O regime licitatório na nova lei das estatais

Por Eduardo Mendes Zwierzikowski

Eduardo Mendes Zwierzikowski

Eduardo Mendes Zwierzikowski

Entrou em vigor em julho de 2016 a Lei n.º 13.303, que dispõe sobre o estatuto jurídico das empresas públicas, sociedades de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo tanto as sociedades que possuem como finalidade o exercício de atividade econômica, quanto aquelas que são prestadoras de serviços públicos.

A lei em questão foi aprovada em meio a inúmeros escândalos de corrupção envolvendo algumas empresas públicas federais, ocasionados principalmente pela existência das mais variadas espécies de conluios em procedimentos licitatórios, ingerência política na sua administração, bem com pela ausência de transparência, o que dificulta o controle a ser exercido pelos órgãos de contas e até mesmo pelo cidadão.

Nesse contexto, as inovações da Lei n.º 13.303 podem ser enquadradas em três eixos fundamentais. O primeiro deles é o estabelecimento de requisitos técnicos para a indicação de diretores e membros dos conselhos de administração, com preferência à nomeação de servidores do próprio quadro de funcionários das empresas.

O segundo destaque é exigência imposta pela nova lei no sentido de que cada empresa incorpore boas práticas de Governança Corporativa na condução de suas atividades, a fim de se garantir uma prestação de contas efetiva, mais transparência na gestão, além da criação de Programas de Compliance (integridade).

Por fim, a última grande modificação no regramento jurídico de tais empresas é a que se refere às licitações e contratos administrativos celebrados com os particulares, para a consecução de seus fins institucionais.

Dada a relevância e extensão das mudanças no âmbito dos procedimentos licitatórios, o presente artigo se propõe a analisar com mais profundidade essa temática, que ocupa quase quarenta artigos no Estatuto das Estatais.

De início, saliente-se que a nova sistemática expressamente revoga a autorização legislativa até então existente a Petrobras e a Eletrobras, para que estas pudessem se valer de procedimentos simplificados para a contratação de bens e serviços, o que põe fim a uma intensa discussão judicial acerca da legalidade do regime anterior.

A licitação na lei das estatais não é propriamente uma novidade, já que o procedimento adotado pelo legislador é claramente inspirado no Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), criado pela Lei n.º 12.462/2011 para possibilitar maior eficiência e flexibilidade na construção de obras e contratação de serviços para a realização da Copa do Mundo Fifa 2014 e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016.

Sendo assim, as características basilares do RDC presentes na lei aqui comentada são as seguintes: (i) inversão das fases na licitação (primeiro ocorre o julgamento das propostas, para então se verificar a habilitação dos licitantes); (ii) fase recursal única (ao final do procedimento, o licitante poderá interpor recurso abrangendo o julgamento, a habilitação, além da efetividade dos lances e propostas); (iii) orçamento sigiloso (os licitantes só saberão o valor do orçamento estimado pelas estatais após a adjudicação do objeto licitado); e (iv) contratação integrada (o próprio licitante elabora e desenvolve os projetos básico e executivo, realiza a obra e os serviços de engenharia, para ao final entregar pronto o objeto contratado).

Apesar da semelhança com o RDC, foi criada uma nova forma de contratação, chamada de “semi-integrada”, que será a regra para a realização de obras e serviços de engenharia, embora possa não ser utilizada, a critério das estatais, mediante justificativa expressa a esse respeito. Nessa modalidade, a contratante confecciona o projeto básico, enquanto que aos licitantes caberá a apresentação do projeto executivo.

Os valores máximos para a dispensa de licitação também foram ampliados quando comparados com a Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n.º 8.666/1993), para até R$ 100.000,00 (cem mil reais) na realização de obras e serviços de engenharia, e até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), para outros serviços e compras.

Na aquisição de bens e serviços comuns, deverá ser adotado preferencialmente o pregão (Lei n.º 10.520/2007), modalidade licitatória do tipo menor preço, cuja disputa é realizada por propostas e lances sucessivos, na forma presencial ou eletrônica.

Da mesma forma, o favorecimento às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte em licitações públicas também passa a ser obrigatório no âmbito das estatais, com incidência dos artigos 42 a 49, da Lei Complementar n.º 123/2006.

As estatais também não poderão contratar com empresas cujos sócios pertençam à outra sociedade que tenha sido declarada inidônea para participar de licitações e contratações públicas, como forma de evitar a constituição de novas pessoas jurídicas para contornar uma penalidade aplicada. É de se ressaltar, contudo, que apesar da louvável intenção do legislador, poderão ocorrer discussões a respeito da validade dessa proibição, tendo em vista que o sócio pode não ter contribuído para a sanção aplicada, de modo que sobre ele não deve incidir, a priori, qualquer presunção de culpa.

Apesar de a lei vigorar no país desde 30 de junho de 2016, as estatais possuem o prazo de 24 (vinte e quatro) meses para promoverem as adaptações necessárias com vista ao seu fiel atendimento. Igualmente, permanecem regidos pela legislação anterior os procedimentos licitatórios e contratos iniciados ou celebrados até o final do prazo citado, no ano de 2018.

Como visto, a nova lei das estatais inova pontualmente no ordenamento jurídico brasileiro, porém sofre o influxo de regimes já existentes, como a Leis do Pregão e do Regime Diferenciado de Contratações Públicas, que trazem mais arrojo às amarras da já antiga Lei n.º 8.666/1993, que brevemente também deverá ser reformulada.