Por Fernanda Bunese Dalsenter.
Existe atualmente uma forma diversa de contratação de serviços pessoais que, embora sejam exercidos por pessoas físicas, são realizados por meio de pessoa jurídica constituída especialmente para esse fim, visando sobretudo diminuir custos e encargos para o empregador. Faz-se o uso da pessoa jurídica, aparentando uma situação de natureza civil, para acobertar a relação de emprego.
É o começo de uma grande dor de cabeça para qualquer empresário.
O fenômeno, que é repudiado pela Justiça do Trabalho, foi denominado no meio jurídico de “pejotização”, caracterizando-se sob duas formas principais: (1) O empregado, coagido ou não pelo empregador, abre uma empresa e presta serviço como pessoa jurídica; (2) o quadro societário da empresa é ampliado para incluir o empregado como “pseudo-sócio” ou “sócio-trabalhador”, o qual, detendo cotas irrisórias, não tem uma participação real na empresa ou nos negócios, percebendo somente o status de sócio. [1]
Nosso sistema jurídico considera nulo este comportamento, nos termos do artigo 9º da CLT, eis que tal prática visa mascarar a relação de emprego existente. Em restando constatado que o trabalho ocorreu de forma onerosa (pagamento mensal pela atividade), pessoal (sem substituição por outros trabalhadores) e não eventual (trabalho contínuo, sem interrupções), tem-se como reconhecido vínculo de emprego. A previsão está expressa nos artigos 2º e 3º da CLT. [2]
É possível que alguns digam que a prática é lícita e legítima pois respeitou a vontade de cada uma das partes, que o contrato faz lei entre elas, ou ainda, que declará-lo nulo nessas circunstâncias só iria gerar insegurança jurídica. De fato, sem dúvidas que o princípio da força obrigatória dos contratos deve ser observado, contudo, é árdua, para não dizer irrelevante, a tarefa de provar que houve autonomia plena da vontade naquela forma de contratação.
É bem comum a “pejotização” envolver executivos com altos cargos, salários e instrução, sendo incoerente imaginar que tais pessoas poderiam ser ludibriadas a constituir uma empresa passando exercer, como pessoas jurídicas, iguais atividades que exerciam quando empregados.
Ainda que seja a vontade do empregado, este não poderá abdicar de seus direitos trabalhistas, eis que estes são irrenunciáveis por possuírem caráter alimentar. As normas trabalhistas são aplicadas independentemente da vontade das partes ou do aspecto atribuído à relação, mesmo porque nunca existirá equidade de condições entre empregado e empregador.
A condenação em uma ação trabalhista não será a única consequência que o empregador poderá se deparar. A contratação de profissionais como “PJs” enseja a cominação de diversas penalidades. O Ministério Público do Trabalho (MPT) poderá instaurar inquérito civil no caso de denúncia, por meio de ofício expedido pelo Juiz do Trabalho ou por meio de eventual fiscalização na empresa. Atenção! No caso de ação movida pelo MPT a condenação costuma englobar além da regularização dos contratos dos empregados e pagamento das verbas trabalhistas devidamente corrigidas, indenização por dano moral coletivo, com previsão de multa em caso de descumprimento.
Ademais, a repercussão da fraude ocasiona também irregularidades previdenciárias e tributárias pela sonegação de impostos.
Nos anos de 2012 e 2013, a Receita Federal identificou a sonegação de quase R$ 30 bilhões em contribuições previdenciárias por empresas que adotaram essa prática. [3] Por esse motivo, numa tentativa para frear o fenômeno, no início do mês de agosto, por meio da regulamentação da lei que universalizou o Supersimples para todos os setores da economia, o governo incluiu a “pejotização” entre as hipóteses de exclusão do regime simplificado:
Vejamos o disposto na Lei Complementar nº 147, de 7 de agosto de 2014:
“Art.3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei nº10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:
4º Não poderá se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado previsto nesta Lei Complementar, incluído o regime de que trata o art. 12 desta Lei Complementar, para nenhum efeito legal, a pessoa jurídica:
XI – cujos titulares ou sócios guardem, cumulativamente, com o contratante do serviço, relação de pessoalidade, subordinação e habitualidade.”
Deste modo, as empresas que forem flagradas cometendo esse tipo de irregularidade, além de serem excluídas do regime simplificado de cobrança, sofrerão a cobrança dos pagamentos em atraso para a Previdência e multas.
[1] TRT-PR-13-06-2014 PEJOTIZAÇÃO. FRAUDE À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. O Autor, antes de ser formalmente registrado como empregado da primeira Reclamada, foi contratado como pessoa jurídica pela segunda Ré para prestar serviços exclusivamente em benefício da primeira, os quais eram realizados de forma pessoal, habitual, onerosa e subordinada a prepostos desta, sendo que o seu ingresso no quadro social da empresa na qual figurava como “sócio” ocorreu poucos dias após o início de sua prestação laboral, possuindo tal empresa, ainda, sede em Brasília-DF, sem alvará de funcionamento, enquanto o Reclamante reside na cidade de Pinhais, região metropolitana de Curitiba, e sua atividade foi executada tão somente na capital paranaense. Evidente, assim, a ocorrência do fenômeno da “pejotização” no período em que o Reclamante prestou serviços sem registro em CTPS para a primeira Ré, consistindo tal prática no uso de uma pessoa jurídica para encobrir uma verdadeira relação de emprego, fazendo transparecer formalmente uma relação de natureza civil, sendo referida denominação fruto da sigla da pessoa jurídica, isto é, a “transformação” do empregado (sempre pessoa física) em PJ (pessoa jurídica). Patente, pois, a fraude à legislação trabalhista, que não deve prevalecer por força do art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, sendo devido o reconhecimento da existência de vínculo de emprego entre o Autor e a primeira Ré em período anterior ao anotado em CTPS. Recursos ordinários das Rés aos quais se nega provimento. (TRT-PR-01272-2013-003-09-00-0-ACO-19292-2014 – 7A. TURMA – Relator: UBIRAJARA CARLOS MENDES – Publicado no DEJT em 13-06-2014)
[2] RELAÇÃO DE EMPREGO. PEJOTIZAÇÃO. Não resta dúvida de que o reclamado se utilizou de contrato de prestação de serviços com empresa constituída em nome do reclamante na tentativa de mascarar a relação de emprego, prática conhecida como pejotização. Daí se segue que a relação jurídica havida entre as partes foi de emprego, nos moldes do artigo 3º da CLT, e que a celebração de contrato de prestação de serviços através de interposta empresa consistiu em artifício para fraudar e impedir a aplicação das leis trabalhistas, o que atrai a aplicação do artigo 9º da CLT. (Processo 0000164-44.2014.5.03.0105 – RO – Data da Publicação: 08/09/2014 – Órgão Julgador 5ª Turma – Relator: Milton V.Thibau de Almeida – Divulgação: 05/09/2014. DEJT/TRT3/Cad.Jud. Página 195. Boletim: Sim)
[3] FERNANDES, Sofia. Governo veta Supersimples para “pessoa jurídica assalariada”. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 set. 2014. Mercado. Disponível em: <http://folha.com/no1522808>. Acesso em: 03 out. 2014.