Dissolução parcial: marco para apuração de haveres é a data da manifesta vontade do sócio de se retirar da sociedade

Por Isadora Boroni Valério

É direito do sócio o de se retirar da sociedade por prazo indeterminado e de ter seus haveres apurados e pagos, desde que comunique os demais sócios com 60 dias de antecedência (arts. 1.029 e 1.031, do Código Civil). O problema quanto à dissolução parcial da sociedade surge quando há divergência entre os sócios quanto ao momento em que se considera dissolvida parcialmente a sociedade para fins de apuração de haveres e/ou quanto a forma da apuração.

No que diz respeito ao momento da resolução da sociedade, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu recentemente (REsp 1.403.947/MG, julgado em 17/04/2018) que “3. Quando o direito de retirada é exteriorizado por meio de notificação extrajudicial, a apuração de haveres tem como data-base o recebimento do ato pela empresa”.

Isto porque, embora o Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15) preveja expressamente no art. 605, inciso II, que a data da resolução da sociedade, na retirada imotivada, é o 60º dia seguinte ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante, é importante destacar que a manifestação de vontade do sócio pode ser exteriorizada judicial ou extrajudicialmente. E esta manifestação, de acordo com o voto do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, “balizará o termo fixado para fins de apuração de haveres”.

No caso concreto, o acórdão atacado destoava da jurisprudência do STJ porque fixava como marco temporal para a apuração dos haveres do sócio retirante a data da prolação da sentença que lhe reconhece o direito de afastamento.

A reforma da decisão, portanto, é extremamente importante, porque não deixa dúvidas de que quando a manifestação exteriorizada pelo sócio retirante se dá pela via extrajudicial, deve-se considerar o 60º dia após o recebimento da notificação pela sociedade como marco para a resolução da sociedade em relação a ele.

Quando, porém, a manifestação se dá pela via judicial, com a propositura da ação de dissolução parcial, a sentença desta ação tem caráter declaratório, gerando efeitos retroativos (ex tunc), de modo que o marco passa a ser a data da propositura da ação dissolução parcial (respeitado o prazo de 60 dias previsto nos arts. 1.029, Código Civil, e 605, II, do CPC/15) e não o da sentença proferida.

Quando se estabelece que a retirada do sócio na sociedade limitada, por tempo indeterminado, ocorre no momento em que ele manifesta à sociedade a vontade de retirar-se, seja ela extrajudicial ou judicial, se evita o aprisionamento do retirante à sociedade até o trânsito em julgado da ação, o que lhe acarretaria responsabilidades contratuais, trabalhistas e tributárias, e nem se impõe ônus à empresa, que teria que repartir seus lucros e convocar o sócio para participar de todas as deliberações sociais até o trânsito em julgado de eventual ação.

STJ dispensa citação de todos os acionistas em ação de dissolução parcial

A advogada Isadora Boroni Valerio atua no setor tributário do Prolik.

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento, em 25 de novembro, a recurso especial que requeria a citação de todos os sócios de uma sociedade anônima fechada em ação de dissolução parcial da sociedade, alegando que a legitimidade passiva, na realidade, é da empresa, e não dos demais acionistas.

Dessa forma, fica dispensada a citação dos demais sócios em ações de dissolução parcial de sociedades desta mesma natureza jurídica, não apenas em razão da finalidade pecuniária do vínculo social, mas principalmente por não possuírem legitimidade passiva no processo.

Os recorrentes afirmavam que, do mesmo modo que em casos de dissolução total exige-se a presença de todos os sócios como litisconsortes passivos necessários – entendimento já firmado pelo STJ –, isso deveria valer para as dissoluções parciais, suscitando na ineficácia das sentenças desfavoráveis proferidas anteriormente no primeiro e segundo grau de jurisdição.

Entretanto, a Corte entendeu que, nos casos de dissolução parcial, por atingirem apenas alguns dos sócios da empresa, a legitimidade passiva seria da empresa, não havendo litisconsórcio necessário com todos os acionistas. Conforme a decisão, a regra é diversa nos dois casos pois no segundo não há a necessidade de averiguar se algum dos sócios ainda objetiva a manutenção da empresa, o que excluiria a aplicação da dissolução total.

Para a advogada Isadora Boroni Valério, a decisão é acertada à medida que reconhece as especificidades de aplicação da legislação processual em razão da natureza jurídica da empresa, não introduzindo na lide desnecessariamente os demais acionistas da sociedade, vinculados ao acionista retirante apenas pecuniariamente.

Além disso, a referência da decisão ao “resultado útil do processo” é oportuna pois reconhece os limites do objetivo da ação, não havendo qualquer prejuízo em seu resultado na não inclusão de litisconsortes, em realidade, facultativos.

S.A. de capital aberto que opera como limitada pode sofrer dissolução parcial

A advogada Flávia Lubieska Kischelewski atua no setor societário do Prolik.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve, na íntegra, decisão que acolheu o pedido de dissolução parcial movido por sócio minoritário contra sociedade anônima de capital aberto, com base em quebra da afeição entre os sócios (affectio societatis). A decisão se pautou no fato de a sociedade operar como se de capital fechado fosse, uma vez que suas ações se mantêm eternamente ilíquidas, havendo, ainda, características de vínculo pessoal entre os acionistas.

Neste caso, no curso do processo, foi provada a existência de um quadro societário sem dispersão, estando o direito de voto concentrado em um único acionista. Ademais, era elevado o grau de iliquidez das ações, não se registrando nenhuma venda nos últimos três anos e, quando houve algumas poucas alienações de ações, elas estavam ligadas apenas a indivíduos de um mesmo grupo familiar ou empresarial. Essas circunstâncias ensejaram, entre outros aspectos, uma situação em que o acionista não recebia dividendos, nem juros sobre capital próprio.

Assim, apesar de caracterizada como companhia aberta, restou claro o caráter fechado e pessoal, intrínseco às sociedades limitadas, o que levaria à possibilidade da dissolução parcial.

Para a advogada Flávia Lubieska N. Kischelewski, este precedente é um marco, por se referir a uma companhia de capital aberto, embora siga a mesma linha de entendimento que se vem, reiteradamente, adotando para as sociedades anônimas de capital fechado com características de sociedade de pessoas.

Julgados semelhantes permitem a acionistas minoritários se desvincularem de sociedades anônimas em razão de conflitos pessoais com outros acionistas. Em casos como o apresentado, é comum o acionista ficar “amarrado” à empresa, sem poder, por exemplo, exercer o direito de recebimento dos resultados da sociedade, nem recuperar o investimento realizado.