Por Sarah Tockus.
A preocupação do fisco em torno das deduções de despesas médicas nas declarações de ajuste anual de imposto de renda pessoa física – IRPF é tema corrente. Tanto é assim, que, desde 2010, com a publicação da Instrução Normativa/RFB 985/2009, prestadores de serviços de saúde e operadores de planos privados, bem como clínicas de qualquer especialidade, absorveram mais uma obrigação acessória: a entrega da DMED – Declaração de Serviços Médicos.
A DMED foi criada para ajudar na fiscalização e no cruzamento de dados pela Receita Federal do Brasil, objetivando reduzir as informações distorcidas apresentadas pelos contribuintes em suas declarações de ajuste, tudo a combater a apresentação de recibos falsos e inibir outras práticas.
Todo esse aparato reflete o temor do fisco, obrigando que médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, hospitais, laboratórios e clinicas de qualquer especialidade informem anualmente os valores recebidos pela prestação de seus serviços, identificando seus clientes, de forma a evitar deduções indevidas.
Dentro desse mesmo contexto de fiscalização, a própria regra de comprovação e justificação das despesas médicas para fins de dedução do imposto de renda devido pelo contribuinte e seus dependentes, de que tratam os arts. 73 e 80, do RIR/99 vinham sendo aplicadas muito restritivamente nas discussões administrativas em torno do tema.
Muito embora o REGULAMENTO DO IMPOSTO DE RENDA, quando regulamenta as despesas passíveis de dedução, exija que os pagamentos especificados sejam comprovados com a indicação do nome do profissional, endereço e número de inscrição no CPF/CNPJ de quem os recebeu, a Fiscalização reputava isso insuficiente de pronto. Caberia ao contribuinte demonstração dos pagamentos através da cópia de cheques (como se o pagamento não pudesse ser feito em espécie), laudos, exames, radiografias, fichas de atendimento etc.
Não se nega, obviamente, que as deduções estão sujeitas à comprovação e justificação, mas o limite do Fisco está no próprio Regulamento, que impõe a comprovação por outros meios, em caráter excepcional. Isto é, apenas na falta dos recibos (ou quando estes não preencherem os requisitos legais) é que a comprovação pode ser exigida mediante a apresentação de outros documentos complementares.
Isso, no entanto, e felizmente, vem mudando lentamente. As Delegacias de Julgamento e o próprio Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF vêm acatando as despesas ratificadas por declaração dos profissionais emissores dos recibos, enaltecendo a boa fé dos contribuintes. Decisões no sentido de que, em sendo apresentadas provas que permitam identificar a prestação dos serviços e o pagamento, inclusive com documentos passados pelos profissionais, atestando a autenticidade dos recibos, o ônus da prova caberá ao Fisco, já que a ele aproveita a contraprova do fato constitutivo de seu direito ao crédito tributário refletido no lançamento.
Presume-se a boa fé, enquanto a má fé precisa ser comprovada. E não o contrário.
Esse novo viés foi recentemente refletido em uma sentença da Justiça Federal do Paraná, em sede de julgamento de embargos à execução fiscal, proferida pelo Juiz Federal André Luís Medeiros Jung.
A decisão acolheu os recibos apresentados pelo Contribuinte, que foram acompanhados de declarações dos profissionais (no caso, dois dentistas, uma psicóloga e uma fisioterapeuta), destacando que “tais profissionais emitiram declarações confirmando a prestação dos serviços, conforme se vê no evento 1 (DECL7), e têm número de CPF indicado nos recibos, pelo que devia o Fisco, se suspeitava de fraude (apesar de inexistir indício para tal suspeita), aferir, por meio de cruzamento de informações fiscais (entre o que foi lançado pelos profissionais e empresas e pelo usuário dos serviços), a veracidade dos pagamento alegados. Todavia, assim não procedeu o Fisco. Desse modo, o embargante realizou a comprovação do modo como lhe era esperado e exigido, através da apresentação de recibos. Portanto, as glosas dos valores deduzidos a título de despesas médicas e odontológicas revelaram-se descabidas.”
A sentença considerou hábil e idônea a documentação levada ao processo pelo contribuinte, e ainda destacou que a fiscalização tem às mãos o cruzamento de dados com a DMED, obrigação que cabe ao Fisco.
Excelente a decisão e a perspectiva de que, definitivamente, não se pode exigir mais do que a lei exige, ou suspeitar gratuitamente dos documentos apresentados pelo contribuinte para justificar a dedução. Apenas a comprovação de fraude é que pode afastar a presunção de boa fé e o Fisco possui todo o aparato necessário para tanto.
Muito bom este cometário.