
Janaina Baggio
A Lei nº 14.375/2002 introduziu relevantes alterações na transação tributária dos débitos tributários federais, dentre elas, a extensão do programa aos débitos em fase de contencioso administrativo perante a Receita Federal do Brasil – RFB (confira nosso texto anterior). Essa alteração é objeto específico da Portaria RFB nº 208, publicada em 12/08/22, com início de vigência a partir de 1º/09/22.
Em uma visão geral, observa-se que a sistemática perante a RFB seguirá muitos dos critérios recém estabelecidos para os débitos administrados pela PGFN, cuja regulamentação é objeto da Portaria PGFN nº 6.757/22.
Para efeito de interpretação, a regulamentação traz o conceito de “contencioso administrativo fiscal”, como sendo a fase em que se encontra pendente o exame de impugnação, de recurso, petição ou de reclamação administrativa, ou seja, das petições e recursos previstos na legislação que rege o processo administrativo-fiscal federal (Decreto nº 70.235/72; Decreto nº 7.574/11 e Lei nº 9.784/99)
Inicialmente, aplicam-se aos débitos perante a RFB todas as modalidades de transação atualmente previstas, a saber: a) por adesão; b) individual proposta pela Administração; c) individual proposta pelo contribuinte e; d) transação individual simplificada, disponível a partir de 1º/01/23.
Os principais critérios estabelecidos, considerando a previsão legal e a recente regulamentação, podem ser assim resumidos:
(1) para pessoas jurídicas em geral, o percentual máximo de redução do valor total dos créditos a serem transacionados é de 65%, sendo de 120 meses o número máximo de prestações permitido, não sendo autorizada a redução do montante principal do crédito tributário;
(2) na transação que envolva pessoa natural, inclusive microempreendedor individual, microempresa ou empresa de pequeno porte, Santas Casas de Misericórdia, sociedades cooperativas, instituições de ensino e demais organizações da sociedade civil de que trata a Lei nº 13.019/14, a redução máxima é de 70%, permitido o parcelamento em até 145 meses;
(3) quando se tratar de débitos de natureza previdenciária, o parcelamento fica limitado a no máximo 60 meses;
(4) a transação individual comum (por proposta da Administração ou do contribuinte), é cabível para débitos objeto de contencioso administrativo fiscal com valor superior a R$ 10 milhões;
(5) a RFB também disponibilizará a transação individual simplificada, aplicável para débitos incluídos na faixa entre R$ 1 milhão e R$ 10 milhões. Essa modalidade, criada a partir da Portaria PGFN nº 6.757/22 e, agora, replicada na regulamentação da RFB, caracteriza-se por envolver procedimento mais simples que o da modalidade individual comum e será formalizada via sistema e-CAC;
(6) dentre as obrigações previstas, chama a atenção o compromisso que o contribuinte deve assumir, em quaisquer das modalidades de transação, de autorizar a compensação, no momento da efetiva disponibilização financeira, de valores relativos a precatórios federais de que seja credor, bem como de valores relativos a restituições, ressarcimentos ou reembolsos reconhecidos pela RFB, com prestações do acordo firmado (vencidas ou vincendas);
(7) também no rol de obrigações, consta a necessidade de o contribuinte aderir ao Domicílio Tributário Eletrônico e desistir das impugnações ou dos recursos administrativos interpostos, no que se refere aos débitos incluídos na transação;
(8) a possibilidade de utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL, próprios ou de titularidade do responsável tributário, da pessoa jurídica controladora ou controlada, ou de sociedades que sejam controladas direta ou indiretamente por uma mesma pessoa jurídica, até o limite de 70% do saldo remanescente após a incidência dos descontos, cabível para as transações por adesão e individual. Além disso, os créditos poderão ser utilizados para amortizar tanto o valor principal do crédito tributário, como as multas e juros;
(9) possibilidade de migrar débitos que se encontrem em programas de parcelamentos anteriores em situação regular, com manutenção dos benefícios em relação às parcelas vencidas e liquidadas, ficando os descontos da transação limitados ao saldo remanescente da negociação anterior;
(10) o contribuinte pode apresentar Pedido de Revisão quanto à capacidade de pagamento, dispondo de um prazo de 30 dias para protocolar o requerimento via e-CAC, contados a partir da data em que tiver ciência dos critérios utilizados na mensuração feita pela RFB;
(11) é permitido o uso de créditos líquidos e certos em desfavor da União, reconhecidos por decisão judicial transitada em julgado, bem como de precatórios federais (próprios ou de terceiros), para amortizar ou liquidar saldo devedor transacionado.
Necessário considerar que os descontos possíveis de serem concedidos variam de acordo com o grau de irrecuperabilidade para o crédito tributário, definido segundo os critérios fixados na Portaria que leva em conta, dentre outros, a situação econômica e capacidade de pagamento do contribuinte, a temporalidade do crédito tributário, a existência ou não de garantias, a perspectiva de êxito das estratégias administrativas de cobrança, o histórico de parcelamentos e o custo da cobrança administrativa.
Merece destaque o fato de a regulamentação da RFB se apresentar mais flexível que a da PGFN, no que diz respeito ao uso de créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL. Embora a portaria preveja a utilização a “exclusivo critério da RFB”, não a restringe apenas aos créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação, como ocorre na PGFN. No que tange às modalidades aplicáveis, prevê expressamente a possibilidade quando se tratar de transação por adesão ou individual, sendo, neste ponto, mais benéfica que a regulamentação da PGFN, que deixou de fora as transações por adesão. Além disso, a amortização pode recair sobre principal, multa e juros.
Como a portaria teve seu início de vigência previsto para 1º de janeiro de 2023, para a transação individual simplificada e para o início do mês de setembro, para a transação por adesão e individual comum, por enquanto não há opções de negociação disponíveis, nem prazos para adesão em curso, mas as notícias informam a possibilidade de que, em breve, seja publicado edital de transação por adesão, para débitos em contencioso administrativo no valor de até 60 (sessenta) salários mínimos.
Para outras informações, a equipe de Prolik Advogados está à disposição dos seus clientes.