
Por Janaina Baggio
A tomada de créditos na sistemática não-cumulativa do Pis e da Cofins depende, caso a caso, do exame quanto à essencialidade ou relevância da despesa para o processo produtivo ou atividade, tal como descrito no contrato social ou estatuto da pessoa jurídica. Foi essa a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça em 2018, ao interpretar o conceito de insumo previsto em legislação ordinária (em especial, as Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03), em julgamento de recurso repetitivo – Resp nº 1.221.170/PR, Tema nº 779.
O tema da não-cumulatividade também será objeto de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, com repercussão geral, nos autos de RE nº 841.979 – Tema 756: “Alcance do art. 195, § 12, da Constituição Federal, que prevê a aplicação do princípio da não-cumulatividade à Contribuição ao Pis e à Cofins”.
O recurso paradigma chegou a ser incluído em pauta de julgamento no mês de outubro/21, mas retirado pelo Ministro Dias Toffoli, Relator designado.
Embora o recurso afetado pelo STF envolva despesas próprias da atividade da empresa recorrente, a expectativa é a de que o julgamento tenha um caráter amplo, justamente por envolver a interpretação do princípio da não-cumulatividade. Devido a essa abrangência, é possível que o entendimento venha a representar uma mudança da orientação hoje vigente, firmada pelo STJ.
Diante desse cenário, que remete, inclusive, à possibilidade de novo entendimento com modulação temporal de efeitos, é importante que os contribuintes sujeitos ao regime estejam atentos a novas temáticas sobre a matéria, que envolvem despesas de notória abrangência e valores representativos.
Esse é o caso, por exemplo, das despesas necessárias à conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (nº 13.709/18), que exige investimento considerável e permanente.
Os custos envolvem desde as consultorias especializadas, notadamente das áreas jurídica e de tecnologia da informação, até os licenciamentos de softwares, a capacitação e certificação de colaboradores, a partir de cursos e treinamentos reiterados, voltados ao desenvolvimento de uma cultura de proteção de dados.
As ações judiciais existentes estão, em sua maioria, em tramitação na primeira instância, mas já houve sentença favorável proferida pela 4ª Vara de Campo Grande – MS (autos nº Autos nº5003440-04.2021.4.03.6000). Por enquanto, não se tem notícia de uma posição formal da Receita.
A necessidade de tratar dados pessoais é, em geral, a regra, para os mais diversos tipos de atividade. Nesse contexto, as despesas de adequação aos requisitos da LGPD assumem evidente caráter de relevância e essencialidade ao desempenho do objeto social. A conformidade é requisito necessário para que se possa continuar operando no mercado, estabelecendo relações de toda ordem, pois inserida no contexto de tudo o que envolve boas práticas de governança, compliance e boa reputação.
Desde 1º de agosto deste ano, quando teve início a vigência das sanções previstas na Lei nº 13.709/18, aqueles que não estiverem em conformidade, estão sujeitos a penalidades de diferentes graus, desde advertências, até multas de elevado valor.
Esta circunstância reforça a caracterização das despesas como insumos da sistemática não-cumulativa, inclusive, sob o ponto de vista da imposição legal. Neste ponto, o Parecer Normativo Cosit/RFB nº 5/2018 reconhece os equipamentos de proteção individual (EPIs) como insumos da sistemática, justamente, porque sua aquisição e uso decorrem de exigência legal. No mesmo sentido, para outros temas, as Soluções de Consulta Cosit nºs 7081/2020, 32/2020, 147/2020 e 1/2021.
Outra temática relevante, diz respeito ao direito de crédito quanto às despesas decorrentes da Pandemia (Covid-19).
Os custos envolvem todo o material utilizado como medida de segurança, visando a evitar o contágio no ambiente de trabalho, tais como: contentores de álcool, o próprio álcool 70%, divisórias de espaços, máscaras, termômetros, luvas descartáveis, exames para detecção do vírus, higienização mais frequente dos ambientes (produtos de limpeza em geral), despesas relacionadas ao trabalho remoto, a exemplo das plataformas para reuniões on line, locação de veículos etc.
As opiniões têm sido unânimes no sentido de considerar legítimo o creditamento, por se tratarem de despesas essenciais e relevantes, especialmente porque envolvem a preservação da saúde e bem estar dos colaboradores, que, em situação de risco/vulnerabilidade, pode vir a comprometer qualquer atividade.
Da mesma forma, aqui assume importância o fato de se tratarem de despesas decorrentes de imposição legal, pois os empregadores estão sujeitos a um extenso conjunto normativo que dispõe sobre medidas para o enfrentamento da pandemia, a exemplo dos protocolos municipais e estaduais, portarias do Ministério do Trabalho e a própria Lei nº 13.979/2020.
A Receita Federal já se pronunciou sobre os créditos da pandemia na Solução de Consulta nº 164/2021, mas conferindo interpretação restritiva. O entendimento foi no sentido de que apenas o álcool em gel 70% e as luvas utilizadas no processo produtivo do consulente, assumem o caráter de EPI (equipamento de proteção individual), conceito do qual foram excluídas as máscaras. De qualquer forma, em relação aos três itens, foi reconhecido o direito de crédito, desde que o material seja fornecido a colaboradores da área de produção. O direito não foi reconhecido para os setores administrativos.
A posição da Receita abre espaço para diferentes interpretações mais favoráveis aos contribuintes, sendo incoerente a distinção aplicada.
Embora se tratem de temas ainda recentes no contencioso administrativo e judicial, a realidade jurisprudencial e normativa hoje existente permite a instauração de debates bem fundamentados, oportunos neste momento que antecede o julgamento do Tema 756/STF.