
Isadora Boroni Valério
Muito se tem falado nas últimas semanas sobre a Medida Provisória nº 1.040/21 (“MP 1.040/21”) e o seu Projeto de Lei de Conversão (“PLC 15/2021”), aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados. O texto original da MP 1.040/21 dispunha sobre a facilitação para abertura de empresas, a proteção de acionistas minoritários, a facilitação do comércio exterior, o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos, as cobranças realizadas por conselhos profissionais, a profissão de tradutor e intérprete público, a obtenção de eletricidade e a prescrição intercorrente no Código Civil.
Após análise, a Comissão Mista alterou o texto originário e apresentou PLC com capítulo destinado à “desburocratização societária e de atos processuais” que vem sofrendo duras críticas.
À par dos debates acerca do processo legislativo, a inclusão no PLV de temas sequer indiretamente mencionados no texto original da MP foi entendida por juristas e órgãos de classe como inconstitucional. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, por meio da Comissão Especial de Direito Societário, publicou Nota manifestando sua posição acerca do PLC: “Assim, por terem sido inseridas originariamente somente no PLC nº 15/2021 e não terem vínculo de pertinência temática com o que constou originariamente da MP nº 1040/2021, entende-se serem inconstitucionais os arts. 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44 e 57, XXXI, a, b, c, d e e do PLC nº 15/2021”.
Dentre as modificações propostas no Capítulo IX do PLC, a extinção das sociedades simples tem estado sob os holofotes. Conforme o artigo 39 da redação final da PLC 15/2021, datada 06 de agosto de 2021, “A partir da entrada em vigor desta Lei, fica proibida a constituição de sociedade simples”.
Diferentemente das sociedades empresárias, as sociedades simples destinam-se essencialmente ao exercício de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística por seus sócios e corresponde, portanto, a um tipo societário cuja atividade não se enquadra no conceito de atos de comércio. Tais diferenciações, por si só, implicam em divergências procedimentais no registro das sociedades simples e empresárias – as primeiras arquivam seus atos societários nos Registros Civis de Pessoas Jurídicas (RCPJ) e as segundas no Registro Público de Empresas Mercantis (RPEM), a cargo das Juntas Comerciais.
Além disso, tantas outras particularidades cabem à cada tipo societário e que justificam maior reflexão antes da completa extinção de um deles: as sociedades empresárias se submetem à legislação falimentar e as simples não; as simples não estão sujeitas aos severos ônus do regime jurídico empresarial; muitas classes de profissionais liberais possuem legislação específica voltada a regulamentar o exercício das suas atividades; a tributação desses profissionais pode ser excessivamente onerada caso deixem de se enquadrar em regimes específicos.
Embora alguns institutos do direito societário mereçam reformas e a tendência à desburocratização, visando a maior liberdade econômica, liberdade de contratação e melhor adequação da legislação à atual social e econômica, precise ser fortalecida, o método utilizado pelos legisladores para aprovar drásticas mudanças em importantes leis é questionável.
A pretensa desburocratização, se aprovada pelo Senado Federal, demandará profundas alterações em normativas importantes e sólidas do direito brasileiro, como a Lei das Sociedades por Ações (Lei das S/A), Lei de Falências (Lei nº 11.101/2005), cuja reforma foi recentemente finalizada, Código Civil, Código de Processo Civil, sem qualquer debate e discussões prévios, sem a participação da sociedade civil, representada pelas classes atingidas e sem a observância da doutrina e jurisprudência brasileiras.


