As paisagens e retratos de Guido Viaro

Thiago Pacheco

Guido Viaro pode não ter nascido em Curitiba, mas aqui ele se radicou definitivamente, e se tornou paranaense. Viaro é italiano de nascença (Badia Polesine, 1897), e chegou a servir a marinha daquele país na Primeira Guerra Mundial. Veio para o Brasil, onde chegou no final dos anos 20, depois de estudar pintura em viagens pela Europa. Seu plano original era fazer uma parada e tentar ganhar algum dinheiro antes de ir para o México – mas ele acabou ficando. 

Viaro trabalhou com Poty, de Bona e Alfredo Andersen, e, mais adiante, ajudou a fundar a Escola de Música e Belas Artes, lecionando lá desde o ano de sua inauguração.

Suas telas vão de naturezas-mortas a paisagens e retratos, em que há influência expressionista mas um traço de marcada identidade. É tido por alguns críticos como o artista que melhor capturou os panoramas paranaenses – ele costumava retratar tano o litoral quanto o interior, sendo algumas de suas obras mais conhecidas paisagens de Morretes e Guaratuba.  

Os retratos são um espetáculo à parte – fortes e dramáticos, causam uma profunda impressão. 

Entre 1975 e 1995, a Prefeitura de Curitiba manteve um museu em que sua obra podia ser apreciada – com o fechamento, a família do artista reuniu sua obra e criou um museu privado, localizado próximo à Reitoria da UFPR (http://www.museuguidoviaro.com.br/). 


As linhas e passes de Lolô Cornelsen

Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Poucos foram tão versáteis quanto Ayrton Lolô Cornelsen. Arquiteto e Engenheiro, o curitibano formou-se simultaneamente nos dois ofícios, pela Universidade Federal do Paraná. Um dos últimos “modernistas”, as casas que projetou e ainda podem ser vistas nas ruas de Curitiba são facilmente identificadas: linhas retas e fortes, fachadas amplas. Algumas, infelizmente, foram demolidas na calada da noite, ilegalmente, para dar uma curva no tombamento; outras sucumbiram aos humores do mercado imobiliário e deram lugar a obras bem menos interessantes. Um dos exemplos mais conhecidos era a antiga casa do Governador Paulo Pimentel, na alameda Presidente Taunay, no bairro do Batel – até o mural colorido é (ou, desgraçadamente, era) desenhado por Lolô:

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Outras resistiram e foram restauradas, como a Residência Belotti, localizada na Rua Dr. Faivre e hoje ocupada por um restaurante:

Influência do modernismo carioca é marca de Lolô Cornelsen

Mas há muito mais do que casas: Lolô ajudou a projetar a Estrada da Graciosa e a Rodovia do Café, quando esteve no Departamento de Estradas de Rodagem. Desenhou campos de golfe, pistas de automobilismo e estádios de futebol – entre os quais o Pinheirão e o Couto Pereira (este último, um projeto que acabou não sendo construído tal como originalmente concebido). 

Antes de se tornar e notabilizar arquiteto e engenheiro, Lolô jogava futebol. E, acredite, jogou no Coritiba e no Atlético – mas foi no rubro-negro em que atuou por mais tempo e como profissional, tendo se tornado torcedor fanático e até desenhado um dos escudos do clube da Baixada.

Lolô partiu no ano passado – mas deixa uma obra que ainda pode ser apreciada casualmente ao se andar pela cidade, ainda bem.  

Helena Kolody, nossa poetisa maior

Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Nascida há 109 anos no pequeno município de Cruz Machado, filha dos imigrantes ucranianos Vitória e Miguel, Helena Kolody se muda para Rio Negro ainda em sua infância, lá dando continuidade a seus estudos. Ao concluí-los, se torna professora, lecionando por longo período no ginásio e na escola normal, dando aulas no Instituto de Educação de Curitiba e outros estabelecimentos – e se poucos entre gerações de Curitibanos tiveram o privilégio de ser seus alunos, todos nós pudemos desfrutar de sua obra.

A poesia de Helena Kolody é delicada e também sintética. Ela promoveu um encontro de culturas ao se tornar, reconhecidamente, a primeira mulher, no Paraná, a dominar e publicar poemas no formato “haicai”, o poema curto, “rápido e rasteiro” japonês – e foi homenageada pela comunidade nipônica por isso.

A bibliografia de Helena Kolody começa em 1941, com o poema “A Lágrima” publicado em revistas literárias, e o primeiro livro, “Paisagem Interior”. Kolody viria a publicar outros quatorze volumes, além de participar de várias obras coletivas. Admirada por nomes de vulto, como Drummond e Leminski (que se tornaria um amigo próximo), Kolody é eleita para a Academia Paranaense de Letras em 1991. Dona de inúmeros prêmios e condecorações, mais do que merecidos, Helena Kolody, mais do que isso, ocupa um lugar especial no coração do Paraná.   

Nenhuma borracha apagará o que esse Lápis escreveu

Por Dr. Thiago Cantarin Moretti Pacheco

“Lápis” era, por razões que hoje a correção política nos proíbe de contar, o apelido de Palminor Rodrigues Ferreira. O mais novo de 21 filhos, Lápis começou tocando pandeiro na infância, se apresentando no rádio, e logo mudou para o violão, depois de ganhar o instrumento de um de seus irmãos. Sua primeira composição foi “Vestido Branco”, que escreveu aos 18 anos. Depois, veio o conjunto “Bitten 4”, formado nos anos 60, que o parceiro de composições de Lápis, Paulo Vítola, acabou ajudando a levar ao Rio de Janeiro. Essa parceria, aliás, rendeu cerca de 15 canções, entre as quais “Dia de Arlequim”, “Lençol de Flores” e “Roteiro”.

Funcionário dos Correios, Lápis se notabilizou mesmo como o “Rei da Noite” de Curitiba, dado seu gosto pela boemia e pela proximidade com o público.

Uma das últimas realizações de Lápis foi o musical “Funeral para um Rei Negro” – curiosamente premonitório, pois lápis partiu cedo, aos 35 anos, em decorrência de uma insuficiência cardíaca.

Documentário “Lápis, de cor e salteado” – https://www.youtube.com/watch?v=N_GdbBAYyH0

Adoaldo Lenzi – o pouco conhecido parceiro de Poty

Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Poty Lazzarotto dispensa apresentações – mas não podia dispensar o trabalho do artista plástico e vitralista Adoaldo Lenzi. Verdadeiro “braço-direito” de Poty, Lenzi era o executor dos painéis idealizados por Lazzarotto e espalhados pela cidade. Chegado em Curitiba aos 12 anos de idade e vindo de Jaraguá do Sul (SC), Lenzi começou como aprendiz do mestre vitralista João Gener. Em 1970, conheceu Poty Lazarotto, de quem virou parceiro de trabalho. “Poty criava uma pintura e me chamava para estudarmos se era viável transformar em painel a partir de uma demanda. Nós estudávamos juntos e depois eu era o responsável pela obra. Quando acabávamos, dizia ‘Lenzi, hoje nós aprendemos mais um pouco’”.

Lenzi, no entanto, tem uma extensa obra própria em mosaicos e pedra, e em um ramo bastante especializado: vitrais sacros. É de sua autoria, por exemplo, o vitral que retrata o Papa João Paulo II na Igreja de Santo Estanislau, feito em homenagem à visita do Sumo Pontífice a Curitiba em 1980. A obra é constituída de quase 3 mil cacos de vidro em mais de 40 tonalidades, e foi inaugurada em 18 de maio daquele ano, poucos dias antes da visita papal. Lenzi também é responsável pelo maior vitral da américa latina, instalado na Basílica de Caacupê, no Paraguai. Criado em parceria com Osmar Horstmann, o impressionante painel tem 350m², e encanta os peregrinos e visitantes da basílica da padroeira daquele país.

Dalton Trevisan: vampiro e…advogado?

Por Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Ele se tornou parte da paisagem da cidade e de seu folclore; sua imagem, disputada por fotógrafos profissionais e amadores, cujo feito maior era reconhecê-lo em algum de seus passeios pelo centro da cidade, disfarçado por boné e óculos escuros; sua casa, quase um ponto de peregrinação: Dalton Trevisan é patrimônio de Curitiba e um de seus maiores autores.

Tudo isso decorre, é claro, do enorme sucesso da obra de Trevisan: dezenas de prêmios literários e respeito mundial nos círculos da literatura e da crítica, ombreando com Antonio Candido, Otto Maria Carpeaux e Mário de Andrade. O Vampiro encabeçou a publicação da lendária revista “Joaquim” e, tendo a cidade e seus habitantes por inspiração, escreveu contos imortais, traduzidos para vários idiomas. A casa cinzenta e de fachada um tanto desanimada e suja, na esquina da Ubaldino do Amaral esconde um gramado verde e bem cuidado – e um segredo não tão bem guardado assim, mas bastante curioso: o vampiro quase se tornou advogado.

Formado pela UFPR, Trevisan escrevia seus contos desde os tempos de estudante – e, depois de formado, militou por quase 10 anos antes de, felizmente, abandonar o meio jurídico e se dedicar inteiramente ao ofício de escritor. Muito melhor assim: não fomos privados de um dos maiores talentos literários da cidade: talvez tenham perdido os tribunais, mas a vida é feita de escolhas (e renúncias).

A obra do Vampiro é prolífica: constituída em sua maioria de contos, há o romance “A Polaquinha” (1985), o único que escreveu, além de versos esparsos em outros volumes, como “Em busca de Curitiba perdida” (1992). Seu apelido veio de um de seus primeiros livros, “O Vampiro de Curitiba” (1965), e a inspiração na cidade é marca indelével de sua escrita – durante uma trajetória que, torcemos, nunca acabasse, e fosse o Vampiro imortal.  

João Turin, nosso escultor maior

Por Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Nascido em Morretes, em 21 de setembro de 1878, João Turin pode ser considerado o escultor maior paranaense – tão paranaense, aliás, que, junto com o pintor Frederico Lange (o “Lange de Morretes”) e João Ghelfi, criou o “paranismo”, um movimento artístico de forte identidade local.

Antes disso, entretanto, Turin esteve na Europa por longa temporada. Em 1905, desembarca em Bruxelas para estudar, com uma bolsa do Governo do Paraná, na Real Academia de Belas Artes. O périplo europeu de Turin vai até 1922, período durante o qual conviveu com grandes artistas e personalidades, vivendo por um tempo em Paris.

Em sua vasta obra, se destacam as esculturas de animais selvagens e domésticos, que lhe valeram premiações e elogios – sendo exemplos notáveis os bronzes Tigre Esmagando a Cobra, exposta na Av. Manoel Ribas, e Luar do Sertão, no Centro Cívico. A perfeição e expressividade das formas fizeram com que a primeira fosse premiada no Salão Nacional de Belas Artes de 1944. Outros exemplos marcantes são Felino à Espreita e Marumbi, o retrato de um feroz combate entre dois grandes felinos. A forma humana, por sua vez, está representada em trabalhos emblemáticos como as esculturas que retratam o poeta italiano Dante Alighieri; o cacique Guairacá, figura histórica da colonização do Paraná; e Tiradentes, entre outras. Turin deixou também um acervo de cerca de 180 pinturas – embora considerasse essa uma ocupação secundária.

Em breve, com previsão para coincidir com o aniversário da cidade, serão inaugurados definitivamente no Parque São Lourenço o Memorial Paranista e o Jardim de Esculturas. Este último exibirá reproduções em tamanho maior de 15 esculturas do artista, dando a oportunidade aos visitantes de vislumbrar obras importantes como Marumbi, Homem-Pinheiro e Índio Guairacá.

O acervo de João Turin também pode ser visitado virtualmente neste link.

A grande parceria: Blindagem, Paulo Leminski e a nossa Orquestra Sinfônica

Thiago Cantarin Moretti Pacheco

A Blindagem é, inegavelmente, a grande banda de rock paranaense. Na ativa há mais de 40 anos, sobreviveu a alguns períodos de hiato e inclusive à perda do carismático Ivo Rodrigues, o inesquecível frontman dono de uma potente voz e talento para escrever letras – coisa que, no entanto, nem sempre fazia sozinho. A Blindagem mantinha uma parceria com um de nossos poetas maiores, o emblemático Paulo Leminski. Assim é que algumas das mais inesquecíveis canções da banda foram escritas em colaboração com ele, o mestre dos trocadilhos, dos versos curtos e certeiros.

É o caso de “Não Posso Ver”, “Oração de um Suicida”, e “Marinheiro”, presentes em “Rock em Concerto”, espetáculo histórico que reuniu, em 2007, a Blindagem e a Orquestra Sinfônica do Estado do Paraná no palco do Teatro Guaíra. Mais paranaense, impossível.

O encontro de bandas de rock com orquestra sinfônica não é exatamente uma novidade, com uma das primeiras experiências acontecendo ainda em 1969, no famoso “Concerto for Group and Orchestra”, da banda inglesa Deep Purple. “Rock em Concerto”, no entanto, tem um sabor especial, de barreado e pinhão sapecado, com as nuances rurais do rock da Blindagem sendo perfeitamente assimiladas pelos delicados arranjos orquestrais.

“Rock em Concerto” virou disco e DVD, e é uma ótima pedida para essa sexta-feira:

Claudio Seto – O samurai paranaense

Por Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Até quem não conhece Claudio Seto com certeza já passou, ainda que casualmente, por um desenho dele – andando na rua, no tempo não tão distante assim do jornal impresso, em algumas das dezenas de bancas que pregavam os diários em suas portas para que os passantes conferissem as manchetes. Na extinta Tribuna do Paraná, lá estavam os dramáticos desenhos de Seto, ilustrando as notícias policiais para as quais não haviam fotos – ou essas eram pesadas demais. Mas isso é apenas uma pequena, embora fascinante, fração do trabalho de Seto.

Filho de japoneses e descendente de samurais, nascido Chuji Seto Takeguma na localidade paulista de Guaiçara, em 1944, Seto passou seus anos formativos e juventude no Estado vizinho, se radicando em Curitiba mais tarde, quando já era conhecido por introduzir no Brasil o estilo japonês de histórias em quadrinhos conhecido como “mangá”. Chegando aqui, foi trabalhar na Grafipar, uma editora de histórias em quadrinhos de grande circulação no final dos anos 70 e início dos anos 80, onde criou personagens que ficaram famosos, como Kate Apache e Maria Erótica, além de coordenar a equipe de desenhistas da casa.

Mas Seto não era apenas desenhista: escrevia roteiros, incursionou no jornalismo e nas artes plásticas; era profundo conhecedor do folclore japonês, tendo publicado livros em que narra lendas e histórias daquela cultura milenar de onde ele veio. No fim da vida, Seto havia se afastado um pouco do trabalho nos mangás e preferia cultivar bonsais – mas jamais foi esquecido pela comunidade japonesa e por sua legião de admiradores. Nas comemorações do centenário da imigração japonesa, Seto foi merecidamente homenageado. O samurai nos deixaria, tristemente, apenas dois meses depois. No entanto, sua obra viverá para sempre – e sua memória também. Quem desejar conhecer um pouco mais sobre Cláudio Seto pode conferir “O Samurai de Curitiba”, documentário curta-metragem sobre o mestre, ou visitar o Espaço Cultural Claudio Seto, no clube Nikkei, em Curitiba.

Documentário: https://www.imdb.com/title/tt2190365/?ref_=nm_knf_t1

O Paraná em gravura

Por Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Poucos traços sejam talvez tão reconhecíveis e associados ao Paraná que os de Napoleon Potyguara Lazzarotto. Nascido em Curitiba, o filho de italianos começou ajudando o pai, ferroviário aposentado por invalidez, a produzir a partir de sucata reproduções da Santa Ceia, as quais eram vendidas para reforçar o orçamento da família. A mãe, dona Julia, tocava um restaurante que ficava nos fundos da residência da família e ficou conhecido como Vagão do Armistício, onde se servia frango, polenta, risoto e salada de radicchi.

O Interventor Manoel Ribas frequentava o Vagão, e ficou intrigado pelos desenhos feitos por Poty; convencido do talento do jovem, deu a ele uma bolsa de estudos e, em 1942, Poty foi para o Rio de Janeiro estudar na Escola de Belas Artes.

Em 1946, mais um ciclo de estudos, desta vez Paris, onde aprende litografia. Voltando ao Brasil, Poty chegou a morar em São Paulo, onde ensinou gravura e desenho, antes de voltar definitivamente a Curitiba.

E é em Curitiba que se vê os grandes murais que notabilizaram Poty, espalhados pela cidade e feitos com diferentes técnicas. O da fachada do Teatro Guaíra é de relevo em concreto – formas que mudam conforme a luz do dia vai se esvaindo, sombras sempre em movimento.

No Largo da Ordem, a lateral azulejada de velhos edifícios foi ilustrada com cores vivas de cenas da cidade. Você também pode encontrar Poty na Praça 29 de Março, na Praça das Nações, no Palácio Iguaçu, no Aeroporto Afonso Pena – há até um roteiro sugerido pela Secretaria Municipal de Turismo, um trajeto de bicicleta que passa pelas principais obras de Poty espalhadas pela cidade e também pelo Vagão do Armistício, que há muito deixou deixou de ser um restaurante e se tornou um memorial ao artista. Resta escolher um dos raros dias de sol em Curitiba!