
Diversas questões têm sido suscitadas envolvendo o regime tributário nas operações de transferências internas e, especialmente, interestaduais entre estabelecimentos do mesmo titular após o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da ADC 49 e, ainda, diante das alterações legislativas que se sucederam.
Com o julgamento da ADC 49 firmou-se o entendimento de que nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, não há a incidência do ICMS. A decisão, ainda, assegurou o direito à manutenção dos créditos de ICMS oriundos das aquisições das mercadorias transferidas e orientar o Confaz e o Congresso Nacional a criação de normas nacionais de disciplina quanto à transferência desses créditos entre estabelecimentos de uma mesma empresa. Isso porque, ao se pensar de forma simplista em “não-incidência” na transferência, uma das consequências seria o estorno do crédito na origem e/ou a perda do crédito no estabelecimento de destino, o que representaria violação ao princípio da não-cumulatividade, em última análise.
O tratamento atinente à transferência de créditos foi veiculado pela Lei Complementar nº 204/2023, que trouxe dois modelos com a derrubada do veto presidencial e cujos regimes estão, atualmente, disciplinados pelo Convênio ICMS nº 109/2024, após a revogação do Convênio ICMS nº 178/2023.
O primeiro modelo assegura a transferência de créditos de ICMS do estabelecimento de origem para o de destino, limitado ao percentual correspondente à alíquota interestadual do ICMS, aplicado sobre o valor atribuído ao bem transferido.
Alternativamente, por opção do contribuinte, a transferência de mercadoria para estabelecimento pertencente ao mesmo titular poderá ser equiparada a operação sujeita à ocorrência do fato gerador de imposto. Uma das diferenças entre os modelos é atinente à base de cálculo do ICMS.
Feito esse breve retrospecto legislativo para contextualizar o tema, há outro ponto sensível atinente às transferências de mercadorias entre estabelecimento da mesma empresa, qual seja, as operações sujeitas à substituição tributária.
Com efeito, nas operações sujeitas à substituição tributária o que se tributa são as etapas seguintes da cadeia de comercialização. Assim, em uma operação de transferência interestadual, o que se estará tributando sob o regime da ST são as etapas seguintes (operações subsequentes) das mesmas mercadorias, que ocorrerão no estado de destino para destinatários diversos.
De se reconhecer, igualmente, que uma das regras básicas do regime da substituição tributária é de que não se aplica nas transferências interestaduais promovidas entre estabelecimentos do remetente (Cláusula Nona, do Conv. ICMS 142/2018), havendo, porém, exceção quando o destinatário for estabelecimento varejista.
De tal modo, a despeito do entendimento firmado pelo STF, na ADC 49, quanto à não incidência do ICMS na operação (própria) de transferência entre estabelecimento do mesmo titular, não há incoerência, ilegalidade ou inconstitucionalidade na incidência do ICMS/ST em tais operações.
Dito isso, a questão se que coloca é quanto à forma de apuração do ICMS/ST, já que, nas operações com bens e mercadorias submetidos ao regime de substituição tributária, a regra geral da Cláusula Décima Terceira, do Conv. ICMS 142/2018 é de que imposto devido, em relação às operações subsequentes, corresponde ao valor da diferença entre o imposto calculado mediante aplicação da alíquota estabelecida para as operações internas na Unidade Federada de destino sobre a base de cálculo definida para a substituição e o devido pela operação própria do contribuinte remetente. Todavia, como exposto, elos termos vigentes da legislação, existem dois regimes para determinar o imposto da operação própria (aquela parcela, cuja decisão do STF reconheceu, justamente, que não incide na operação).
De acordo com o §2º, da Cláusula Décima Terceira do Conv. ICMS 142/2018, na hipótese de transferência promovida entre estabelecimentos do mesmo titular, deverá ser deduzido o “ICMS destacado na nota fiscal de transferência”, “nos termos do Convênio ICMS nº 109, de 3 de outubro de 2024”, sem mencionar especificamente qualquer cláusula.
A redação anterior dispunha que “na hipótese de transferência promovida entre estabelecimentos do remetente, deverá ser deduzido o ICMS destacado na nota fiscal de transferência, nos termos da cláusula quarta do Convênio ICMS nº 178, de 1º de dezembro de 2023”, que cuidava da transferência de crédito. Trata-se de disposição que foi alterada, considerando-se que o Conv. ICMS 178/2023 foi revogado pelo Conv. 109/2024.
Ocorre que o Conv. ICMS 109/2024 traz os dois regimes antes mencionados. A teor da sua Cláusula Quarta, “o crédito a ser transferido corresponderá ao imposto apropriado referente às operações anteriores, relativas às mercadorias transferidas”.
Por sua vez, a previsão contida na sua Cláusula Sexta aduz que, alternativamente, por opção do contribuinte, a transferência da mercadoria poderá ser equiparada a operação tributada, “para todos os fins”; hipótese em que se considera valor da operação para determinação da base de cálculo do imposto: o valor correspondente à entrada mais recente, em se tratando de mercadoria adquirida pronta; o custo da mercadoria produzida, em caso de produto industrializado pelo remetente, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento; ou tratando-se de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção, assim entendidos os gastos com insumos, mão-de-obra e acondicionamento.
Atente-se que há uma diferença entre as duas hipóteses a depender da situação do estabelecimento remetente. Caso o mesmo possua poucos créditos de entradas, na regra da Cláusula Quarta, do Conv. 109/2024, terá o valor do crédito do ICMS a ser transferido (que corresponderia ao ICMS “próprio” a deduzir do cálculo do ICMS/ST reduzido) minorado, já que o Estado de origem está obrigado a assegurar a diferença positiva entre créditos pertinentes às operações e prestações anteriores. Além disso, na forma do parágrafo primeiro, da Cláusula Quarta, o crédito a ser transferido está limitado a: (i) o valor médio da entrada da mercadoria em estoque, em se tratando de produto pronto; (ii) na hipótese de mercadoria industrializada pelo remetente, a base de cálculo do crédito a ser transferido é o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma da matéria-prima, insumo, material secundário e de acondicionamento (não incluindo mão-de-obra); e (iii) em se cuidando de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção, excluídos os de mão-de-obra. Ou seja, com isso, “reduz-se” o valor do crédito a ser transferido correspondente ao ICMS “próprio”, majorando-se a parcela do ICMS/ST.
De outro lado, porém, ao se fazer a opção pela equiparação da operação a tributada, o valor do ICMS a ser “transferido” irá considerar a regra da Cláusula Sexta, o que poderá minorar o valor final do ICMS/ST.
A dúvida que surge é se ambas as modalidades serão aceitas pelas fazendas estaduais, haja vista que o Conv. ICMS 109/2024 – e respectivas legislações – contemplam regimes alternativos.
Não temos pronunciamento do Setor Consultivo do Paraná.
Já o setor consultivo do Estado de São Paulo entende que se cuida de opção a ser feita pelo contribuinte, aduzindo que “na transferência de mercadorias, seja interna ou interestadual, o contribuinte poderá optar por realizar a transferência do crédito da forma prevista nas cláusulas primeira à quarta do Convênio ICMS 109/2024 (artigo 12, § 4º, da Lei Complementar 87/1996) ou por meio da equiparação da transferência de mercadorias a uma operação sujeita à ocorrência do fato gerador do imposto, para todos os fins (cláusula sexta desse Convênio – artigo 12, § 5º, da LC 87/1996)” (SEFAZ/SP. Resposta à Consulta Tributária 30745/2024, de 14 de fevereiro de 2025).
A escolha precisa ser cuidadosa e levar em consideração os aspectos particulares de cada contribuinte, especialmente ao se sopesar que a opção deverá alcançar todos os estabelecimentos do contribuinte localizados no território nacional, sendo anual e irretratável para todo o ano calendário, com renovação automática.