Como evitar ilícitos concorrenciais através de programas de compliance

A proteção do ambiente concorrencial no Brasil tem se intensificado nas últimas duas décadas, porém, apesar disso, nem todas as empresas compreendem quais de seus atos podem ser danosos ao mercado e, por conseguinte, impactar suas atuações e seu caixa.

Nesse contexto, a utilização de programas de compliance, que estimulam as empresas ao cumprimento da lei e de políticas internas, bem como incentivam denúncias de irregularidades e aplicação efetiva de um Código de Ética pode perfeitamente se encaixar à área concorrencial, visto que objetiva conscientizar sócios, executivos e colaboradores das empresas, incluindo departamentos sensíveis, como por exemplo, o comercial, sobre os riscos decorrentes da Lei nº 12.529/2011, que disciplina as infrações à ordem econômica.

Por meio de ações que mitigam riscos, é possível evitar as severas punições pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Assim, antes de se escolher as medidas de compliance a serem estabelecidas internamente, é preciso considerar que o controle feito pelo órgão antitruste pode, sucintamente, ocorrer em duas esferas: na análise das condutas e na análise das estruturas.

A primeira delas é a mais delicada, pois nem sempre o empresário tem ciência de que através de sua conduta está cometendo um ilícito. A atuação do Cade pode decorrer, por exemplo, das seguintes práticas: política de descontos, venda casada, acordos de exclusividade com o distribuidor, tabelamento de preços, formação de cartel, dentre outras. Essas ações são sancionadas quando a empresa puder, em função de seu porte e presença, influenciar negativamente o mercado.

O objetivo do programa de compliance, nesse caso, será o de evitar que qualquer setor da atividade empresarial cometa um ato danoso à concorrência; porém, ainda que já exista um descumprimento legal em curso, procurará identificar a melhor forma de mitigar as consequências ou saná-lo com o menor prejuízo possível à imagem e à saúde financeira do negócio.

Se, por exemplo, há um cartel estabelecido, o programa de compliance não apenas apontará os riscos oriundos das sanções administrativas em decorrência da instabilidade do conluio, mas, também, irá quantificá-lo e propor novas condutas internas. Eventualmente, a melhor opção para enquadrar a atividade empresária na legislação concorrencial serácelebrar um acordo de leniência, uma espécie de delação premiada, que diminui a pena daquele que denuncia o esquema danoso e colabora ativamente com as investigações.

A segunda conduta controlada pelo Cade é relativa à análise das estruturas e refere-se às fusões, aquisições, incorporações ou outros atos associativos que possam resultar em concentração de mercado, acarretando abuso concorrencial em razão de posição dominante, desde que enquadráveis nos parâmetros legais (operações nas quais ao menos um grupo tenha faturamento bruto maior que R$ 750 milhões).

Com relação a esse tipo de apreciação, um programa de compliance será capaz de identificar quais operações devem ser submetidas ao órgão concorrencial antes da sua consumação evitando a aplicação de multa pelo atraso na apresentação do ato ao Cade, que varia de R$ 60 mil a R$ 60 milhões de reais, ou até mesmo a declaração, pelo Cade, da nulidade do ato de concentração.

Além de ser altamente recomendável implantar programas internos de compliance, é conveniente que os empresários acompanhem as novidades legislativas que atingem suas atividades, como a possibilidade de contribuir, em sede de consulta pública, para a redação da minuta de Resolução que disciplinará a possibilidade de consultas prévias ao Tribunal Administrativo do órgão antitruste. O objetivo dessa Resolução é possibilitar aos interessados solicitarem, antecipadamente, o posicionamento do Tribunal sobre a aplicação da legislação concorrencial em relação a hipóteses de fato específicas.

Se antes muitas empresas já se preocupavam, ainda que de forma elementar, com a legislação antitruste, agora é mister que o investimento em ações preventivas seja intensificado, aliando os mecanismos tradicionais de compliance ao compliance concorrencial. Os investimentos nesse sentido certamente serão compensados pela eliminação de eventuais passivos na sociedade.

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