
Manuella de Oliveira Moraes
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar em 05/08/2021 um Recurso Extraordinário (RE), com repercussão geral, que discute a constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador em contrato de locação comercial.
O instituto da repercussão geral estabelece o efeito multiplicador permitindo aos ministros formular tese sobre uma matéria e esta decisão ser aplicada em todos os casos semelhantes nas demais instâncias.
Na sessão seguinte (12/08/2021) o julgamento foi suspenso com empate. Até o momento, quatro ministros consideram que não há impedimento para a penhora e outros quatro entendem que essa possibilidade viola o direito à moradia.
Como é sabido o bem de família consiste no único imóvel utilizado pelo casal ou entidade familiar para residência e moradia permanente.
A impenhorabilidade do bem de família, por sua vez, é um direito assegurado para que, caso algum membro da entidade familiar adquira dívidas, o imóvel residencial próprio não possa ser penhorado para quitação destas.
Entretanto, o legislador excetuou essa proteção quando permitiu a constrição nas hipóteses previstas no artigo 3º da lei 8.009/1990, dentre elas, por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Ou seja, diante do inadimplemento do locatário, o fiador responde com seu patrimônio, ainda que seja seu único bem.
Tal previsão, inclusive, foi objeto do Tema 295 do Supremo Tribunal Federal (STF), quando se reconheceu a constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador de contrato de locação, e da Súmula 549 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que dispõe: “É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação”.
Contudo, não houve distinção à época para qual natureza de locação (residencial ou comercial) o entendimento se aplicava.
Esclareça-se que a locação residencial é aquela em que o locatário aluga um imóvel com a finalidade de constituir residência, ou seja, para efetivamente morar. Por conseguinte, a locação não residencial, também conhecida como locação comercial, é aquela que se destina a instalação de um comércio, bem como indústrias, escritórios e demais atividades que não sejam residenciais.
Predominantemente, a jurisprudência vinha se posicionado a favor da aplicação literal do respectivo dispositivo de lei, independentemente da natureza do contrato de locação, no sentido de que a pessoa, ao aceitar a sua condição de fiador, assume espontaneamente o risco de sofrer constrição de seu único imóvel em decorrência desta garantia.
Todavia, ao julgar o RE 605.709/SP, em 2018, a Primeira Turma do STF concluiu pela impossibilidade da penhora do único bem de família do fiador na locação comercial.
Para a relatora do acórdão, ministra Rosa Weber, se o bem de família do próprio locatário na condição de devedor principal não está sujeito a contrição e alienação forçada a fim de satisfazer o inadimplemento decorrente da locação com finalidade comercial, não se pode imputar esse ônus ao fiador deste contrato.
Desde então, observou-se que os entendimentos dos Tribunais divergiam, ora considerando impenhorável o bem de família do fiador de locação comercial, ora admitindo sua penhorabilidade.
Motivo pelo qual, o STF reconheceu a necessidade de resolver a controvérsia sob a sistemática da repercussão geral, visando conferir estabilidade aos pronunciamentos e garantir a aplicação uniforme da Constituição Federal, com previsibilidade aos jurisdicionados.
Neste contexto, a Segunda Seção do STJ também decidiu analisar, sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos, se é possível penhorar bem de família de propriedade do fiador, dado em garantia em contrato de locação comercial.
Muito embora a aparente insegurança jurídica que uma possível alteração de interpretação da legislação possa causar, fato é que o direito é vivo e está em constante movimento para garantir uma aplicação adequada a evolução da sociedade que regula.