
Eduardo Mendes Zwierzikowski
Os esforços para a diminuição dos gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2), estão há anos na agenda mundial para conter os efeitos nocivos da poluição e da degradação ambiental, situação agravada pelo aquecimento global. No ano de 1997, o Protocolo de Quioto endereçou a questão, sendo o primeiro tratado internacional destinado a controlar a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, no qual seus signatários se comprometeram a estabelecer limites para a emissão de carbono.
Foi por meio do Protocolo de Quioto que surgiu o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), para possibilitar que países em desenvolvimento pudessem emitir créditos derivados da menor emissão de gases de efeito estufa e comercializá-los aos países desenvolvidos, através das chamadas Reduções Certificadas de Emissão (RCEs).
Em 2015, a partir da COP-21 (Acordo de Paris), o MDL foi sucedido pelo Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS), mas os mercados de carbono ainda dependiam de uma regulação global para viabilizar o cômputo dos créditos em cada país e os mecanismos aptos a possibilitar as transferências internacionais, o que só foi possível no final de 2021, com o Pacto Climático de Glasgow, celebrado na COP-26.
Em que pese a utilização do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo no Brasil, nunca houve regulação quanto ao funcionamento de um verdadeiro mercado de carbono, que poderia alavancar o desenvolvimento sustentável mediante incentivos reais e juridicamente seguros aos agentes econômicos.
Na legislação nacional, é possível identificar contornos e princípios gerais a respeito do assunto, como a Política Nacional de sobre Mudança do Clima (PLMC), instituída pela Lei Federal nº 12.187/2009, que relegou à Decreto do Poder Executivo o regramento sobre “os Planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas visando à consolidação de uma economia de baixo consumo de carbono” (parágrafo único, do artigo 11).
Em decorrência dos tratados internacionais citados e da carência de regulamentação específica da PLMC, é que o Decreto 11.075/2022 foi editado pela Presidência da República. A Casa Civil, órgão diretamente ligado ao chefe do Poder Executivo, se apressou ao divulgar a criação do “mais moderno e inovador mercado regulado de carbono, com foco em exploração de créditos, especialmente para países e empresas que precisam compensar emissões para cumprir com seus compromissos de neutralidade de carbono”.
Contudo, simples leitura do Decreto em questão evidencia a sua importância simbólica, claro, mas ele está longe de se traduzir como um mercado completo e perfeitamente delineado no plano normativo, capaz de ser imediatamente implementado, cujos desafios para o seu desenvolvimento são justamente o objeto do presente texto.
O Decreto 11.075 estabelece os procedimentos necessários à implementação de Planos Setoriais das Mudanças Climáticas (instrumentos setoriais de planejamento governamental para o cumprimento de metas climáticas) e cria o Sistema Nacional de Redução de Emissão de Gases de Efeito Estufa (SINARE), que servirá como central única de registro de emissões, remoções, reduções e compensações de gases de efeito estufa e de atos de comércio, transferências, transações e aposentadoria de créditos certificados de redução de emissões.
Porém, para que o mercado de carbono seja efetivamente implementado, primeiro devem ser criados os Planos Setoriais mencionados, pelos Ministérios do Meio Ambiente e da Economia, com metas gradativas de redução de emissões antrópicas e remoções por sumidouros de gases de efeito estufa, mensuráveis e verificáveis, consideradas as especificidades doa agentes setoriais (art. 4º).
Depois de instituídos os Planos Setoriais, o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões será o instrumento para a operacionalização das metas estipuladas, com a utilização e transação dos créditos certificados de redução de emissões. A parte operacional desse Mercado fica por conta do SINARE.
As regras sobre o funcionamento do SINARE não constam do Decreto, que relega a ato conjunto dos Ministros do Meio Ambiente e da Economia, o estabelecimento das diretrizes sobre 1) o registro; 2) o padrão de certificação do SINARE; 3) o credenciamento de certificadoras e centrais de custódia; 4) a implementação e operacionalização e a gestão do SINARE; 5) o registro público acessível, em ambiente digital, dos projetos iniciativas e programas de geração de crédito certificado de redução de emissões e compensação de emissões de gases de efeito estufa; e 6) os critérios para contabilização, quando viável técnica e economicamente, de outros ativos representativos de redução ou remoção de gases de efeito estufa com os créditos de carbono reconhecidos pelo SINARE.
Como o detalhamento de temas sensíveis do mercado de carbono brasileiro depende do estabelecimento de extensa atividade normativa, não é possível desde logo observar a existência de um modelo tão moderno ou inovador – vez que ainda é incompleto, apesar do avanço da iniciativa.
Ponto positivo para o Decreto é a conceituação de alguns institutos importantes para a criação do mercado regulado, como o de crédito de carbono/metano (ativo financeiro, ambiental, transferível, e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono – ou metano – equivalente, que tenha sido reconhecido e emitido como crédito no mercado voluntário ou regulado); e unidade de estoque de carbono (ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo da manutenção ou estocagem de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, assim compreendidos todos os meios de depósito de carbono, exceto em gases de efeito estufa, presentes na atmosfera), todos constantes no seu artigo 2º, incisos I, II e XI.
Como há um mercado imenso a ser explorado e o Brasil tem todas as condições de ser tornar protagonista no tema, haja vista a nossa biodiversidade e a quantidade total de floresta preservada, o conteúdo dos Planos Setoriais e as regras específicas para o mercado de carbono, que serão desenvolvidos pelo governo brasileiro, devem se espelhar nas práticas já existentes em outros países, nem sempre bem sucedidas, para evitar uma regulação imprecisa e falha em sua concepção.
Exemplo disso é a política de cap and trade (limitação e comércio) adotada em países desenvolvidos como Estados Unidos, China e demais integrantes da comunidade europeia, em que as licenças de emissão negociáveis são questionadas pelo estabelecimento de tetos de emissão elevados, fazendo com que os preços de carbono se tornem excessivamente baixos, tendo pouca utilidade na preservação ambiental.
Em conclusão, foi possível observar que a edição do Decreto 11.075 é essencial para o desenvolvimento do mercado de carbono no Brasil, mas ele não é um fim em si mesmo e não encerra a necessidade de serem estabelecidas diversas questões essenciais ao seu desenvolvimento, vez que a determinação das regras desse mercado e os desafios para a sua operacionalização serão cruciais para o seu sucesso. Espera-se que esse mecanismo seja visto pelo governo brasileiro como uma importante ferramenta para a proteção do meio ambiente, especialmente da Amazônia, e não apenas como um artifício de greenwashing, o que poderá ser feito por meio do trabalho conjunto, célere e bem executado dos Ministérios do Meio Ambiente e da Economia.