Regulação para startups e o caso de insucesso dos patinetes elétricos no Brasil

Flávia Lubieska N. Kischelewski

Alguns talvez ainda se perguntem: onde foram parar aqueles patinetes elétricos coloridos que víamos nas principais cidades brasileiras? E as bicicletas que podíamos alugar por meio de aplicativos? Por que na Europa ainda existe de oferta desse tipo de serviços? Não seriam uma alternativa de transporte individual durante a pandemia? O que será que deu errado aqui? Será que certas legislações são empecilhos para startups no Brasil?

Para aqueles que não acompanharam o assunto, a empresa Grow, nascida da fusão, no início de 2019, entre a brasileira Yellow e a mexicana Grin, pediu recuperação judicial em agosto de 2020, com uma dívida estimada em, aproximadamente, R$ 38 milhões. Embora tenha sido uma febre, ter tido 1.360 funcionários, 910 mil usuários ativos e uma frota de 25 mil bicicletas e patinetes elétricos em 20 cidades em todo Brasil, além de ter recebido recursos de cerca de R$ 150 milhões de seus investidores, a sustentabilidade não foi atingida.

Segundo nota divulgada pela empresa, a derrocada veio com a pandemia de Covid-19, vez que esse negócio era baseado na mobilidade urbana e diária das pessoas. Chama a atenção, no entanto, o fato de que empresas que operam em cidades europeias, também explorando plataformas digitais de mobilidade por patinete elétrico (nos moldes de Mobility as a Service – MaaS), passaram pela pior fase da pandemia e resistiram.

O sucesso inicial desse serviço se deve, em regra, ao fato de que os patinetes são de manuseio relativamente simples, constituem um meio de deslocamento porta a porta e permitem a integração logística com outros sistemas de transporte, consomem combustíveis fósseis e permitem a consulta de patinetes disponíveis via geolocalização, entre outros aspectos.

Apesar de contar com esses apelos, no caso da Grow, as principais razões para a crise teriam sido a maior regulação, aumento da concorrência, diminuição das margens de lucro e necessidade constante de atualização dos patinetes e bicicletas. Com a pandemia, que paralisou os serviços de compartilhamento, o colapso do negócio aconteceu.

No que concerne a regulação, verifica-se que a concepção de uma startup alinhada com a legislação já existente nem sempre acontece, de maneira que a regulamentação legal do serviço ou produto pode, de fato, dificultar ou inviabilizar o empreendimento. No caso dos patinetes elétricos, várias questões surgem com esse serviço, a começar com a legislação de trânsito que não abrange esse meio de locomoção. Usuários de patinete não são motoristas propriamente ditos de veículos automotores, nem tampouco pedestres, o que revela uma dificuldade de enquadramento legal por juristas diante das legislações de trânsito mundo afora.

Mesmo quem não é usuário de patinetes elétricos sofre os impactos do uso do produto nas ruas das cidades, em razão da ausência, originalmente, de local definido para estacionamento ou mesma da forma como deixar o patinete (se, por exemplo, atravessado na calçada, próximo a uma parede ou no espaço de estacionamento de um veículo automotor). Além disso, como ocorreu aqui e ainda ocorre em outros lugares do mundo, há problemas com vandalismo desses equipamentos, podendo gerar responsabilizações de ordem patrimonial à empresa, danos ambientais, reparações a terceiros, necessidade de instalação de ocorrências policiais etc.

Além disso, a ausência de responsabilidade na condução por parte dos condutores é fator de risco e causa de muitos acidentes (alguns podendo ser graves, pois parte dos usuários não respeita as orientações das plataformas de uso individual do equipamento ou porta equipamentos de proteção individual, como capacetes, embora recomendável). Esse último aspecto suscita questões, inclusive, sobre a responsabilidade civil em caso de acidentes: se seria do condutor, da plataforma ou solidariamente de ambos?

Todas essas questões levam à necessidade de apoio jurídico desde os primórdios do desenvolvimento de uma startup. A implementação de novas regulamentações pode ser também fundamental para trazer segurança jurídica e a perenidade de certas empresas. A citada recuperação judicial, por exemplo, foi ajuizada antes da promulgação do Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 182/2021), que, eventualmente, poderia ter contribuído para que o negócio perdurasse.

Em síntese, isso quer dizer que pode ser que novas empresas, com seus novos serviços e bens, podem ocasionar a criação ou a reavaliação da legislação corrente, de modo a conciliar esses novos recursos disponíveis no mercado com as diversas expectativas e necessidades sociais dos mais diversos públicos.

Nesse contexto, por exemplo, em Paris, França, houve a necessidade de estabelecer uma legislação própria para o sistema de transporte por patinetes elétricos. Essa regulamentação específica é algo que, aparentemente, ainda não há em outros países que não chegou a ser implementada amplamente no Brasil. No entanto, o modelo francês deve servir de inspiração para juristas e legisladores brasileiros ao enfrentarem situações semelhantes que exijam proposições jurídicas compatíveis com o cenário local.

A participação do Poder Público nesse novo mercado de empreendedorismo digital das startups não deve ser ignorada. É função do Estado regular as relações jurídicas, provendo maior segurança jurídica aos novos negócios que preferem haver regulamentação para operarem plenamente, assegurando sua sustentabilidade.

1 pensou em “Regulação para startups e o caso de insucesso dos patinetes elétricos no Brasil

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.