CVM regulamenta oferta de ações em plataformas de Crowdfunding

Por Cícero José Zanetti de Oliveira

O advogado Cícero José Zanetti de Oliveira é diretor do Prolik Advogados e atua no setor societário.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou a Instrução Normativa ICVM 588, que regulamenta o chamado Crowdfunding de Investimento, quase um ano após a conclusão das manifestações na Audiência Pública (Edital SDM nº 06/2016). A audiência foi promovida pela autarquia para debater sobre a oferta pública de distribuição de valores mobiliários de emissão de empreendedores de pequeno porte com dispensa de registro na CVM e por meio de plataformas eletrônicas de investimento participativo.

O crowdfunding ou financiamento coletivo, em tradução para o português, é conhecido por profissionais de diversos setores que buscam financiamentos independentes para projetos de tecnologia, cultura, filantropia, desenvolvimento de produtos, dentre outros. E, embora o mercado brasileiro ainda seja muito discreto se comparado ao norte americano e ao europeu, desde que a prática chegou ao País, há mais ou menos seis anos, tem ganhado estabilidade e conquistado diferentes gêneros.

No Brasil, o crowdfunding começou a ser utilizado como instrumento de captação de recursos para o desenvolvimento de projetos através da doação de valores por investidores interessados, em troca de alguma recompensa ou não.

Nos mercados internacionais, boa parte das campanhas é destinada à captação de recursos para o desenvolvimento de produtos. Nestes casos, os investidores adquirem o produto a um preço menor do que será praticado no mercado final e financiam a sua criação e o próprio desenvolvimento da empresa. Também é comum que o comprador receba uma recompensa ou um brinde proporcional ao valor que investiu, caso o produto seja lançado.

Do contrário, se o valor estipulado para a realização do projeto não for arrecadado, o dinheiro é devolvido aos investidores.

O cenário brasileiro, por sua vez, é mais voltado para o financiamento de projetos culturais e artísticos do que tecnológicos. A primeira plataforma do País apareceu justamente com uma proposta cultural, e como forma de suprir uma lacuna no mercado cultural deixada pela Lei Rouanet. De acordo com o pesquisador Viktor Chagas, do Departamento de Estudos Culturais e Mídias da Universidade Federal Fluminense, em entrevista ao portal Na Prática, o mecanismo federal de arrecadação para projetos culturais se mostrou desanimador para os produtores culturais independentes que atuam numa faixa de orçamento média ou baixa, em setores produtivos que rendem pouca contrapartida às empresas patrocinadoras.

A regulamentação em destaque, entretanto não se dedica às modalidades de crowdfunding baseadas em doações ou em brindes, recompensas ou pré-vendas de produtos, porque o retorno não possui natureza financeira. O próprio Edital SDM 06/2016 faz a ressalva de que não interessam à CVM as modalidades de empréstimos realizados por meio da internet (P2P e P2B, peer-to-peer e peer-to-business lending), porque não representam oferta de títulos enquadrados na definição de valores mobiliários.

A ICVM 588 se direciona aos casos de investment-based crowdfunding, quando envolve a distribuição de valores mobiliários em geral, e equity crowdfunding, quando a contrapartida oferecida corresponde a títulos de participação apenas.

Como nestes casos a oferta pública de distribuição de valores mobiliários é feita por empreendedores de pequeno porte que são dispensados de registro na CVM, o ônus de investigar previamente as ofertas, a veracidade das informações prestadas e a adequação da oferta à legislação vigente cabe ao investidor.

E, justamente por se tratar de projetos independentes, e muitas vezes de produtores inexperientes, não são raras as vezes em que a iniciativa falha e os apoiadores se veem sem o produto em mãos ou sem o retorno esperado.

Assim, o objetivo da CVM ao regulamentar a prática que vem se expandido no País é o de contribuir para o desenvolvimento dos setores inovadores, que podem ser relevantes para a economia brasileira; ampliar e melhorar a qualidade dos instrumentos de financiamento para empresas em fase inicial ou com dificuldades de acesso ao crédito em função de seu porte; promover a proteção adequada aos investidores que, em muitos casos, não são participantes costumeiros do mercado de capitais; e prover segurança jurídica para plataformas eletrônicas de investment-based crowdfunding e para empreendedores de pequeno porte.

De acordo com a ICVM 588, os empreendedores de pequeno porte serão as empresas, incluindo S.A.s, com receita bruta anual de até R$ 10 milhões, e que não precisarão ter registro de oferta e emissor junto à autarquia. Vale lembrar que na hipótese de sociedade empresária de pequeno porte controlada por outra pessoa jurídica ou por fundo de investimento, a receita bruta consolidada anual do conjunto de entidades que estejam sob o controle comum não pode exceder R$ 10 milhões no exercício social encerrado no ano anterior à oferta.

As plataformas em que a captação de recursos é realizada, por sua vez, precisarão ser registradas. O Ofício-Circular nº 2, divulgado em 14/07/2017 pela CVM contém as orientações aos administradores das plataformas de crowdfunding sobre o envio do formulário inicial de oferta de ações.

As informações constantes do Anexo 27-I, da ICVM 588, devem ser encaminhadas à autarquia na data de início de cada oferta realizada. Embora os sistemas ainda estejam sendo adaptados para contemplar os novos participantes do mercado e o procedimento apresentado no Ofício seja temporário, aqueles que não cumprirem as determinações da nova norma estarão sujeitos ao pagamento de multa diária no valor de R$ 500,00.

O limite de captação nas ofertas de R$ 5 milhões anuais, proposto pela CVM na Audiência Pública, foi mantido, e o limite de investimento anual de R$ 10 mil como proteção ao pequeno investidor também (não se enquadram os investidores qualificados, definidos na ICVM 539/2013, e os investidores-anjo).

Por outro lado, os principais pontos alterados em relação à audiência pública correspondem à possibilidade de a plataforma realizar ofertas restritas a determinados grupos de investidores cadastrados, de maneira a preservar os dados estratégicos dos empreendedores; realizar ofertas parciais, caso o valor mínimo de captação seja atingido; revisar procedimentos da oferta, na flexibilização das regras e definição da maior parte dos trâmites operacionais pelas próprias plataformas; flexibilização do modelo dos sindicatos de investimento participativo, facultando aos participantes a possibilidade de estruturação de veículos de investimento; e autorização para as plataformas cobrarem taxas de desempenho (performance) dos investidores, em caso de sucesso dos empreendimentos.

Vale destacar, entretanto, que este tipo de investimento continua não sendo recomendado para amadores. Caberá ao investidor avaliar os projetos que pretende financiar, os seus objetivos, o plano de negócios e o dono do projeto.