Por Ana Paula Araújo Leal e Cia
A responsabilidade pessoal dos sócios tem fundamento na teoria da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade e vem sendo aplicada no Direito do Trabalho em face da prevalência do interesse social sobre o individual. Também decorre da necessidade de proteger o trabalhador hipossuficiente, cujo crédito, advindo do título executivo judicial trabalhista, possui natureza alimentícia.
Evidente, também, que a utilização do instituto, além de proteger o trabalhador, visa a dar efetividade à execução e combater a utilização indevida do ente societário pelos sócios.
Trata-se de medida jurídica que pretende coibir o ato ilícito lesivo ao trabalhador, aumentando a possibilidade de recebimento do crédito trabalhista, tutelando os direitos do empregado.
Sendo assim, somente há possibilidade de inclusão dos sócios da empresa reclamada no polo passivo da demanda, com o objetivo de responsabilizá-los subsidiariamente, desde que esgotadas as possibilidades em relação ao devedor apontado como principal.
Nesse sentido é que a legislação torna possível que o patrimônio dos sócios venha a responder pelos créditos porventura devidos ao trabalhador, na hipótese de ser constatado abuso da personalidade jurídica, consistente em fraude ou ausência de patrimônio da empresa executada suficiente para suportar os débitos trabalhistas.
Ocorre que, na Justiça do Trabalho, convencionou-se adotar a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, segundo a qual basta a comprovação da inexistência de patrimônio em nome da pessoa jurídica. Ou seja, a teoria aplica-se independentemente de fraude, simulação ou desvio de finalidade.
Assim, o sócio pessoa física é citado para pagamento da importância devida ou garantir a execução, sob pena de penhora. Logo, a constrição judicial ocorre antes do exercício do direito de defesa do executado.
Portanto, todos os atos são praticados à revelia dos sócios, que somente tomam conhecimento da turbação e da consumação da penhora na fase de execução, pois os sócios sequer são previamente ouvidos acerca da unilateral constrição.
Assim, a Justiça do Trabalho acaba agindo como se o crédito trabalhista não estivesse sujeito às normas constitucionais e pudesse, indiscriminadamente, se sobrepor aos legítimos interesses de terceiros.
Deste modo, a inclusão dos sócios no polo passivo da ação afronta os princípios constitucionais, pois viola as garantias fundamentais do processo.
Ocorre que com a criação, pelo Novo Código de Processo Civil, do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto nos artigos 133 a 137 – e, ainda que se inicie um debate sobre a legitimidade de o Tribunal Superior do Trabalho editar a Instrução Normativa n. 39, aprovada por meio da Resolução nº 203, de 15 de março de 2016, que dispõe sobre a aplicação das normas do Novo Código de Processo Civil ao Processo do Trabalho -, a respectiva regra recepcionou o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Logo, mesmo diante de divergências doutrinárias, para o Tribunal Superior do Trabalho, o novo procedimento é compatível com o Processo do Trabalho.
O incidente de desconsideração da personalidade jurídica não acarreta prejuízo à celeridade e a concentração dos atos que circundam a execução trabalhista, mas deverá ajustar-se aos fundamentos do direito processual do trabalho.
Assim, a aplicação do novo incidente ao processo do trabalho, passa a garantir o pleno cumprimento do contraditório e da ampla defesa, tornando a medida eficaz.
A sua aplicação ao processo do trabalho demonstra a preocupação com o contraditório, uma vez que a pessoa física será citada para apresentar defesa e produzir provas. Somente após a instrução processual é que o incidente será julgado e eventual penhora realizada.
Ademais, a Instrução Normativa 39/2016, também, admitiu a concessão da tutela de urgência prevista no artigo 301 do Novo Código de Processo Civil. Neste caso, poderá o juiz da execução avaliar se é o caso de aplicar a indisponibilidade de bens do sócio executado, até decisão do incidente.
Por fim, ainda que o risco empresarial da atividade econômica não possa ser transferido ao trabalhador que entregou sua força de trabalho ao empregador sem que, contudo, tenha posteriormente recebido a devida contraprestação pecuniária, a dificuldade no recebimento dos créditos trabalhistas e o anseio do credor não podem ser suficientes para que o juízo trabalhista redirecione a execução contra os sócios da pessoa jurídica.
Nesse aspecto, elogiável o pronunciamento do Tribunal Superior do Trabalho, pois a adoção do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, no processo do trabalho, restabelece o devido processo legal e a ampla defesa, impedindo a afetação do patrimônio particular dos sócios sem o contraditório prévio, garantindo segurança jurídica às partes.