Sobre o portador do virús HIV e o contrato de trabalho

Por Ana Paula Araújo Leal Cia.

Os direitos fundamentais possuem eficácia imediata nas relações de trabalho. A situação de inferioridade do trabalhador justifica o cumprimento desses direitos, nomeadamente no que se refere à intimidade do trabalhador, ou seja, à sua vida privada.

O trabalhador no âmbito da relação laboral encontra-se em uma posição de subordinação face aos poderes do empregador. Assim, ao ser contratado para um determinado posto de trabalho o trabalhador está sujeito as interferências do empregador, ou seja, o contrato de trabalho impõe algumas restrições aos direitos fundamentais do trabalhador.

Neste contexto, a vida privada do trabalhador, muitas vezes desencadeia uma curiosidade no empregador, exigindo daquele certas posturas ou atitudes que muitas vezes transcendem à normal execução do contrato de trabalho.

O direito à reserva da vida privada está amparada constitucionalmente, fazendo parte da esfera íntima da vida do trabalhador, portanto, não se admite o desrespeito à reserva da intimidade da vida privada do obreiro.

O poder de direção do empregador não pode estabelecer restrições aos direitos fundamentais do trabalhador, os quais não sejam indispensáveis ao bom funcionamento da empresa e à perfeita execução do contrato.

Assim, só será possível atingir uma ponderação entre tais direitos constitucionais, valendo-se de regras próprias dos conflitos de direitos, sem enfraquecer os direitos dos trabalhadores, bem como a liberdade de empresa, respeitando-os em igualdade.

Por isso, ao celebrar um contrato de trabalho a restrição aos direitos fundamentais do trabalhador só poderá ocorrer na medida do estritamente necessário para assegurar a execução do contrato, ou seja, mesmo que o trabalhador tenha o dever de cumprir as obrigações decorrentes do pacto laboral, não deve obediência às ordens que afetem aos seus direitos e garantias.

Diante disso, os direitos fundamentais do trabalhador devem ser sempre respeitados, devendo o empregador dispensar uma atenção especial ao direito à proteção da saúde do trabalhador, mais precisamente ao trabalhador portador do vírus HIV.

O Tribunal Superior do Trabalho, há alguns anos em reiteradas decisões considerava arbitrária a dispensa do empregado portador do vírus HIV.

Dessa forma, ainda que a lei não assegure estabilidade no emprego ao portador de HIV, o trabalhador teria direito à reintegração no emprego em razão das garantias constitucionais que proíbem práticas discriminatórias, assegurando a dignidade da pessoa humana.

Diversas discussões jurisprudenciais levaram a edição da Súmula 443 do TST que assim dispõe:

“Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”.

Assim, o empregador quando prejudica, ou mesmo priva um trabalhador portador do vírus HIV tanto no acesso, quanto na formação e promoção profissional, desencadeia uma explícita discriminação, pois o trabalhador infectado não pode ser discriminado em razão do seu estado de saúde.

Portanto, a empresa deverá respeitar a vida privada do trabalhador, a fim de proteger a sua dignidade enquanto cidadão/trabalhador.


Por Ana Paula Araújo Leal Cia Nascida em Mogi das Cruzes, São Paulo. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Marília, São Paulo (2004). Mestre na área de Ciências Jurídico-Laborais pela Universidade de Coimbra, Portugal. Pós-graduação em Direito Previdenciário pela Faculdade de Direito de Curitiba, atual UniCuritiba.

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