Michelle Heloise Akel
Foi publicado, no dia 30 de outubro, o Decreto Municipal nº 1.705 que revoga o Decreto Municipal nº 676/2018. Para melhor contextualizar, o Decreto nº 676/2018 havia instituído a Declaração de Deduções Eletrônica no âmbito do Sistema Eletrônico de Gestão do Imposto Sobre Serviços (ISS Curitiba), definindo procedimentos para dedução materiais nos serviços dos subitens 7.02 e 7.05, do Anexo I, da Lei Complementar Municipal Nº 40/2001, ou seja, nos serviços de construção civil e afins.
Além de extinguir a Declaração de Deduções Eletrônicas (DDE), no âmbito do Sistema Eletrônico de Gestão do Imposto Sobre Serviços – ISS Curitiba, nos termos da nova regulamentação, para fins de determinação da base de cálculo do Imposto Sobre Serviços (ISS), somente serão aceitas as deduções de materiais fornecidos pelo prestador de serviços previstos, nos subitens 7.02 e 7.05 da Lista de Serviços, por ele próprio produzidos fora do local da prestação, agregados de forma permanente à obra e que tenham sido sujeitos ao recolhimento do ICMS.
Os contribuintes que se enquadrarem nessa hipótese deverão solicitar a liberação da dedução por meio de protocolo no Processo Eletrônico de Curitiba – PROCEC.
Em termos concretos, assim, passaram a estar vedadas as exclusões dos valores dos materiais fornecidos pelos prestadores, produzidos no local da obra ou adquiridos de terceiros (hipótese mais comum), da base de cálculo do ISS, a partir da publicação do decreto.
A nova regulamentação, tal como havia se dado com a edição do Decreto nº 676/2018, decorre de recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, tratando da matéria.
A propósito, o entendimento dos tribunais quanto à dedutibilidade de materiais da base de cálculo do ISS, nos serviços de construção civil e afins, mais parece a ária do terceiro ato da ópera Rigoletto: È mobile qual piuma al vento; volúvel como uma pluma ao vento…
Até 2010, o entendimento que prevalecia no Superior Tribunal de Justiça e perante o Tribunal de Justiça de Estado do Paraná era na linha de restringir a exclusão dos materiais empregados nos serviços de construção civil e afins da base de cálculo do ISS.
Em 2010, ainda que sob a égide do Decreto-lei 406/68, a discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal e, no âmbito do Recurso Extraordinário (RE) nº 603.497, à época de relatoria da ministra Ellen Gracie, foi proferida decisão dando provimento ao recurso do contribuinte para restabelecer sentença, permitindo à empresa deduzir da base de cálculo os valores dos materiais usados para concretagem. Foi reconhecida Repercussão Geral para fixar a tese (Tema 247) nos seguintes moldes: “O art. 9º, § 2º, do DL nº 406/1968 foi recepcionado pela ordem jurídica inaugurada pela Constituição de 1988”.
Nessa mesma esteira foram proferidas diversas outras decisões pelo STF, confirmando a possibilidade e legalidade da exclusão do valor dos materiais da base de cálculo do ISS. A exemplo, tivemos decisão monocrática proferida pelo então Min. Joaquim Barbosa, no AI nº. 720.338, de 13.02.2009, que foi preciso ao apontar que o art. 9, do Decreto-lei nº 406/68 (sucedido pelo art. 7º, da LC 116/03) cuida da base de cálculo do ISS. E, mais, foi além ao dar provimento ao Agravo de Instrumento para convertê-lo em Recurso Extraordinário, a fim de reconhecer a possibilidade de dedução do valor dos materiais empregados na prestação de serviços de construção civil e afins, da base de cálculo do ISS, reformando julgado anterior proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (no Recurso Especial nº. 968.051), que havia rechaçado a dedução.
Na mesma linha, existem outros casos como o RE nº. 575.684, de relatoria do Min. Cezar Peluso, e o RE nº. 602.618, de relatoria do Min. Celso De Mello, de 31.08.2009, os quais reformaram julgamentos anteriormente prolatado pelo STJ.
Nesse cenário, vimos a jurisprudência do STJ se ajustar para expressar o entendimento da Corte Suprema quanto à dedutibilidade dos materiais da base de cálculo do ISS, seja produzidos no local da obra, seja adquiridos de terceiros e fornecidos pelo prestador (podemos citar o Recurso Especial nº 1.000.099 – RS, relatoria Min. Teori Albino Zavascki, de 15/08/2011; AgRg no Recurso Especial Nº 1.228.175 – MG, de relatoria Min. Humberto Martins, 13/06/2011). E, em virtude de tais orientações as próprias administrações tributárias passaram a acolher a dedução do valor dos materiais, tendo daí decorrido, por exemplo, a edição do antigo Decreto nº 676/2018.
Contudo, viríamos novos capítulos na seara do Recurso Extraordinário (RE) nº 603.497. Em 2020, nesse momento, sob a relatoria da Min. Rosa Weber, ao analisar o Agravo Interno manejado pelo Município de Betim, contra decisão monocrática da Ministra Ellen Gracie, antes mencionada em que fora dado provimento ao recurso extraordinário de uma empresa concreteira, foi dado parcial provimento para, reafirmar a tese da recepção do art. 9º, § 2º, do DL 406/1968 pela Carta de 1988, porém, assentando que sua aplicação ao caso em discussão não ensejaria reforma do acórdão do STJ, uma vez que aquela Corte Superior teria realizado a análise (rememore-se pela restrição à dedutibilidade) dentro do espectro de sua competência de exame infraconstitucional. E, nos termos do acórdão, “sem negar a premissa da recepção do referido dispositivo legal [o art. 9º, do Decreto-lei nº 406/68], limitou-se a fixar-lhe o respectivo alcance”.
Em 2022, agora sob relatoria do min. Luiz Fux, o mesmo posicionamento foi ratificado, em embargos de declaração opostos pela empresa.
Diante desse panorama, com decisões da 1ª e 2ª Turmas do STJ, retomou-se o posicionamento anterior e restritivo da interpretação do art. 9º, §2º, alínea “a”, do Decreto-lei nº 406/1968, no sentido de que somente seria passível de exclusão da base de cálculo as “mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços fora do local da execução do trabalho, que ficam sujeitas ao ICMS“, remetendo-se à parte final da redação do item 19 e 20 da Lista de Serviços.
Não obstante tenhamos decisões das duas turmas do STJ, a matéria não foi decidida sob o rito dos recursos repetitivos.
No nosso entendimento, há um equívoco evidente na interpretação. Há uma confusão com a extensão e aplicação da parte final dos itens da Lista de Serviços, que tratam da própria incidência do ISS, com o art. 9º, do Decreto-lei nº 406/1968, e o art. 7º, da LC 116/03, que cuidam da base de cálculo do ISS.
A Lista de Serviços do ISS, em verdade, define a própria incidência do imposto. Tem o papel, assim, de descrever os serviços que estão no campo de incidência. Nessa ótica, o item 19, da Lista do Decreto-lei nº 406/1968, previa estar no campo de incidência do imposto municipal a “execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras semelhantes, inclusive serviços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que ficam sujeitas ao ICM)”. Ou seja, ao pontar a exceção, deixava claro que estava fora do espectro de incidência da tributação “o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS”, porque, evidentemente, estranha à prestação de serviços.
Por outro lado, o art. 9º, §2º, “a”, do Decreto-lei 406/1968, assim como o art. 7º, da LC 116/03, disciplinam a base de cálculo do imposto, dispondo expressamente que não se incluem nela o valor dos “materiais fornecidos” pelo prestador dos serviços de construção civil e afins. Ora, somente se exclui da base de cálculo do ISS o que está no campo da sua incidência, de modo que nos parece claro que o contido no art. 9º, do Decreto-lei 406/1968, e no art. 7º, da LC 116/2003, não poderiam sequer estar a se referir aos materiais “produzidos” pelo prestador fora do local da obra e sujeitos à tributação pelo ICMS, os quais estão fora do espectro de incidência.
Voltando ao Decreto nº 1.705/1004, em termos concretos o que se tem é que, a partir de 1º de novembro de 2024, as construtoras de obras e afins, relativamente a serviços previstos nos subitens 7.02 e 7.05, da Lista de Serviços do ISS, prestados em Curitiba, não poderão deduzir os valores dos materiais produzidos no próprio local da obra e/ou adquiridos de terceiros da base de cálculo do ISS. E, nesse passo, não haverá outra alternativa aos prestadores a não ser repassar o aumento da carga tributária no valor do serviço, o que deve implicar na majoração de 2% a 3%.
Não se pode perder de vista, ainda, que essa situação traz distorções entre as modalidades de prestação de serviços de construção civil e afins, eis que o prestador que executar o serviço por meio de empreitada de labor (sem o fornecimento de materiais) sofrerá tributação minorada em relação ao prestador que fornece materiais usados na obra.
Importante que o Município de Curitiba siga, assim, o exemplo de Porto Alegre que, atento a todo o cenário, reduziu a alíquota do ISS para os serviços previstos nos subitens 7.02 e 7.05 da Lista de Serviços, de 4% para 2,5%.