Por Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Thiago Cantarin Moretti Pacheco
No apagar das luzes do ano passado, o governo federal editou a medida provisória n. 764, que autoriza “a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público, em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado”. A iniciativa, ao que tudo indica, tem por objetivo fomentar a atividade econômica, possibilitando ao comércio, por exemplo, a prática de preços mais atrativos para pagamentos à vista e condições correlatas. O assunto já havia sido enfrentado pelo STJ em julgamento proferido em 1999, assim ementado:
“VENDAS COM CARTÃO DE CRÉDITO – PREÇOS SUPERIORES AOS PRATICADOS À VISTA – ABUSO DO PODER ECONÔMICO – AUSÊNCIA – INICIATIVA PRIVADA.
O Estado exerce suas funções de fiscalização e planejamento, sendo este apenas indicativo para o setor privado. Não configura abuso do poder econômico a venda de mercadoria no cartão de crédito a preços superiores aos praticados à vista. Recurso improvido” (REsp n. 229.586).
O principal fundamento da decisão do STJ – proferida há quase vinte anos – era o de ausência de uma lei que proibisse a cobrança de preços diferentes pelo mesmo produto, a depender da forma de pagamento. O acórdão recorrido, na hipótese enfrentada pelo tribunal, observava que “a venda feita a vista é a que é efetuada em moeda corrente, distinta, portanto, da que é feita no cartão de crédito”, concluindo que a cobrança de preços diferentes para cada modalidade de pagamento não consubstancia abuso de poder econômico, já que, nas vendas a crédito, “o pagamento somente sói ocorrer após a fluência de um prazo de, no mínimo, trinta dias”. A atestar o quanto a decisão é datada (embora sua conclusão permaneça atual), falava-se ainda em “ausência de lei que referende a exigência da SUNAB”, órgão de fiscalização já extinto. Embora o Código de Defesa do Consumidor estivesse em vigor há quase dez anos, não é mencionado no acórdão – que também não cita a regra mais habitualmente invocada para se sustentar que a prática seria proibida, a portaria n. 118/94 do Ministério da Fazenda.
Editada em plena implantação do Plano Real, a portaria determinava que deixava de ser obrigatório expressar valores em carnês, faturas e duplicatas com a expressão “cruzeiro”, devendo ser adotada a URV – Unidade Real de Valor. A disposição valia também para “faturas emitidas por empresas administradoras de cartões de crédito”, prevendo-se, na sequência, que “não poderá haver diferença de preços entre transações efetuadas com uso do cartão de crédito e as que são em cheque ou dinheiro”. Os cheques caíram em desuso bastante tempo depois da URV – entretanto, não deixa de ser curioso que sejam equiparados pela portaria a “pagamento à vista” quando uma de suas mais conhecidas utilizações era na modalidade “pré-datado”, para parcelamento de débitos.
Seja como for, a medida provisória põe abaixo qualquer dúvida que possa surgir sobre a licitude da cobrança de preços diferentes – seja porque não há disposição expressa sobre o assunto no Código de Defesa do Consumidor, seja porque a portaria n. 118/94 nunca foi revogada. Isso não afasta, é claro, a vedação a eventuais práticas abusivas, já que o Código de Defesa do Consumidor contém vedação geral à exigência, pelo fornecedor, de “vantagem manifestamente excessiva” (art. 39, V) e outras condutas consideradas ilegais.