A pessoa jurídica como titular de Eireli

Dra. Flávia explica o contextos a empreendedores.

Dra. Flávia explica o contextos a empreendedores.

Por Flávia Lubieska Kischelewski.

A Lei nº 12.441, de 11/07/2011, alterou o Código Civil para inaugurar, no Brasil, o uso do modelo da empresa individual de responsabilidade limitada – Eireli. Embora ansiada, a promulgação da nova legislação não correspondeu a todas as expectativas do meio jurídico, sendo o texto considerado deficiente em vários aspectos. Alguns anos após o início da vigência legal, continuam a surgir dificuldades para a adoção desse modelo por conta de interpretações legais emanadas pelos órgãos registrais. Esse é o caso, por exemplo, da possibilidade ou não de uma pessoa jurídica ser titular de Eireli.

O artigo 980-A, do Código Civil, estabelece que “a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social…”. Como se constata, não há especificação sobre o tipo de pessoa destacada, se natural ou jurídica, de maneira que, desde o princípio, muitos doutrinadores entendem não haver limitações à titularidade de Eireli por pessoa jurídica. Esse posicionamento não é pacífico.

Em termos de evolução legislativa, o Projeto de Lei nº 4.605/2009  da Câmara dos Deputados (nº 18/2011 no Senado Federal), previa expressamente que a Eireli poderia ser constituída por um sócio, unicamente que fosse pessoa natural. Apesar disso, a leitura do texto sancionado revela que essa restrição foi suprimida ao longo da tramitação do Projeto legislativo.

A despeito de não haver distinção na Lei vigente, o extinto Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC, por meio da Instrução Normativa nº 117, de 22/11/2011, ao aprovar o Manual de Atos de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, no item 1.2.11, previu que “não pode ser titular de EIRELI a pessoa jurídica, bem assim a pessoa natural impedida por norma constitucional ou por lei especial” (sic).

Esse regramento quanto ao impedimento para ser titular foi, integralmente,  reprisado no Manual de Registro de Eirelis, aprovado pela Instrução Normativa nº 10, de 05/12/2013, do Departamento de Registro Empresarial e Integração, órgão substitutivo ao DNRC. Tal Manual “estabelece normas que devem ser observadas pelas Juntas Comerciais e respectivos usuários dos serviços prestados pelas mesmas na prática de atos no Registro de Empresas referentes à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI” (sic).

Nesse contexto, a despeito de não existir restrição legal no Código Civil, mas tão somente em Manuais dos órgãos de registro de comércio, parte da doutrina comunga do entendimento de que apenas pessoa natural pode ser titular de Eireli. Esse posicionamento é, inclusive, objeto do Enunciado nº 468 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, ocorrida em 2011 (“468 – Art. 980-A: A empresa individual de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa natural”).

Com efeito, essa limitação parece-nos indevida, pois, além de expandir indevidamente o texto legal, não traz benefícios práticos ao empresariado. Em primeira análise, resta evidente que, originariamente, a restrição era pretendida pelo legislador, mas essa opção não prosperou. No mesmo sentido, nota-se que o objetivo do Legislativo tem caráter abrangente, vez que o Projeto do novo Código Comercial (Projeto de Lei nº PL 1572/2011), apesar de não adotar o termo empresa individual de responsabilidade limitada, consagra a sociedade unipessoal e sem distinguir sócio pessoa natural do sócio pessoa jurídica. No artigo 192 do referido Projeto, prevê-se, tão somente, que “a sociedade limitada será constituída por um ou mais sócios”.

De outro lado, negar a titularidade de Eireli por pessoas jurídicas é negar a realidade ao permitir que subsistam situações em que se formalizam contratos sociais de sociedades limitadas nas quais o efetivo controlador é uma empresa e o sócio minoritário é mera figura decorativa nessa relação.

Ademais, se houvesse prejuízo efetivo em se ter uma sociedade sendo a única titular de outra sociedade, a figura da subsidiária integral, prevista no artigo 251, da Lei das Sociedades Anônimas, deveria ser abolida. Nessa esteira, está-se a admitir que uma pessoa jurídica seja a única titular de uma sociedade anônima, mas não de uma limitada da espécie Eireli. Parece-nos esse não ser o melhor entendimento.

Para a constituição de uma subsidiária integral, a legislação demanda, em essência, a opção pelo tipo societário (sociedade anônima) e que a única acionista seja sociedade nacional. Já para a Eireli, exige-se capital social mínimo equivalente a 100 (cem) salários mínimos e caso se pretenda que a titular seja uma pessoa jurídica é preciso recorrer ao Poder Judiciário. Além disso, há outra limitação prática para a escolha da Eireli. Segundo o parágrafo segundo do artigo 980-A, do Código Civil, ”a pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade”.

Nesse cenário de incertezas, já é possível identificar decisões judiciais favoráveis ao registro de contratos de sociedades do tipo Eireli tituladas por pessoa jurídica. O entendimento do Poder Judiciário tem sido no sentido de preservar a intenção do legislador e derrogar o conteúdo da norma do antigo DNRC, ao se considerar que esse órgão não poderia normatizar a matéria inserindo proibição não prevista em lei.

Em conclusão, ainda que subsistam posicionamentos doutrinários contrários, o artigo 980-A, do Código Civil não faz distinção entre pessoa natural e pessoa jurídica, de maneira que não há vedação legal que impeça as pessoas jurídicas de titularem Eirelis. Apesar disso, como a normativa ilegal do DNRC foi reeditada pelo DREI, as Juntas Comerciais não tem arquivado contratos sociais que tragam pessoas jurídicas detentoras de Eireli. Nesse contexto, não há alternativa ao empresário senão o recurso ao Poder Judiciário, que, acertadamente tem determinado o seguimento dos arquivamentos.

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