Quanto vale uma vida?

Thiago Cantarin Moretti Pacheco

“Valor da Vida” (Worth, 2020) não se passa em tribunais – na verdade, o filme retrata o enorme esforço empreendido por advogados, familiares e companheiros de vítimas do atentado terrorista de 11 de setembro para evitar uma dolorosa ida às cortes.

O advogado e professor universitário Kenneth Feinberg (interpretado magistralmente por Michael Keaton) é escolhido pelo governo americano, logo após o ataque às torres gêmeas, para administrar um fundo de compensação às vítimas do evento. A finalidade do fundo é indenizar os familiares e companheiros das pessoas falecidas no traumático acontecimento – tanto os trabalhadores que estavam no World Trade Center quanto os bombeiros e policiais que morreram tentando salvá-los. O primeiro desafio de Weinberg e sua sócia (também designada para administrar o fundo de compensação) é estabelecer um valor a ser pago para os familiares das vítimas. Qual o critério a ser observado? A família de um zelador que trabalhava no World Trade Center deveria receber o mesmo que os entes queridos de um executivo que ganhava centenas de vezes mais, e assim sustentava sozinho toda a sua família? Como compensar adequadamente cada companheiro, sendo que alguns deles não conseguiam sequer comprovar formalmente os vínculos que os uniam? Como chegar a um critério justo de reparação, diante de situações tão diversas, e expectativas das mais variadas?

Entre as vítimas, há os que não enxergam na reparação monetária algo que possa minimamente “reparar” o que quer que seja – e pessoas que verdadeiramente necessitam da soma para reerguer a própria vida. Há companheiros homossexuais cuja família do falecido se recusa terminantemente a reconhecer a existência da relação. Há líderes e liderados – e desponta no grupo das vítimas a figura de Charles Wolf (Stanley Tucci), que, desde a primeira reunião com os administradores do fundo de reparação, procura ser razoável e apaziguador, mesmo com os ânimos exaltados típicos de semelhante situação. 

Aos poucos, os critérios vão se definindo de maneira mais natural – e Wolf começa a reparar que, mesmo tendo perdido a esposa no atentado terrorista, há algo que é também doloroso na incumbência recebida por Feinberg, especialmente diante da multiplicidade de situações que se apresentam e da necessidade de se obter uma aprovação unânime, entre as vítimas, dos critérios de compensação – do contrário, o assunto só poderá ser resolvido pela via contenciosa. 

“Valor da Vida” toca em temas desconfortáveis e mostra a aparente futilidade das tentativas de se “precificar” a dor humana – no entanto, ao mesmo tempo, como certas circunstâncias, mesmo extremas, podem fazer aflorar nas pessoas a compaixão necessária para amparar o seu semelhante.