Prorrogação da desoneração da folha é vetada

Ana Paula Araújo Leal Cia

No último dia 23 de novembro, a Presidência da República vetou a prorrogação da desoneração da folha de salários, prevista no Projeto de Lei nº 334/2023.

O mencionado projeto de lei previa a prorrogação do regime da desoneração da folha até 31 de dezembro de 2027.

Com o veto, a princípio, o benefício fiscal se encerra em 31 de dezembro de 2023, caso o veto não seja rejeitado pelo Congresso Nacional antes disso.

Ou seja, se o Congresso não derrubar o veto, as empresas beneficiadas deverão retomar o recolhimento da contribuição previdenciária patronal, sobre a folha de salários, já  a partir de janeiro de 2024.

A desoneração da folha foi instituída pela Lei nº 12.546/2011, substituindo a contribuição previdenciária patronal, de 20% sobre a folha de salários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta das empresas – CPRB.

O benefício foi criado com o objetivo reduzir os encargos de setores com alto índice de empregabilidade (ex.: confecção e vestuário, calçados, construção civil, call center, comunicação, TI/TIC, transporte, entre outros) e, consequentemente, para estimular a contratação e a manutenção de empregos.

Há grande movimento junto ao Congresso Nacional para que o veto seja rejeitado, mantendo o regime da desoneração/CPRB.

A equipe de Prolik Advogados permanece à disposição de seus clientes para quaisquer esclarecimentos necessários.

IAT: nova instrução normativa disciplinando os processos de fiscalização ambiental

O Instituto Água e Terra do Paraná (IAT) aprovou no dia 18 de outubro de 2023 a Instrução Normativa nº 7, que estabelece regras e procedimentos para o trâmite dos processos administrativos de infrações, condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. 

A normativa foi editada para regulamentar e consolidar os procedimentos do órgão, especialmente sob a realidade dos processos eletrônicos, o rito para a lavratura, cancelamento e substituição dos autos de infração ambiental, bem como as regras para o exercício do direito de defesa e recurso pelos sancionados.

Lavratura de Autos de Infração de forma Remota

Um dos pontos que chamam a atenção é a possibilidade de serem lavrados autos de infração ambiental de forma remota, por meio da utilização de técnicas de geoprocessamento e sensoriamento, sem que exista a necessidade de ser realizada vistoria in loco pelo agente fiscal autuante. 

Os danos ambientais, nesse caso, passam a ser comprovados por meio de arquivos vetoriais, laudos, pareceres e/ou relatórios técnicos produzidos por profissional competente, e se constituem, segundo a Instrução, como documentos públicos capazes de atestar a materialidade 

Conversão de Multas Ambientais

A Instrução Normativa também reforça a possibilidade de o autuado pedir a conversão de multas ambientais, que é a substituição de uma multa simples por serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. No caso do Paraná, essa conversão pode reduzir em até 60% (sessenta por cento) o valor de um auto de infração aplicado pelo IAT.

Embargo de Obras ou Atividades

Por fim, outro ponto importante é a regulamentação do embargo a uma obra ou atividade, que deve ser aplicado pelos fiscais e/ou policiais ambientais para cessar a continuidade do dano ambiental ou da irregularidade identificadas nos processos de fiscalização. 

De acordo com a Instrução, a cessação das penalidades de suspensão e embargo somente poderá ocorrer por ordem do IAT, após a apresentação, por parte do autuado, de documentação que comprove a regularização da obra ou atividade.

Filmes de Tribunal: “O Informante”

Thiago Pacheco

Uma das maiores recompensas em filmes de tribunal é a cena em que o mocinho, – seja o promotor de justiça ou o advogado da parte que tem razão – cheio de uma espécie de “ira santa”, e tendo ao seu lado a verdade, põe a parte contrária em seu devido lugar. “O Informante” (1999), como não poderia deixar de ser, tem essa cena, que é de fato muito satisfatória – mas sequer é conduzida pelos protagonistas. 

Dirigido por Michael Mann (“O Último dos Moicanos”, “Fogo Contra Fogo”, “Colateral”, entre outros), o filme conta como Jeffrey Wigand, um químico demitido de uma companhia de tabaco (interpretado por um quase irreconhecível, pelo menos para a época, Russel Crowe), é convencido pelo produtor de documentários televisivos Lowell Bergmann (Al Pacino) a contar o que sabe sobre um litígio que então se iniciava: as promotorias públicas em alguns estados dos EUA moviam ações coletivas contra fábricas de cigarros, representando os interesses difusos de fumantes doentes e falecidos, sustentando que o produto vendido pelos Réus era propositalmente viciante.

Pode parecer estranho à primeira vista – pois o hábito de fumar é um risco assumido pelo fumante – mas a tese jurídica é a de que o fornecedor acrescentava aos cigarros componentes químicos que acentuavam a característica viciante da nicotina, de modo a, digamos, “fidelizar” ainda mais seus clientes. Wigand, o “informante” do título, possui conhecimento privilegiado do assunto, pois era químico em uma dessas indústrias e o responsável direto pela adição de compostos aos cigarros. Ele, no entanto, assinou um termo de confidencialidade ao ser demitido de seu antigo emprego – e não pode dar a entrevista que Bergmann persegue, e nem depor como testemunha nas ações coletivas então recém propostas. 

O drama de consciência o protagonista cresce rapidamente – desempregado e com uma filha pequena que sofre de asma, ele perde seu plano de saúde e tem o salário drasticamente diminuído quando consegue uma posição de professor no ensino secundário. A isso se somam ameaças anônimas e tentativas de intimidação de seus poderosos ex-empregadores – e aos poucos ele se convence de que expor a verdade é o único caminho. 

Uma relação forte se cria entre Wigand, Bergmann e o advogado Ron Motley (interpretado pelo coadjuvante de luxo Bruce McGill), um dos responsáveis pelas ações coletivas contra a indústria do tabaco – e responsável pela memorável cena antes mencionada.

Baseado em uma história real, “O Informante” deixa de lado as considerações mais mundanas e “processuais” para reafirmar o sempre supremo valor da verdade, que pode pôr abaixo até os mais bem redigidos acordos de confidencialidade. 

Al Pacino (Lowell Bergmann) e Russel Crowe (Jeffrey Wigand).

Wigand (esq.) e Bergmann (centro).

Talvez a cena mais satisfatória em um filme de tribunal:


Os incômodos do uso anormal da propriedade

Robson José Evangelista

Com sabido, viver em sociedade exige respeito e um bom grau de tolerância. Principalmente nas grandes cidades, a convivência entre vizinhos, não raras vezes, envolve desinteligências quando um deles esquece que deve se comportar de forma a não causar incômodos aos circunvizinhos.

O Código Civil tratou de regular a matéria ao prever, no seu artigo 1277, que o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

Para aquilatar o que é uma interferência prejudicial, deve-se levar em consideração a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites normais de tolerância dos moradores da vizinhança.

Portanto, apesar do balizamento legal, há um grau de subjetividade bastante importante na avaliação se determinada conduta ou atividade pode ou não ser censurada em atendimento à reclamação do vizinho.

Por exemplo, a existência de um aviário em zona na qual é permitida a exploração rural pelas posturas municipais, dificilmente terá sua atividade obstada em razão dos reclamos de vizinho quanto ao mal cheiro, desde que, claro, tal atividade tenha atendido a todas as normas construtivas e de saúde pública.

Uma situação bem comum são as queixas sobre latidos de cães. Não existe uma regra objetiva para definir quando o incômodo é insuportável ou quando ele é considerado como aceitável numa discussão judicial.

Tudo vai depender de uma análise acurada de cada caso. O tamanho do animal, a frequência dos latidos, os horários, a sensibilidade do vizinho reclamante (pessoa idosa ou doente, por exemplo), as providências que são tomadas pelo dono do animal, distância das propriedades e assim por diante, são variantes a serem sopesadas pelo Juiz que deverá aplicar a solução mais razoável considerando as particularidades da situação denunciada como incômoda. Não se descarta, até mesmo, a proibição da permanência do animal na propriedade, se o nível de incômodo for insuportável e não existir outra solução paliativa.

Inclusive, existem decisões judiciais que reconhecem que fere o direito de vizinhança e caracteriza o uso nocivo da propriedade, a mantença de inúmeros animais em precárias condições de higiene e cuidados, que causam aos vizinhos perturbações de toda ordem, como sujeira, mau cheio e sons incômodos e persistentes.

Uma das reclamações mais comuns e que causa atrito entre vizinhos, com consequências muitas vezes graves envolvendo até agressões físicas, é o uso de som em volume alto, a chamada poluição sonora, seja em residências, seja em estabelecimentos comerciais.

Nessas situações, deve imperar a relativização. Uma festa ocasional na qual os animados participantes falam muito e ouvem música alta até um determinado horário aceitável, exige do vizinho tolerância, ainda que em grau máximo, pois o episódio é isolado e não se estenderá por mais do que algumas horas.

Já no caso de vizinho que constantemente promove festas com som e barulho exagerados o comportamento contumaz precisa ser reprimido e se a solicitação amigável não resolver, o caminho imediato tem sido chamar a polícia e, em última instância, o socorro ao Judiciário.

Por outro lado, reclamações de barulhos de crianças na utilização da área de playground de um condomínio somente justificam reprimenda se tais barulhos são constantes e em volume e horários incompatíveis com o razoável, caso contrário eles serão considerados como dentro dos limites ordinários de tolerância que se impõe diante da convivência condominial.

Sem dúvida, ser submetido sistematicamente ruídos altos ou cheiros insuportáveis justifica a reclamação do vizinho e a intervenção do Judiciário para fazer cessar a atividade prejudicial. Porém, há que se recorrer sempre ao bom senso de ambos os lados, tendo como norte o respeito mútuo e a lembrança de que o convívio com o vizinho não é de tempo curto e sim duradouro, exigindo paz e serenidade.

Para TST contrato de parceria não caracteriza terceirização de serviços

Ana Paula Leal Araújo Cia

Para a 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho a relação existente entre as empresas Rappi e Grin Mobilidade, empresa de locação de bicicletas e patinetes elétricos não caracteriza terceirização de serviços.

A ação trabalhista discutia a responsabilidade subsidiária da Rappi, pois havia a alegação de que o trabalhador, mecânico, contratado e dispensado pela Grin Mobilidade prestava serviços em benefício da Rappi. 

No entanto, ao analisar o caso, os Desembargadores da 4ª Turma entenderem trata-se de contrato de parceira em que a empresa Grin Mobilidade oferecia a locação de seus patinetes elétricos através da plataforma digital da Rappi.

Nesse sentido, não configurada a terceirização de serviços não cabe a responsabilidade subsidiária da Rappi, afastando-se, portanto, a aplicação do entendimento previsto na Súmula 331, IV do TST.

Filmes de Tribunal: “Justiça Corrupta”

Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Seguindo uma tradição brasileira de tradução de títulos que guardam pouca – ou mesmo nenhuma – relação com o nome original da obra, “Justiça Corrupta” (True Believer, 1989) conta a história de um advogado desiludido e cínico, que abandonou a militância em prol dos direitos civis para defender pequenos traficantes e outros criminosos contumazes. Com o escritório instalado em um bairro perigoso, Edward Dodds (uma das maiores interpretações da carreira de James Woods) tem um abastecimento constante de clientes, e vai tocando a vida até que o recém-formado Roger Baron (o então iniciante Robert Downey Jr.) pede uma oportunidade de estágio. Relutante, Dodds contrata o novato, que acaba convencendo seu chefe a aceitar um caso complicado e espinhoso, com um perfil de cliente que não era o preferido por ele: um imigrante coreano acusado de homicídio, e cuja família jura solenemente ser inocente. 

Dodds, convencido de que em seu ramo de atuação “todos são culpados”, aos poucos se convence de que seu cliente é de fato inocente, e se entusiasma com sua defesa. Baron o ajuda a redescobrir o encanto da profissão e seu significado mais profundo, que o chefe havia esquecido e abandonado ao passado. 

Enquanto isso, o cliente coreano é forçado a matar outro detento, em situação clara de legitima defesa – o que complica muito as coisas para ele, mas motiva ainda mais seus defensores, que descobrem que sua prisão não se trata de um mero erro policial ou judiciário, mas de um sintoma da Justiça Corrupta do título em português. 

O “verdadeiro crente” (“True Believer”, em tradução livre) do título original é inspirado no advogado Tony Serra, cuja atuação na California dos anos 60 e 70 era ligada aos temas dos direitos civis, com o patrocínio dos interesses de membros dos Panteras Negras, do grupo de motociclistas Hell’s Angels e de outros grupos que misturavam política, contracultura e protesto. Entre seus clientes, houve o imigrante coreano Chol Sol Lee, que foi por ele inocentado e cuja história serviu de inspiração para este filme – tanto um eletrizante “thriller” quanto um lembrete da importância de se acreditar, sempre, na justiça e na verdade. 

Chol faleceu em 2014, e Serra vive em Alameda, na California, onde desfruta sua aposentadoria. 

Critics At Large : Neglected Gem #62: True Believer (1989)
Legendary Lawyer Tony Serra Reads From Novel on War and Death Penalty :  Indybay

O advogado Tony Serra

Head-and-shoulders portrait in black and white of Chol Soo Lee. Photograph attributed to K.W. Lee.

Chol Sol Lee

STJ não admite citação e intimação por redes sociais

Manuella de Oliveira Moraes

Em recente julgado, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, inadmitiu que a citação de um devedor ocorresse por meio de suas redes sociais, mantendo as decisões das instâncias inferiores.

A questão já vem sendo discutida há quase uma década, porém ganhou importância com a pandemia causada pelo coronavírus e a edição de inúmeras regulamentações desiguais por todo o País.

Para a relatora do caso, ante este cenário, faz-se indispensável a edição de legislação federal que discipline a matéria de forma isonômica e segura para todos.

A ministra ressalta que, além da falta de previsão legal que anularia o ato, a prática é complexa e precária devido a existência de homônimos, perfis falsos e incerteza do efetivo recebimento da citação/intimação.

Ainda de acordo com Nancy Andrighi, havendo dificuldade na localização do devedor para citação pessoal a solução processual é a citação por edital, já devidamente prevista nos artigos 256 e seguintes do Código de Processo Civil. 

Por fim, a ministra esclarece que o princípio da instrumentalidade das formas pode convalidar atos processuais já praticados em desrespeito à lei, mas jamais validar previamente atos de forma distinta do legalmente previsto.

IBGC apresenta nova edição do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa

Isadora Boroni Valério Simonetti

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC lançou, em agosto de 2023, a 6ª edição do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, incorporando conceitos que buscam ampliar a diversidade, modernidade e abrangência de temas no mundo corporativo.

A primeira mudança notável foi realizada no conceito de governança corporativa que, de acordo com o novo código, corresponde ao “sistema formado por princípios, regras, estruturas e processos pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, com vistas à geração de valor sustentável para ela própria, seus sócios e a população. Esse sistema baliza a atuação dos agentes de governança e demais indivíduos de uma empresa ou entidade, na busca pelo equilíbrio entre os interesses de todas as partes, contribuindo positivamente para a comunidade do entorno na qual está inserida, a sociedade em geral e o meio ambiente”. 

A parte final do conceito, introduzida na nova versão do Código de Melhores Práticas, está alinhada à outra modificação que merece destaque, a inclusão da integridade aos princípios da governança corporativa e a reforma dos princípios “prestação de contas” e “responsabilidade corporativa”, que passam a ser denominados “responsabilização” e “sustentabilidade”, respectivamente. Portanto, os cinco princípios que norteiam a governança corporativa, segundo o IBGC, são: equidade, transparência, responsabilização, sustentabilidade e integridade. As alterações visam promover o cuidado com as partes interessadas e a ética corporativa.

A advogada Isadora Boroni Valério Simonetti pontua que o Código de Governança Corporativa do IBGC é instrumento fundamental de consulta e indispensável nas “prateleiras” dos empresários e administradores que buscam adequar-se e as sociedades às normas de governança. As reformas realizadas foram, em geral, muito positivas, trazendo um caráter menos prescritivo e mais personalizado ao Código, além de englobarem e trazerem ao mundo corporativo temáticas contemporâneas, como as discussões sobre sustentabilidade, inclusão social e ética no trabalho.

STF rejeita a tese do Marco Temporal Indígena

Eduardo Mendes Zwierzikowski

O Supremo Tribunal Federal apreciou, no âmbito do Recurso Extraordinário 1017365, a tese conhecida como “marco temporal indígena”, segundo a qual os povos indígenas teriam o direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou menos disputavam no dia 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

Conclusão do Julgamento

Prevaleceu o entendimento de que a posse tradicional indígena se distingue da posse civil, não podendo ser limitada à existência de um marco temporal, esbulho, conflito territorial ou controvérsia judicial existente na data de promulgação da Carta Magna. 

De acordo com a decisão, passa a ser possível a demarcação de terras indígenas, mesmo quando não havia ocupação tradicional por aqueles povos. Enquanto terras públicas, esses territórios são considerados inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre eles imprescritíveis.

Regime Indenizatório

Foram estabelecidos dois regimes indenizatórios aos proprietários de terras qualificadas como pertencentes a indígenas, de acordo com a existência de ocupação contemporânea ao ano de 1988: 

1) Se na data da Constituição existiam ocupações indígenas ou esbulho possessório, deve ser aplicado o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, ou seja, o proprietário rural passa a ter direito somente a ser indenizado pelas obras que aumentaram/facilitaram o uso do imóvel e aquelas que se destinaram à conservação do bem ou que evitaram que ele se deteriorasse. 

2) Agora, nos casos em que não existia ocupação indígena na área reivindicada, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras, tendo o proprietário rural direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União. Além dessas benfeitorias, se não for possível reassentar o particular, ele terá direito a ser indenizado pelo valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, com o pagamento imediato da parcela incontroversa. 

Como é possível perceber, estabeleceu-se regime muito próximo ao da desapropriação por utilidade pública e interesse social, nas hipóteses em que o particular tem reconhecido o seu direito de propriedade em decorrência da ausência de ocupação indígena em suas terras.

Nos casos já pacificados, que possuem terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, não haverá direito à indenização. Ela somente será admissível nas questões judicializadas e aquelas em andamento. 

Revisão das áreas demarcadas

O STF também garantiu a possibilidade de as terras indígenas reconhecidas serem redimensionadas, por meio de procedimento demarcatório até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, quando existente grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na redefiniçao dos limites da terra indígena, exceto nos casos judicializados e naqueles pedidos de revisão instaurados antes da conclusão do julgamento.

Direito à Exploração Econômica

A decisão do Supremo reforçou que cabe somente aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes. Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que são discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da FUNAI e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei. 

PL do Marco Temporal

Mesmo após a decisão de inconstitucionalidade do Marco Temporal, o plenário do Senado Federal aprovou o Projeto de Lei nº 2903/2023, que visa regulamentar o artigo 231, da Constituição Federal, para disciplinar sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas. 

Na prática, o Senado Federal tenta não apenas implantar a tese do marco temporal através do processo seletivo, mas também disciplinar a possibilidade de se viabilizar a exploração econômica das terras indígenas. Agora caberá ao Presidente da República vetar ou sancionar o texto.

Judiciário assegura que empresa mantenha importação com benefícios mesmo com pendências fiscais

Michelle Heloise Akel

Uma empresa do setor de informática obteve decisão judicial favorável, afastando restrições impostas pela Receita Estadual do Paraná, em operações de importação, devido a pendências tributárias.

Contextualizando, a empresa realiza regularmente, através do Porto de Paranaguá, importações de mercadorias, beneficiadas com o diferimento parcial do ICMS de modo que se aplique às operações a carga de 6%, nos moldes do art. 459, do RICMS/PR. Embora preenchesse todos os requisitos para a regular subsunção ao regime diferenciado, a Receita Estadual do Paraná impediu-a de usufruir dele, com fundamento no art. 465, do RICMS/PR, tendo por pressuposto a existência de “pendências tributárias” e “inscrição no CADIN”, o que a levou ao Judiciário. 

Em mandado de segurança, a empresa arguiu a ilegalidade da restrição, demonstrando que o status de regularidade, a que se reporta o art. 465, do RICMS/PR, deve ser lido em conjunto com o art. 20, §1º, da Lei Complementar Estadual n° 107/2005; que assegura ao contribuinte a concessão de certidão negativa no período que medeia a inscrição do débito em dívida ativa e a intimação da ação judicial de cobrança. 

Dito dispositivo, rememore-se, contido no “Código de Defesa do Contribuinte” pretendeu, precisamente, para dar uma solução a situações como a enfrentada pela empresa, em que o contribuinte se encontra em um “limbo”, entre a conclusão da discussão administrativa e o ajuizamento da ação executiva de cobrança do débito tributário.

No entendimento defendido da empresa – e que encontra sustentação em decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – referida disposição legal assegura a condição de regularidade fiscal do contribuinte no interregno do encerramento da discussão administrativa até a cobrança judicial. 

O Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública, da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, acolheu os seus argumentos, concluindo que “na espécie, (…) há uma particularidade a ser observada no tocante ao lapso existente entre o término da discussão administrativa da dívida tributária e o ajuizamento da execução fiscal correspondente, porque nesta situação o contribuinte fica à mercê da conduta do Fisco em ajuizar contra si a execução para que, somente a partir disso, possa exercer o direito que o RICMS que outorga no sentido de garantir o débito inscrito em dívida ativa. (…) Sendo assim, neste caso particular tem razão o contribuinte em não ter de pronto retirado o benefício fiscal por conta de inscrição em dívida que não pode ofertar a devida garantia. Solução diferente acabaria por suprimir-lhe um direito que o próprio RICMS lhe outorga, descumprimento os princípios da Administração Pública, notadamente a legalidade, moralidade e isonomia (art. 37, CF).”.

Com isso, foi reconhecida a ilegalidade da pretensão fiscal, com a suspensão da inscrição do contribuinte no CADIN, até a citação da ação de execução fiscal, quando será permitido o oferecimento de garantia para o débito, assegurando à empresa, mesmo com pendências fiscais, que mantenha o tratamento tributário diferenciado nas operações de importação. 

A advogada Michelle Akel, esclarece, por fim, que a decisão em termos práticos assegurou o status de regularidade fiscal da empresa nesse interregno de tempo, enfatizando a importância de não a privar de um direito previsto em lei, mas que não concedeu o benefício fiscal à empresa propriamente.