CVM cria o FÁCIL para permitir mais companhias acessarem o mercado de capitais.

Flávia Lubieska Kischelewski

Com a edição das Resoluções CVM nº 231 e nº 232, ambas de 3 de julho de 2025, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) instituiu o Regime FÁCIL – Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivos a Listagens –, com o objetivo de ampliar o acesso de companhias de menor porte (CMPs) ao mercado brasileiro de capitais. O novo conjunto normativo vigorará a partir de janeiro de 2026 e será aplicável às sociedades anônimas com receita bruta anual consolidada inferior a R$ 500 milhões e listadas em mercado organizado de valores mobiliários. A proposta visa suprir uma demanda antiga, mediante a sistema mais simplificado e menos oneroso.

O surgimento do FÁCIL atende a uma demanda antiga: a existência de um vazio regulatório entre o crowdfunding (modalidade de captação pública regulada pela CVM por meio de plataformas online autorizadas), que passou a ser disciplinado pela Resolução CVM nº 88, que se destina a empresas com receita de até R$ 40 milhões e captação limitada a R$ 15 milhões, e o regime tradicional de ofertas públicas, regulado pela Resolução CVM nº 160, cujas exigências são comparáveis às impostas a grandes companhias abertas. Para muitas empresas, essa disparidade tornava o mercado de capitais uma alternativa inviável, já que os custos fixos e as obrigações acessórias pesavam de forma desproporcional, fazendo que companhias buscassem outros meios financiamentos.

Ao criar um regime intermediário, a CVM sinaliza um movimento importante de incentivo ao acesso ao crédito privado às CMPs, reconhecendo que a proporcionalidade de regras regulatórias compatíveis com seu porte é essencial para ampliar sua competitividade no mercado, inclusive de capitais nacional. Vale salientar, ainda, que o Fácil é fruto de uma construção coletiva, posterior à realização de consulta pública realizada em 2024, ou seja, com a participação da sociedade civil, que contribuiu diretamente na construção das Resoluções CVM promulgadas recentemente.

Para usufruir desse regime, a partir de 2026, a companhia deverá observar alguns requisitos básicos: ser constituída sob a forma de sociedade anônima, apresentar receita bruta consolidada inferior a R$ 500 milhões no último exercício, ter suas demonstrações auditadas por auditor registrado na CVM e manter listagem em mercado organizado. A classificação como CMP não substitui as categorias tradicionais de registro (A ou B), mas se sobrepõe a elas para fins da aplicação das regras simplificadas. Esse desenho é relevante porque mantém uma estrutura regulatória já consolidada, ao mesmo tempo em que insere uma camada adicional de flexibilização para empresas de menor porte. Outro ponto importante é que a migração de companhias já registradas para o FÁCIL exige anuência dos titulares dos valores mobiliários em circulação, o que confere segurança jurídica e respeito à vontade dos investidores.

Entre as principais inovações, destaca-se a criação do Formulário FÁCIL, que substitui documentos antes exigidos em separado, como o Formulário de Referência, o prospecto e a lâmina. Essa mudança reduz redundâncias informacionais e simplifica processos sem eliminar a necessidade de transparência. O Formulário deve ser atualizado anualmente ou em até 14 dias úteis quando ocorrerem alterações relevantes, como mudança de administradores, modificações significativas na composição acionária ou no capital social. Essa abordagem reflete a tentativa da CVM de equilibrar dois objetivos, isto é, diminuir custos regulatórios e assegurar que o mercado disponha de informações suficientes para decisões de investimento.

Outro aspecto importante é a flexibilização das obrigações periódicas, o que implica menos burocracia e custo às CMPs. No lugar dos tradicionais relatórios trimestrais (ITR), admite-se a entrega de informações semestrais (ISEM), com prazo estendido para 60 dias. No campo da governança, foram concedidas dispensas relevantes, como a não obrigatoriedade de disponibilização do sistema de voto a distância e a desobrigação do envio de políticas internas para a CVM, além da flexibilização no quórum de aceitação para cancelamento de registro em ofertas públicas de aquisição (OPA), que passa a ser de 50% das ações em circulação, em vez dos dois terços exigidos no regime geral.

Um outro ponto relevante é a dispensa da obrigatoriedade do relatório de sustentabilidade previsto na Resolução CVM nº 193, que passa a ser facultativo para as companhias enquadradas no FÁCIL. A exigência anterior de divulgação de informações ESG (Environmental, Social and Governance) era frequentemente considerada onerosa para estruturas enxutas como as das CMPs, podendo desestimular sua entrada no mercado de capitais. Com a flexibilização, busca-se reduzir barreiras sem impedir a divulgação voluntária dessas informações, prática que continua alinhada às tendências globais. Essa escolha demonstra que a CVM optou por uma estratégia pragmática, priorizando a inclusão e a viabilidade econômica, sem descartar a possibilidade de evolução futura em direção a práticas mais avançadas de sustentabilidade.

No tocante às ofertas públicas, o FÁCIL introduz modalidades adaptadas ao porte das empresas. As companhias poderão seguir as regras completas da Resolução CVM nº 160, sem limitação de valor ou optar pelo rito simplificado, com ofertas limitadas a R$ 300 milhões por período de 12 meses. Nessas operações simplificadas, o Formulário FÁCIL substitui prospecto e lâmina, reforçando a lógica de padronização e desburocratização. Além disso, o regime inova ao permitir a realização de ofertas públicas diretas, sem necessidade de intermediação por instituição financeira e sem registro prévio na CVM, desde que observados os limites e condições previstos. Essa possibilidade pode ampliar a eficiência e reduzir custos de transação, sobretudo em emissões de dívida voltadas a investidores profissionais, mas também traz desafios relacionados à supervisão e à mitigação de riscos operacionais, uma vez que a análise passa a ser conduzida pela entidade administradora do mercado organizado onde a companhia estiver listada.

Além das companhias registradas na CVM, o FÁCIL também contempla a possibilidade de ofertas públicas por companhias de menor porte não registradas, desde que observados requisitos específicos. Nessas hipóteses, as ofertas deverão ser limitadas a valores mobiliários representativos de dívida e destinadas exclusivamente a investidores profissionais, dispensando-se tanto o registro da companhia como a contratação de coordenador da oferta. A responsabilidade pela obtenção das informações necessárias para avaliação do investimento recai integralmente sobre os investidores profissionais, de forma similar ao que ocorre nas ofertas com esforços restritos sob a Resolução CVM nº 160.

A descentralização da supervisão é, de fato, um dos pontos mais relevantes do FÁCIL. Ao delegar às entidades de mercado organizado atribuições como a análise prévia de documentos e o monitoramento das ofertas diretas, a CVM reforça a tentativa de simplificar a burocracia e conferir maior agilidade aos processos. No entanto, esse modelo pressupõe que tais entidades mantenham elevados padrões de governança e fiscalização, sob pena de comprometer a efetividade do regime. Essa dinâmica demanda robustez institucional e alinhamento regulatório, a fim de assegurar que a simplificação não se converta em fragilidade.

De maneira geral, o FÁCIL se insere em um conjunto de medidas voltadas à ampliação das possibilidades de captação diretas por companhias de menor porte, sem afastar princípios essenciais de transparência e segurança jurídica. Trata-se de um movimento que aposta na proporcionalidade regulatória e simplificação como mecanismo de inclusão, sem renunciar a estrutura básica de proteção ao investidor. 

A efetividade desse regime dependerá, em larga medida, da sua aceitação pelo mercado, da capacidade das entidades administradoras de desempenhar o papel regulatório que lhes foi delegado e do acompanhamento contínuo da CVM, especialmente para avaliar se a desoneração regulatória produz o efeito desejado sem comprometer a integridade do sistema. Em síntese, o FÁCIL não deve ser visto apenas como uma flexibilização normativa, mas como uma estratégia regulatória que busca harmonizar eficiência, transparência e desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro.

Medida Provisória estimula compra e venda de ações até 2023

No dia 10 de julho, foi publicada a Medida Provisória nº 651, que, entre outras disposições, estimula o mercado de capitais por meio da concessão de isenção de imposto sobre a renda no caso de ganho de capital auferido por pessoa física, até 31 de dezembro de 2023, quando da alienação de ações de empresas de pequeno e médio porte.

Para obtenção dessa isenção, o investidor deve verificar quais companhias se enquadram nos requisitos do art. 16 da referida Medida Provisória, mediante consulta ao site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A relação das ofertas com ações beneficiadas pela MP 651/2014, juntamente com o montante de cada emissão, deve ser divulgada periodicamente pela CVM.

“Embora o número de companhias contempladas ainda seja muito reduzido, esperamos que até a conversão da MP em Lei possa ocorrer alguma flexibilização de modo que mais empresas consigam se enquadrar, pois se estima que o incentivo fiscal atrairá mais investidores para a Bolsa, estimulando, assim, novas empresas a abrirem seu capital como forma de se capitalizarem”, observa a advogada Flávia Lubieska N. Kischelewski.

As empresas que já têm suas ações negociadas em Bolsa podem vir a ser beneficiadas também, mas, para tanto, precisam, simultaneamente, participar do segmento do Novo Mercado ou do Bovespa Mais; ter valor de mercado inferior a R$ 700 milhões; possuir receita bruta anual inferior a R$ 500 milhões e ter distribuição primária correspondente a, no mínimo, 67% do volume total de ações de emissão pela companhia. Esse último requisito pode ser alcançado por meio de oferta subsequente de ações.