
Matheus Monteiro Morosini
A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 98, ajuizada pela Presidência da República, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), em 19 de setembro, representa um movimento estratégico e controverso no cenário tributário brasileiro. O objetivo central da ADC 98 é obter do Supremo Tribunal Federal (STF) o reconhecimento de que despesas incorridas nas operações, inclusive as tributárias, devem integrar a base de cálculo do PIS e da COFINS.
Busca-se, assim, limitar o alcance da chamada “Tese do Século” (Tema 69 de Repercussão Geral) e reverter entendimentos jurisprudenciais já consolidados ou em vias de consolidação.
O ponto de partida para a compreensão da ADC 98 é o julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706, que deu origem ao Tema 69. Neste marco, o STF firmou o entendimento de que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) não integra a base de cálculo do PIS e da COFINS. Essa decisão baseou-se na premissa de que o ICMS não constitui receita ou faturamento para o contribuinte, uma vez que é um valor que apenas transita pelo caixa da empresa, sendo devido ao Estado e não se incorporando de forma definitiva ao patrimônio do contribuinte como riqueza nova.
Tal decisão, amplamente celebrada pelos contribuintes como a “Tese do Século”, representou um alívio significativo da carga tributária e estabeleceu um precedente fundamental para a interpretação do conceito constitucional de receita/faturamento para fins de contribuições sociais. A lógica por trás do Tema 69 não se restringiu às peculiaridades do ICMS, mas sim a um princípio mais amplo: a necessidade de que o valor tributado represente um acréscimo patrimonial efetivo para a empresa. A não cumulatividade do ICMS, embora relevante, foi considerada uma técnica de apuração do imposto, e não o fundamento principal para sua exclusão da base de cálculo do PIS/COFINS.
A ADC 98 surge como uma resposta da União à aplicação extensiva do Tema 69 a outros tributos e valores. A AGU argumenta que o STF, no julgamento do Tema 69, não estabeleceu que seria inconstitucional a inclusão de outras despesas tributárias na base de cálculo do PIS/COFINS, buscando, com a ADC 98, supostamente pacificar o tema e consolidar o entendimento de que, com exceção do ICMS, todos os demais valores, incluindo outros tributos (como ISS e o próprio PIS/COFINS) e créditos presumidos, devem compor a base de cálculo dessas contribuições.
A ADC 98 merece ser veementemente criticada, pois, na realidade, trata-se de mera manobra processual e uma tentativa desesperada de reverter entendimentos desfavoráveis ao Fisco. A principal crítica reside no fato de que a ADC 98 busca, por via transversa, anular anos de construção jurisprudencial e forçar uma guinada radical no entendimento do STF. A argumentação da AGU é vista como uma interpretação restritiva e artificial do conceito de receita, ignorando os fundamentos constitucionais estabelecidos pela própria Corte Suprema.
Um dos pontos mais fortes da crítica à ADC 98 é a sua inadequação processual e prejudicialidade. Ora, a ADC não se presta a reafirmar teses já consolidadas ou a funcionar como via oblíqua para alterar entendimentos desfavoráveis à União em repercussão geral. Para o cabimento de uma ADC, é exigida a presença de controvérsia judicial relevante, apta a gerar instabilidade na ordem jurídica e insegurança no sistema normativo.
No caso da ADC 98, a AGU tenta artificialmente invocar essa controvérsia. A jurisprudência do STF já delimitou o conceito constitucional de receita/faturamento nos Temas 69 e 283, a partir de inúmeros outros precedentes anteriores, excluindo valores que não representam acréscimo patrimonial.
Além disso, outros temas de repercussão geral, como o Tema 118 (exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/COFINS) e o Tema 843 (exclusão de créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS), já estão em fase avançada de julgamento, com votos proferidos e, neste último caso, formação de maioria favorável aos contribuintes durante a votação no Plenário Virtual.
Por isso, pode-se afirmar que a ADC 98, seria uma tentativa de atalho processual para rediscutir questões já resolvidas ou pendentes de conclusão em repercussão geral, o que já foi rechaçado pelo STF em precedentes como a ADC nº 18 (que tratou justamente da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS).
Caso a ADC 98 seja acolhida, os impactos serão severos para os contribuintes, especialmente, que verão um aumento significativo da carga tributária. A eventual e improvável reversão de entendimentos já consolidados ou em vias de consolidação geraria uma profunda instabilidade jurídica e econômica, contrariando o princípio da segurança jurídica que a própria ADC deveria promover.
A pretensão da União de que PIS e COFINS incidam sobre tributos incorridos nas operações desborda a autorização constitucional, alargando indevidamente o conceito de receita e faturamento.
Em suma, a ADC 98, embora apresentada como um instrumento para pacificar a interpretação do conceito de receita/faturamento, é vista como uma tentativa de reverter, de forma indireta e inadequada, a definição do Tema 69 e seus reflexos na “Teses Filhotes”. A análise crítica sugere que a ação carece de cabimento e deve ser considerada prejudicada (ao menos em parte), uma vez que busca rediscutir matérias já em fase de definição pelo STF, podendo gerar mais insegurança jurídica do que soluções.
A coerência da jurisprudência e o respeito aos preceitos constitucionais e aos precedentes são elementos cruciais que devem ser considerados pelo STF ao analisar esta importante ação.