Entre reformas: aspectos gerais das PECs 45 e 110

Por Sarah Tockus e Nádia Rubia Biscaia

A complexidade que permeia o sistema tributário brasileiro, somada à perspectiva econômica negativa e ao crescimento de desigualdades sociais, além de aspectos como a insegurança jurídica e a regressividade, são os pilares erigidos, novamente na história dos tributos (cf. José Souto Maior Borges e José Roberto Vieira), para sustentar discursos de reforma tributária.

Pois bem. Atualmente, são 03 (três) as propostas que despertam atenção no cenário nacional, cujos objetivos comuns são: (i) a simplificação, eficiência e estabilidade jurídica a partir da unificação de tributos; (ii) a eliminação de regimes especiais, mediante tributação do valor agregado; (iii) e a concentração da tributação sobre o consumo.

Nesta oportunidade trataremos de aportar os principais aspectos dos Projetos de Emenda Constitucional de nºs 45 e 110, propostos no âmbito da Câmara dos Deputados e do Senado, respectivamente; não deixando de destacar aos leitores que os contornos do Projeto de Lei nº 3.887/2020, proposto pelo Governo Federal, já foram objeto de detida análise em momento anterior: (link).

1. PEC nº 45

A PEC 45 é a mais avançada em termos de discussão, atualmente. Ela prevê a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), dotado das características próprias do Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) (“VAT rate”, em inglês) – modelo adotado por numerosos países, em especial aqueles integrantes da União Europeia.

Isso se explica a partir da principal característica deste último: a sua neutralidade, tão própria de um imposto não-cumulativo – cobrado em todas as etapas do processo de produção e comercialização, garantindo em cada etapa o crédito correspondente ao imposto pago na etapa anterior.

1.1 Aspectos da regra-matriz de incidência tributária

O IBS viria em substituição aos cinco tributos atualmente incidentes sobre bens e serviços: PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS; sendo sua receita partilhada entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Esta proposta ainda seria complementada por um modelo seletivo, incidente sobre bens e serviços geradores de externalidades negativas, como fumo e bebidas alcoólicas.

O fato gerador do IBS compreenderia as operações onerosas com bens tangíveis e intangíveis, inclusive locações, licenciamentos e cessão de direitos, e serviços.

Por sua vez, a base de cálculo seria “por fora”, ou seja: não contempla seu próprio montante, e durante o período de transição, os cinco tributos que estão sendo substituídos.

O método de apuração se dá pelo sistema de débito e crédito e a escrituração é feita por estabelecimento, com o pagamento centralizado por CNPJ, compensando-se os créditos e débitos de todos os estabelecimentos, mesmo os localizados em municípios distintos.

1.2 Peculiaridades

Dada a perspectiva delineada no âmbito do IBS, a proposta do PEC 45 define um Comitê Gestor nacional do imposto, integrado por representantes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, mas a fiscalização continuará com os entes federados.

Prevê-se, ainda, uma transição progressiva ao longo de dez anos, mantendo-se a carga tributária constante. Uma alíquota inicial de 1% seria mantida por um período de teste de dois anos, reduzindo-se compensatoriamente a alíquota da COFINS. O período de teste serviria não apenas para avaliar o funcionamento do novo imposto, mas também para dimensionar de forma precisa o seu potencial de arrecadação. Após esse período de teste, a alíquota seria completada em mais oito anos, com a elevação progressiva e linear da alíquota, e da simultânea redução das alíquotas dos outros cinco tributos que ao final seriam extintos. Embora não haja previsão expressa, estima-se que a alíquota total seja fixada entre 20 e 25%.

As empresas enquadradas no regime de tributação do Simples Nacional poderiam optar entre: (i) manter o Simples no formato atual, apenas substituindo a referência aos impostos substituídos por uma referência ao IBS, mantendo a destinação da receita aos Estados e Municípios. Nessa alternativa não se apropriariam de crédito do IBS nem transfeririam créditos do imposto; (ii) ou migrar para o regime normal de débito e crédito do IBS, observadas as mesmas condições aplicadas às demais empresas. Nesta alternativa, a alíquota do Simples incidente sobre o faturamento seria reduzida em montante equivalente às parcelas atualmente destinadas ao PIS, COFINS, ICMS, ISS e IPI. As demais incidências sobre o faturamento – IRPJ, CSLL e contribuição patronal seriam mantidas.

A transição também seria feita de forma gradual, ao longo de dez anos, no mesmo ritmo de transição dos tributos atuais para o IBS.

Por fim, um outro aspecto proposto pela PEC 45 é a extinção de isenções e incentivos fiscais, dentre os quais aqueles voltados à Zona Franca de Manaus (ZFM) e às Áreas de Livre Comércio (ALCs).

2. PEC nº 110

Por sua vez, a PEC 110 propõe um modelo de IVA estadual, tal como o IBS, mas em substituição a nove tributos: IPI, IOF, PIS, PASEP, COFINS, CIDE Combustíveis.

Ainda, propõe-se a extinção da CSLL, que seria incorporada ao Imposto de Renda.

Prevê-se, igualmente, a criação do denominado “imposto seletivo” (IS), de competência federal, incidente sobre: energia, telecomunicações, veículos e derivados do petróleo, combustíveis e lubrificantes, e do tabaco.

O crédito é amplo e a alíquota uniforme em todo o território nacional, podendo diferir de acordo com o bem ou serviço.

Esta proposta, diferentemente da anterior, permite a concessão de benefícios fiscais e garante a manutenção do tratamento diferenciado à Zona Franca de Manaus, mediante a concessão de crédito presumido que cubra as diferenças de custo de logística e transporte dos empreendimentos localizados na região.

Parelha como a proposta anterior, a PEC 110 propõe a criação de um órgão nacional, composto pelos fiscos estaduais e municipais, para gerir e fiscalizar o novo imposto.

2.1 Peculiaridades

A PEC 110 contempla matérias não previstas na PEC 45, tais como: (i)a extinção da CSLL; (ii)a ampliação da base de incidência do IPVA para também alcançar a propriedade de embarcações e aviões, transferindo integralmente o produto de sua arrecadação aos municípios;  (iii)propõe que a competência do ITCMD seja transferida dos Estados para a União, destinando a arrecadação aos Municípios; (iv) autoriza a criação de um adicional do IBS para financiar a previdência social; e (iv) propõe a criação de fundos estadual e municipal para reduzir a disparidade de receita entre Estados e Municípios, com recursos destinados a investimentos com infraestrutura.

A transição nesta proposta também se daria em um período inicial de teste, de um ano, com a mesma alíquota de 1% e depois, a transição duraria cinco anos, sendo os atuais tributos substituídos pelos novos à razão de um quinto ao ano.

Veja-se que, diferentemente do que facilmente se sustenta no âmbito da PEC 45 e do modelo da CBS, a PEC 110 não soluciona o impasse (“guerra”) entre Estados e Municípios.

Esses alguns dos principais aspectos das principais propostas de reforma em tramitação.

3. Conclusão

A grande vantagem suscitada no modelo proposto pela PEC 45, assim também como ocorre no modelo CBS, é o afastamento do problema federativo a partir da criação de uma fonte perene de receitas para Estados e Municípios, o que denota extrema importância diante do atual cenário  – especialmente para os Estados – face a tantos questionamentos em torno dos conceitos de “mercadoria” e “serviço”.

Não há como debater a reforma tributária, no entanto, sem contextualizá-la dentro do momento atual que estamos vivenciando: uma crise sanitária mundial sem precedentes, com impacto direto no cenário econômico e fiscal, e que evidencia o crescimento de desigualdades sociais.

Exemplo dessa problemática é a proposta da CBS, do Governo Federal. Se de um lado há a ampliação do direito de crédito, de outro instituiu uma alíquota muito alta, em um momento claramente inoportuno para o setor de serviços, cujo maior custo está naquilo que não admite aproveitamento de créditos.

Vê-se bem que o contexto atual não pode ser desconsiderado, especialmente porque as propostas de reforma também podem reverberar, intensificando desigualdades e acirrando uma crise econômica já existente.

O panorama ora apresentado tem por condão, portanto, destacar os principais aspectos dos dois projetos de emenda constitucional em trâmite, considerando, sobretudo, a retirada do pedido de urgência na tramitação da PL nº 3.887/2020 (CBS) – que impôs a reorganização dos debates que permeiam o tema da reforma.

Se, como bem justificou o presidente Jair Bolsonaro, [a] urgência da CBS [Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços] trancaria a pauta e causaria pressão desnecessária na discussão sobre o tema, que continua prioritário, mas segue ritmo próprio na Comissão Mista da Reforma Tributária” (fonte: Agência Brasil); a perspectiva é de que os debates sejam desenvolvidos com maior acuidade metodológica e jurídica.

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