A evolução dos precedentes relativos à LGPD no STJ.

Flávia Lubieska Kischelewski

Apesar do curto histórico de vigência da Lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais ou LGPD), que entrou em vigor em agosto de 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem se pronunciando sobre sua aplicação. Curiosamente dois casos de maior relevância envolveram a mesma concessionária de energia: Enel.

Em março de 2023, a Segunda Turma da Corte decidiu que o titular de dados pessoais vazados deveria comprovar o dano efetivo ao buscar indenização. Para o Ministro Francisco Falcão, “o vazamento de dados pessoais, a despeito de se tratar de falha indesejável no tratamento de dados de pessoa natural por pessoa jurídica, não tem o condão, por si só, de gerar dano moral indenizável. Ou seja, o dano moral não é presumido, sendo necessário que o titular dos dados comprove eventual dano decorrente da exposição dessas informações. Diferente seria se, de fato, estivéssemos diante de vazamento de dados sensíveis, que dizem respeito à intimidade da pessoa natural”.

Passados mais de 1,5 ano, em dezembro de 2024, um novo entendimento surge em termos de responsabilidade empresarial. A Terceira Turma do STJ, julgou que a Enel tem responsabilidade pelo vazamento de dados pessoais de uma consumidora por um ataque hacker. Nos termos do acórdão, “a empresa recorrente se enquadra na categoria dos agentes de tratamento, caberia a ela tomar todas as medidas de segurança esperadas pelo titular para que suas informações fossem protegidas, entre as quais a utilização das técnicas de tratamento de dados pessoais disponíveis à época em que foi realizado. Em acréscimo, os sistemas utilizados para o tratamento de dados pessoais da recorrente deveriam estar estruturados de forma a atender aos requisitos de segurança, aos padrões de boas práticas e de governança e aos princípios gerais previstos na LGPD e às demais normas regulamentares (art. 49)”.

Na origem, o Tribunal de Justiça de São Paulo havia afastado a indenização por danos morais e reconhecido a ocorrência de vazamento dos dados pessoais não sensíveis da autora. Esse aspecto não foi objeto de reanálise pelo STJ, que destacou que o tratamento de dados pessoais se configurou como irregular quando deixou de fornecer a segurança que o titular dele poderia esperar (“expectativa de legítima proteção”), consideradas as circunstâncias relevantes, entre as quais as técnicas de tratamento de dados pessoais disponíveis à época em que foi realizado (art. 44, III, da LGPD). Assim, “o agente de tratamento responderá pelas violações da segurança dos dados”.

Esses não são os únicos casos relacionados à LGPD apreciados pelo STJ nos últimos anos, mas merecem destaque no que concerne a prestação de serviços ao consumidor. Mesmo que ainda não se tenha um firme posicionamento, no STJ, favorável à concessão de indenização por danos extrapatrimonais, esta recente decisão abre caminho para tanto.

O reconhecimento da responsabilidade objetiva e da ausência da prática das medidas técnicas esperadas pelo cliente da empresa em relação à proteção de seus dados pessoais deverá, em algum momento, acarretar o dever de reparação empresarial, assevera a advogada Flávia Lubieska N. Kischelewski. Devem, nesse sentido, agir preventivamente os agentes de tratamento de dados, principalmente os controladores.

Novas regras para cancelamento de Planos de Saúde.

Manuella de Oliveira Moraes

A regulação dos planos de saúde no Brasil é um tema jurídico complexo, pois envolve uma série de direitos fundamentais, como o direito à saúde, à informação e a busca por equilíbrio nas relações contratuais entre consumidores e fornecedores de serviços. 

O judiciário tem sido marcado pelo crescente número de processos envolvendo a inadimplência de beneficiários e o cancelamento unilateral de contratos pelas operadoras.

Nesse contexto, as novas regras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) surgem como uma tentativa de melhorar a transparência, proteger os direitos dos consumidores e garantir mais estabilidade nas relações contratuais entre beneficiários e operadoras.

Tais alterações estão em vigor desde 1º de dezembro de 2024 e são válidas para todos os contratos de planos de saúde firmados depois de 1º de janeiro de 1999 ou dos planos adaptados à Lei 9.656 de 1998, que são pagos pelos próprios beneficiários.

Além disso, a ANS também concedeu um período de transição para que as operadoras façam a adequação às novas normas até 1º de fevereiro de 2025, a partir de quando poderão sofrer penalidades pelo descumprimento das mesmas.

Confira-se as principais alterações:

  • O usuário poderá ter o seu plano cancelado por inadimplência se deixar de pagar, no mínimo, duas mensalidades, consecutivas ou não, nos últimos 12 meses de vigência do contrato;
  • Os dias em atraso de mensalidades que já foram pagas não são contados como período de inadimplência;
  • Se o beneficiário discordar do valor ou da cobrança referente às mensalidades não pagas, ele poderá fazer um questionamento sobre a notificação por inadimplência realizada pela operadora sem perder o prazo para o pagamento;
  • Se a mensalidade do plano de saúde deixar de ser cobrada por algum erro da operadora, seja por não disponibilizar o boleto para pagamento ou não realizar o desconto em folha ou em débito na conta corrente do beneficiário, o período de inadimplência não será considerado válido para cancelar o contrato. A ANS recomenda que, para comprovar o não recebimento do boleto, o beneficiário apresente à operadora o contracheque, nos casos de desconto em folha; extrato bancário, em casos de débito em conta; ou print da tela do e-mail ou do site da operadora, que mostrem a ausência das cobranças;
  • Formas de comunicação sobre falta de pagamento com os beneficiários:

– Carta, com aviso de recebimento (AR);

– Pessoalmente por um representante da operadora;

– Por ligação telefônica gravada e por meios eletrônicos: e-mail; mensagem de texto para telefones celulares, que poderá ser feita via SMS ou via aplicativo de mensagens como o WhatsApp; 

Essas novas opções de notificação serão válidas desde que o beneficiário confirme o recebimento. 

Portanto, é fundamental que o usuário mantenha seus dados cadastrais atualizados junto à operadora de plano de saúde.

Para a agência reguladora, as atualizações das regras objetivam garantir que o consumidor seja notificado, caso esqueça de pagar a mensalidade, e tenha a oportunidade de quitar a dívida, evitando o cancelamento do contrato ou a sua exclusão do plano de saúde. As mudanças modernizam a regulamentação, trazendo transparência aos beneficiários nos casos de rescisão de contrato por inadimplência”.

Apesar dos avanços, a prática das novas regras não está isenta de desafios. 

A Resolução Normativa nº 593/2023, ao buscar um equilíbrio entre as necessidades dos consumidores e a viabilidade econômica das operadoras, contribui para a evolução do mercado de saúde suplementar, oferecendo maior proteção ao consumidor sem comprometer a sustentabilidade do setor. 

No entanto, a efetividade das mudanças dependerá de sua implementação eficaz, da fiscalização rigorosa pela ANS e da conscientização dos beneficiários sobre seus direitos.