
Cassiano Antunes Tavares
A compra e venda de imóveis nem sempre pode ser efetivada desde logo, seja porque o pagamento do preço não é à vista, porque o comprador ainda vai obter recursos, seja porque o imóvel não pode ser entregue fisicamente (o vendedor precisa continuar utilizando-se do imóvel por mais algum tempo ou porque ainda não está construído, por exemplo) ou porque não é possível formalizar documentalmente a transferência da propriedade, pois ainda não está sob a titularidade registral do vendedor. Nestas situações, usualmente utiliza-se a Promessa ou Compromisso de Compra e Venda.
Assim, os promitentes vendedor e comprador se comprometem em concluir o negócio quando ocorrer um evento futuro, normalmente o alinhamento da prestação (entrega da posse e propriedade plenas do imóvel) e a contraprestação (pagamento do preço, mesmo mediante financiamento imobiliário), para, então, formalizarem a escritura pública de compra e venda.
O Código Civil traz relevantes dispositivos práticos, no que se refere ao “Direito do Promitente Comprador”, nos artigos 1.417 e 1.418, que têm as seguintes redações, respectivamente:
“Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.”
Com efeito, depreende-se da leitura conjunta desses dispositivos que, não havendo cláusula que possibilite o arrependimento e pago o preço, o promitente comprador tem direito à aquisição do imóvel, mesmo perante terceiros. E exigindo para si a outorga da escritura pública, se for injustamente recusada, pode socorrer-se do Poder Judiciário para obter sentença que faça as vezes da assinatura do promitente vendedor na celebração da escritura pública definitiva da compra e venda prometida.
Importante pontuar que, não obstante os artigos acima transcritos refiram-se ao registro do compromisso junto a matrícula do imóvel, a Jurisprudência já superou este entendimento relativamente ao exercício desse direito por parte do promitente comprador em relação ao promitente vendedor, conforme a Súmula 239, do Superior Tribunal de Justiça, com o seguinte entendimento: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.”.
De outro lado, para poder exercer esse mesmo direito frente a terceiros, o citado registro é indispensável, pois ele é que dá eficácia contra aqueles que não são parte na promessa de compra e venda.
Tal medida se dá justamente para resguardar o promitente comprador de uma eventual segunda venda que o promitente vendedor efetue, após já ter-lhe prometido a venda do imóvel.
Pois bem, consolidadas essas linhas gerais na esfera judicial, a Lei nº 14.382, de 2.022, incluiu o artigo 216-B na Lei de Registros Públicos, alargando a possibilidade da adjudicação pela via extrajudicial, diretamente no Cartório de Registro de Imóveis ao qual esteja vinculado o bem objeto da medida.
O requerente poderá ser o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, devidamente representado por advogado mediante procuração com poderes específicos.
No âmbito extrajudicial, cujas custas correm por conta do requerente, o requerimento deve ser instruído com:
1) o instrumento de promessa ou cessão ou de sucessão, prova do inadimplemento do promitente vendedor, independentemente de prévio registro, e sem direito de arrependimento ou, havendo, não impedirá a adjudicação compulsória, se o imóvel houver sido objeto de parcelamento do solo urbano (art. 2º da Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979) ou de incorporação imobiliária, com o prazo de carência já decorrido (art. 34 da Lei n. 4.591, de 16 de dezembro de 1964);
2) prova da negativa da celebração do título de transmissão da propriedade plena, por parte do promitente vendedor, 15 (quinze) dias após a sua notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos;
3) ata notarial lavrada por tabelião de notas com a identificação do imóvel, o nome e qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, prova do pagamento do preço e do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade;
4) certidões dos distribuidores forenses da comarca da onde se localiza o imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação;
5) comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).
Ainda, incide no procedimento da adjudicação extrajudicial o regramento do Provimento 150/2023, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo qual:
1) o pedido da adjudicação também pode se fundamentar em promessa ou cessão de permuta;
2) é possível cumular pedidos relativos a imóveis diferentes, desde que adstritos ao mesmo Registro Imobiliário, envolvendo os mesmos requerentes e requeridos, e desde que não interfira no andamento regular do processo;
3) na ata notarial que fundamenta o pedido deve constar que não tem valor de título de propriedade, mas que serve à instrução do pedido de adjudicação extrajudicial e pode ser aproveitada em processo judicial;
4) ainda na ata, a prova da quitação do preço pode ter como objeto a existência de valores depositados em ação de consignação em pagamento, mensagens até mesmo eletrônicas, em que se reconheça a efetuação do pagamento, comprovantes de operação bancária, recibos que se possa confirmar a autoria, bem como outros fatos e documentos;
5) no caso de existência de ação judicial de adjudicação compulsória, a via extrajudicial é possível se demonstrada suspensão por, no mínimo, 90 (noventa) dias úteis.
Quanto ao trâmite do procedimento em si, o interessado apresentará o pedido para protocolo junto ao Registro de Imóveis respectivo, que ensejará sua prenotação até o deferimento ou rejeição do pedido, sendo passível de notificação inicial para emenda em 10 (dez) dias úteis, caso não estejam cumpridos os requisitos do Código Nacional de Normas.
Preenchidos os requisitos do pedido, o requerido é notificado para anuir à transmissão pretendida (que poderá ocorrer a qualquer tempo) ou impugnar o pedido por escrito com razões e documentos, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, sendo que o silêncio poderá implicar na presunção de veracidade da alegação de que inadimpliu com a promessa/cessão. Havendo impugnação o requerente será intimado para apresentar sua réplica em 10 (dez) dias úteis.
Antes de apreciar a impugnação, o Oficial do Registro de Imóveis poderá instaurar a conciliação ou mediação dos interessados.
Rejeitada a impugnação, o requerido poderá recorrer e o requerente, então, será notificado a se manifestar, cada qual no prazo de 10 (dez) úteis; ou, acolhida a impugnação ao pedido, o requerente será intimado a se manifestar também no mesmo prazo. A contrariedade de qualquer das partes quanto a decisão sobre a impugnação do pedido será remetida ao Juízo competente. Se o requerente não se insurgir contra o acolhimento da impugnação ou esta for confirmada pelo Juízo, o processo será extinto e cancelada a prenotação. Caso contrário, se o acolhimento da impugnação for reformado, o Juízo determinará a retomada do processo no registro de Imóveis.
Havendo anuência por parte do requerido com a transmissão da propriedade, inexistindo impugnação ao pedido inicial, ou se rechaçada (em qualquer das hipóteses acima), o Oficial do Registro de Imóveis expedirá nota devolutiva para que sejam supridas exigências ainda faltantes; ou deferirá ou rejeitará o pedido de modo fundamentado. Desta apreciação cabe dúvida ao Juízo competente.
Como se constata, este procedimento é uma salutar medida para desafogar o Judiciário de demandas mais simples e objetivas, e está de acordo com os parâmetros que se almeja para a sociedade atual, visando a desburocratização e celeridade, no que se chama de desjudicialização (alguns preferem o termo extrajudicialização) do Direito, mais ainda porque não traz prejuízo a qualquer das partes envolvidas, e, por óbvio, permanece a possibilidade de se optar pelo ingresso perante o Poder Judiciário para este mesmo procedimento, se assim livremente preferirem, como ocorre também com o Inventário (até mesmo quando há testamento), Divórcio, Usucapião, etc.