Filme de Tribunal: “O Juiz” (2014).

Thiago Pacheco

Em “O Juiz” (2014), Robert Downey Jr. – que já havia interpretado o estagiário almofadinha de um criminalista aguerrido e cheio de ideais (“Justiça Cega”, 1989) – encarna um advogado bem sucedido chamado Hank Palmer. Especializado em defender clientes poderosos e culpados perante os tribunais de Chicago, Hank está com o casamento em frangalhos e descobre a traição da esposa poucos dias antes de sua mãe falecer. Originário de uma pequena cidade no interior de Indiana, ele parte para o funeral logo após confrontar amargamente a mulher a respeito de suas infidelidades. 

Chegando à pacata cidadezinha de sua infância, Hank aos poucos encontra os irmãos e colegas de escola, e entra em uma jornada nostálgica para aliviar as dores da perda – quando então descobrimos que o advogado é filho do juiz criminal daquela comarca de Carlinville, o durão Joseph Palmer (interpretado magnificamente por Robert Duvall). Um magistrado “moralizador” à moda antiga, Joseph preside as sessões no pequeno fórum local com rigor paternalista e grande experiência. A relação entre ele e Hank, que é filho “do meio”, é estremecida e distante, desde que ele foi exemplarmente punido pelo pai por uma irresponsabilidade em sua adolescência – mas Hank não consegue deixar de admirar Joseph enquanto o observa trabalhar.

Percebendo o declínio físico causado ao pai pela idade e pelas vicissitudes da vida, especialmente a recente viuvez, Hank nota que o velho Cadillac do juiz apresenta sinais de uma recente colisão. Ele pergunta o que aconteceu, mas Joseph afirma não se lembrar de ter batido o carro. Hank imagina que o pai, alcoólatra em remissão, pode ter voltado a beber – e, ainda magoado pelo castigo sofrido na juventude, se despede jurando nunca mais voltar a Carlinville. Antes que ele embarque de volta para Chicago, no entanto, seu irmão mais velho, Glen (Vincent D’onofrio), consegue avisá-lo: Joseph foi indiciado como suspeito de atropelar e matar um jovem – pior, um jovem que ele havia, no passado, julgado. 

É então que tudo muda: Hank vai lançar mão de sua expertise em casos difíceis para defender o pai – e o julgamento do juiz é muito mais que a decisão de um caso criminal, se tornando uma emocionante jornada de redenção, um reencontro de vocações e o renascimento do amor do filho pelo seu pai. 

Quanto vale uma vida?

Thiago Cantarin Moretti Pacheco

“Valor da Vida” (Worth, 2020) não se passa em tribunais – na verdade, o filme retrata o enorme esforço empreendido por advogados, familiares e companheiros de vítimas do atentado terrorista de 11 de setembro para evitar uma dolorosa ida às cortes.

O advogado e professor universitário Kenneth Feinberg (interpretado magistralmente por Michael Keaton) é escolhido pelo governo americano, logo após o ataque às torres gêmeas, para administrar um fundo de compensação às vítimas do evento. A finalidade do fundo é indenizar os familiares e companheiros das pessoas falecidas no traumático acontecimento – tanto os trabalhadores que estavam no World Trade Center quanto os bombeiros e policiais que morreram tentando salvá-los. O primeiro desafio de Weinberg e sua sócia (também designada para administrar o fundo de compensação) é estabelecer um valor a ser pago para os familiares das vítimas. Qual o critério a ser observado? A família de um zelador que trabalhava no World Trade Center deveria receber o mesmo que os entes queridos de um executivo que ganhava centenas de vezes mais, e assim sustentava sozinho toda a sua família? Como compensar adequadamente cada companheiro, sendo que alguns deles não conseguiam sequer comprovar formalmente os vínculos que os uniam? Como chegar a um critério justo de reparação, diante de situações tão diversas, e expectativas das mais variadas?

Entre as vítimas, há os que não enxergam na reparação monetária algo que possa minimamente “reparar” o que quer que seja – e pessoas que verdadeiramente necessitam da soma para reerguer a própria vida. Há companheiros homossexuais cuja família do falecido se recusa terminantemente a reconhecer a existência da relação. Há líderes e liderados – e desponta no grupo das vítimas a figura de Charles Wolf (Stanley Tucci), que, desde a primeira reunião com os administradores do fundo de reparação, procura ser razoável e apaziguador, mesmo com os ânimos exaltados típicos de semelhante situação. 

Aos poucos, os critérios vão se definindo de maneira mais natural – e Wolf começa a reparar que, mesmo tendo perdido a esposa no atentado terrorista, há algo que é também doloroso na incumbência recebida por Feinberg, especialmente diante da multiplicidade de situações que se apresentam e da necessidade de se obter uma aprovação unânime, entre as vítimas, dos critérios de compensação – do contrário, o assunto só poderá ser resolvido pela via contenciosa. 

“Valor da Vida” toca em temas desconfortáveis e mostra a aparente futilidade das tentativas de se “precificar” a dor humana – no entanto, ao mesmo tempo, como certas circunstâncias, mesmo extremas, podem fazer aflorar nas pessoas a compaixão necessária para amparar o seu semelhante.