Por Janaina Baggio.

Janaina explica questões tributárias.
O ICMS do Estado do Paraná, a exemplo do que ocorre em todos os demais Estados e no Distrito Federal, foi concebido pelo legislador estadual à luz do princípio da seletividade, em função da essencialidade dos produtos, através da Lei Orgânica do ICMS (nº 11.580/1996) e do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 6.080/2012.
Em termos práticos, a seletividade orienta o enquadramento de determinados produtos e mercadorias em diferentes faixas de tributação, de acordo com o nível de sua essencialidade, de modo que aqueles supérfluos ou não essenciais sejam submetidos a alíquotas mais gravosas, ao passo que os produtos de maior relevância na vida social sejam tributados por alíquotas menores. Deve, portanto, a sua aplicação, ser orientada a partir de uma classificação de relevância dentre as várias necessidades da população, como bem define Sacha Calmon Navarro Coelho: “No ICMS a seletividade olha para a população em primeiro lugar” (In Curso de direito tributário brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 383).
Dentro desse contexto, é fundamental que se observem as particularidades de cada mercadoria ou produto à luz dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, do desenvolvimento nacional e erradicação da pobreza, de modo que o nível da sua essencialidade, a despeito de seu maior ou menor consumo, seja considerado em função da sua utilidade e relevância para o indivíduo e a sociedade como um todo (desenvolvimento social, cultural, tecnológico, econômico etc).
A alíquota do ICMS paranaense pode variar entre 7%, 12%, 18%, 25% e 29%, sendo que a maior parte das operações mercantis está sujeita à chamada alíquota geral, de 18%, que contempla os bens e mercadorias que não se encontram taxativamente elencados nas outras faixas de alíquotas.
Os produtos relacionados às necessidades primárias, tais como alimentos, transporte, alguns eletrodomésticos, materiais de construção civil, entre outros, face o seu caráter de grande essencialidade, estão submetidos às alíquotas de 7% e 12%. À medida em que os produtos se tornam menos essenciais ou supérfluos, as alíquotas aumentam, como é o caso dos perfumes e cosméticos, submetidos à alíquota de 25%, e do fumo e bebidas alcoólicas, tributados em 29%.
Tendo em conta os exemplos acima, é estranho, para dizer o mínimo, o enquadramento dos serviços de comunicação e das operações com energia elétrica entre os produtos classificados com o menor nível de essencialidade e, em consequência, a maior alíquota (29%).
A ofensa ao princípio da seletividade é manifesta e se caracteriza em virtude da grande essencialidade desses itens para a população, na medida em que, desde o ambiente doméstico, até as escolas, o comércio, os escritórios e as indústrias, todos dependem da energia elétrica para o seu regular funcionamento. É a energia elétrica que se converte em luz, em força para dar funcionamento a motores e diversos outros produtos indispensáveis à vida moderna, a exemplo dos aquecedores de ambiente, essenciais para localidades com temperaturas negativas extremas, dos refrigeradores que conservam os alimentos, entre outros.
Da mesma forma, a velocidade com que tudo acontece na dinâmica do mundo contemporâneo somente é viabilizada pelos meios de comunicação, não havendo dúvida sobre a importância da evolução tecnológica neste aspecto. Através dos meios de comunicação físicos, eletrônicos ou virtuais, a sociedade dispõe de incomparável velocidade, praticidade e redução de despesas, o que evidencia a grande essencialidade desse tipo de serviço no mundo atual.
Não é por outro motivo que a Lei nº 7.783/1989, em seu artigo 10, define o que são serviços ou atividades essenciais e enquadra nesse conceito as operações com energia elétrica e os serviços de telecomunicações.
Mas a incongruência não para por aí, pois há evidente contrassenso no enquadramento dos serviços de comunicação e energia elétrica na mesma categoria de alíquota à qual se submetem produtos considerados supérfluos e nocivos à saúde, como são o fumo e sucedâneos e as bebidas alcoólicas.
A ofensa ao princípio da seletividade também resta evidenciada pelo fato de os serviços de energia elétrica, quando voltados à eletrificação rural, estarem sujeitos a alíquota menor, de 25%, não sendo plausível que um mesmo serviço, porque voltado ao desenvolvimento regional (no caso, rural), seja considerado “mais essencial”.
A inconstitucionalidade da alíquota de 29% para os serviços de comunicação (especialmente nas modalidades de telefonia fixa e móvel), também resta clara em relação a dois serviços de caráter supérfluo, como são a veiculação de anúncio publicitário e os serviços de televisão por assinatura, que têm a sua base de cálculo reduzida, de modo que sua carga tributária efetiva é de 10%.
A interpretação sistemática da legislação paranaense conduz à conclusão de que, em substituição à alíquota de 29%, as operações de comunicação e energia elétrica devem se submeter à alíquota de 12% ou de 18% (máximo), percentuais considerados razoáveis para produtos de maior essencialidade, à luz da própria lei estadual, que aplica a referida alíquota para produtos e mercadorias com tal característica.
No cenário jurisprudencial, houve entendimento desfavorável aos contribuintes em decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no ano de 2006, em incidente de arguição de inconstitucionalidade, no âmbito do qual se concluiu pela constitucionalidade da cobrança do ICMS-energia elétrica, à época pela alíquota de 27%.
Recentemente, as discussões sobre o tema ganharam uma nova perspectiva jurisprudencial, a partir de decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a existência de repercussão geral no exame da matéria (RE nº 714.139/SC). O julgamento, ainda pendente, conta com parecer apresentado pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, no qual se manifesta pela inconstitucionalidade da alíquota majorada para os serviços de comunicação e energia elétrica, por ofensa ao princípio da seletividade.
O cenário atual renova as esperanças dos contribuintes quanto a um possível desfecho favorável, mas não se pode perder de vista o (provável) intenso embate a ser travado com as procuradorias dos Estados, notadamente em virtude da repercussão econômica que eventual inconstitucionalidade representará para as receitas estaduais.