
Mariana Elisa Sachet Azeredo
Supremo Tribunal Federal irá julgar, em breve, a constitucionalidade da chamada CIDE-Royalties e/ou CIDE-Remessas, instituída pela Lei nº 10.168/2000 e alterada, logo em seguida, pela Lei nº 10.332/2001. O julgamento em repercussão geral estava previsto para o dia 18 de maio, mas acabou sendo retirado de pauta, sem previsão de retorno.
A CIDE (contribuição de intervenção no domínio econômico) está prevista na Constituição Federal, em seu art. 149, e tem como objetivo a intervenção do Estado com o intuito de corrigir alguma distorção na ordem econômica, ou seja, estimular o desenvolvimento de determinado setor da economia nacional.
São requisitos para a cobrança da CIDE, em síntese, a necessidade de intervenção estatal em um setor econômico (exercido pela iniciativa privada); a existência de relação direta entre o contribuinte e o propósito da intervenção; a destinação dos recursos para a sua finalidade, ou seja, o produto arrecadado com a contribuição deve ser aplicado à atividade interventiva; e o sujeito passivo deve ser aquele que atua no campo econômico que sofrerá a intervenção do Estado.
A CIDE-Royalties foi, inicialmente, instituída com a finalidade de financiar o “Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação”, objetivando estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo.
De acordo com a redação original da Lei nº 10.168/2000, a contribuição seria devida pela pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia (exploração de patentes ou uso de marcas e fornecimento de tecnologia), firmados com residentes e domiciliados no exterior.
Com as alterações promovidas pela Lei nº 10.332/2001, a contribuição passou a ser devida, também, pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos de serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes, prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem como pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, também a residentes ou domiciliados no exterior.
A CIDE foi instituída, portanto, com o objetivo de fomentar o setor da tecnologia nacional, passando o Estado a cobrar de quem consome tecnologia importada.
No entanto, a referida contribuição é inconstitucional, o que levou vários contribuintes ao Poder Judiciário em busca do reconhecimento da sua inexigibilidade, cabendo, agora, ao Supremo Tribunal Federal definir se pode ou não ser cobrada.
A primeira inconstitucionalidade está ainda na redação original da Lei nº 10.168/2000, pois a contribuição foi instituída para corrigir distorções de uma atividade (tecnologia) quando já há previsão constitucional determinando que cabe ao Estado o financiamento do seu desenvolvimento. De acordo com o art. 218 da CF/88, cabe ao Estado a promoção e o incentivo do desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação. E, sendo tais atividades sociais e não econômicas, o seu investimento deve advir do próprio Estado, com a utilização de recursos próprios, arrecadados através dos impostos, e não de uma contribuição interventiva.
Outro vício na cobrança da contribuição está no desvio da finalidade para a qual esta foi instituída, pois os recursos obtidos possuem destinação diversa da tecnologia. De acordo com a Lei nº 10.168/2000, 60% do fruto da arrecadação é destinado ao agronegócio, à saúde, ao genoma, ao setor aeronáutico e à inovação para competitividade. Os outros 40% são alocados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT em programa denominado CT-Verde Amarelo.
O que se vê, portanto, é que não há uma intervenção pelo Estado à atividade econômica (tecnologia) para a qual foi criada.
Ainda, há que se falar na ausência de pertinência entre a exigência e a destinação dos recursos, quando consideramos também as alterações feitas pela Lei nº 10.332/2001, que ampliou as hipóteses de incidência da CIDE em comento para os contratos que tenham por objeto serviços técnicos de assistência administrativa e royalties a qualquer título.
Em verdade, a CIDE acaba por não incidir sobre um setor econômico específico, mas sobre pessoas jurídicas importadoras de tecnologia e de serviços técnicos de assistência administrativa em geral, além das que pagam royalties a qualquer título, não havendo entre essas pessoas jurídicas contribuintes e o destinatário legal da contribuição qualquer relação. O legislador, portanto, acabou por não identificar um grupo específico para o qual seria voltada a atuação do Estado já que não há um benefício direcionado às pessoas que utilizam a tecnologia importada.
Ao incidir sobre contratos que não envolvam a transferência de tecnologia, o que se verifica é a ausência de qualquer relação entre o contribuinte e a destinação do produto arrecadado com a contribuição, extrapolando o segmento econômico em tese abrangido pelos investimentos realizados na tecnologia nacional.
Esses são os principais fundamentos que levam à inconstitucionalidade da CIDE-Royalties, a qual espera-se seja reconhecida pelo STF, quando do julgamento do Tema 914 em repercussão geral.
Mariana Elisa Sachet Azeredo é advogada em Curitiba, Pós-graduada em Direito Tributário e Pós-graduanda em Direito Aduaneiro, pelo Centro Universitário Curitiba. (www.prolik.com.br)