo ao inadimplemento.
Os arts. 17 e
18, a seu turno, determinavam diminuição compulsória na retenção de valores
pelas operadoras de aplicativos de transporte, delivery e do serviço de táxi, ao mesmo tempo em que proibiam o
aumento do preço das viagens e entregas – o que violaria, segundo as razões de
veto, “o princípio constitucional da
livre iniciativa, bem como o da livre concorrência”.
Por fim, o art.
19 previa a flexibilização de regras sobre o limite de peso de veículos de
carga para “aumentar a eficiência na
logística de transporte de bens e insumos”, mediante a determinação de que
o CONTRAN editasse tais regras. O veto se resolveu com a invocação da separação
de poderes e do entendimento do STF de que “o
Poder Legislativo não pode determinar que o Executivo exerça função que lhe
incumba”, eis que o CONTRAN integra a estrutura do Executivo.
Mesmo diante de
tantos vetos, o que sobra da Lei n. 14.010/2020 é ainda bastante útil nestes
tempos de grande incerteza – sendo talvez os mais importantes dispositivos os que
suspendem os prazos prescricionais e decadenciais, prevenindo, assim, o
perecimento de direitos e da possibilidade de sua discussão enquanto esta beira
o inviável.