Por Isadora Boroni Valério
A Medida Provisória nº 784/2017 (MP 784/2017), editada pelo governo Temer e publicada no dia 8 de junho, já tem rendido discussões que variam da constitucionalidade da Medida Provisória para tratar de temas que demandam significativa análise e discussão, até as reais intenções do atual governo em alterar os processos administrativos sancionadores nas esferas de atuação do Banco Central do Brasil (BCB) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Além de elevar o valor das multas que poderão vir a ser aplicadas, a MP 784/2017 autoriza o BCB e a CVM a assinarem acordos de leniência para apurar condutas lesivas ao Sistema Financeiro Nacional (SFN), bem como permite que o BCB adote o termo de compromisso como alternativa ao processo administrativo – instrumento que já existe no âmbito da CVM desde 1997.
A ideia é que, ao firmar o termo de compromisso como alternativa ao processo administrativo, o investigado se obrigue a cessar a prática sob investigação ou os seus efeitos lesivos; corrigir as irregularidades apontadas e indenizar os prejuízos, quando for o caso; e ainda cumprir as demais condições que forem acordadas no caso concreto. Nestes casos, o Banco Central e a CVM podem deixar de instaurar ou suspender, em qualquer fase que preceda a tomada da decisão de primeira instância, o processo administrativo destinado à apuração da infração. O objetivo é conferir maior agilidade das entidades na supervisão no Sistema Financeiro Nacional e no Mercado, facilitando a adoção das medidas corretivas.
Especificamente no que diz respeito ao processo administrativo sancionador da CVM, mereceram destaque o efeito devolutivo dos recursos interpostos contra as penalidades restritivas de direito aplicadas pela autarquia (as condenações passarão a ter efeitos imediatos), e a majoração das multas, que não poderão exceder: (i) R$ 500 mil, (ii) o dobro do valor da emissão ou da operação irregular, (iii) três vezes o montante da vantagem econômica obtida ou da perda evitada em decorrência do ilícito, ou, ainda, (iv) 20% (vinte por cento) do valor do faturamento total individual ou consolidado do grupo econômico, obtido no exercício anterior à instauração do processo administrativo sancionador, no caso de pessoa jurídica.
Já o Banco Central poderá aplicar às 17 infrações puníveis e mais 5 infrações graves a serem apuradas em processo administrativo sancionador, além das outras penalidades previstas na MP, multas que não excedam: (i) 0,5 (cinco décimos por cento) da receita de serviços e de produtos financeiros apurada no ano anterior ao da consumação da infração, ou, no caso de ilícito continuado, da consumação da última infração, ou então (ii) R$ 2 bi.
A Medida Provisória determina, ainda, que o BCB, ao definir a pena, deverá levar em consideração fatores como reincidência, a gravidade e a duração da infração; o grau de lesão ao Sistema Financeiro Nacional; e a capacidade econômica do infrator. Tais parâmetros prometem assegurar que o Banco Central atue de forma efetiva e proporcional.
Dentre as infrações elencadas na esfera de atuação do BCB, destacaram-se a realização de operações em desacordo com os princípios que regem a atividade e negociar títulos em preços destoantes dos praticados pelo mercado em prejuízo próprio ou de terceiros; e, dentre as infrações graves, causar perda da confiança da população no uso de instrumentos financeiros e de pagamento.
Em meio a tantos escândalos de corrupção e descoberta de esquemas que se valiam de instrumentos do próprio Mercado e do SFN para realizar desvios de dinheiro astronômicos, punir também as instituições do sistema que contribuíram e contribuem para a concretização dos desvios e, consequentemente, para a instabilidade do ambiente político e financeiro brasileiros, além da desconfiança da população na efetividade e segurança das ferramentas destes instrumentos financeiros e de pagamento, é mais do que necessário.
Por fim, além do termo de compromisso e do processo administrativo sancionador, o BCB e a CVM passam a dispor de mais um instrumento de colaboração, o Acordo de Leniência. O acordo poderá ser celebrado com pessoas físicas ou jurídicas que efetivamente colaborarem para a apuração de práticas infracionais, resultando na extinção ou na redução da penalidade administrativa aplicável. A pena, para aqueles que efetivamente contribuírem com as investigações, poderá ser reduzida entre um terço e dois terços.
Com tantas alterações e expectativas de punição severa dos infratores, vale lembrar que as novas medidas devem começar a ser aplicadas às investigações conduzidas pelo Banco Central e pela CVM a partir da sua publicação, não retroagindo sobre fatos passados.
O caso da JBS, por exemplo, muito comentado nas últimas semanas porque a empresa é alvo de 5 investigações conduzidas pela CVM para apurar rumores de que usou a divulgação da delação premiada de um dos seus donos, o empresário Joesley Batista, para se beneficiar do impacto que as revelações causariam no mercado, não seria penalizada, se julgada culpada, com base nos novos limites sancionadores.
A JBS teria comprado uma expressiva quantia de dólar antes da moeda se valorizar após as delações, e a valorização da moeda teria sido o suficiente para cobrir o valor da multa imposta à empresa pelo envolvimento no esquema de corrupção.
Pouco mais do que 14 meses desde o julgamento do primeiro caso de insider trading pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.569.171-SP), o da Sadia S/A, o que pode vir a ser o segundo caso de insider trading no Brasil deve ser sancionado pela CVM sob a luz da legislação anterior, já que as infrações ocorridas até a data de vigência da MP continuam sujeitas às penalidades previstas naquelas normas.
Não é difícil de entender, desta forma, porque tanto ceticismo ronda os objetivos e a efetividade da aplicação da nova Medida Provisória. Embora tanto o Banco Central como a CVM afirmem que o que se pretende é conferir maior agilidade e efetividade aos processos administrativos contra pessoas físicas e jurídicas que atuam no sistema financeiro (como bancos, câmaras de custódia e corretoras), inclusive as auditorias independentes que prestam serviço para este setor, há quem afirme que a urgência da edição da norma e a utilização de Medida Provisória revelem a intenção do governo em proteger instituições financeiras que possam vir a aparecer em novos acordos de colaboração.
Quem defende este posicionamento leva em consideração o fato de que as elevadas multas previstas na MP valerão apenas para fatos acontecidos após a sua edição, não podendo retroagir sobre fatos passados. Além disso, a nova norma prevê a possibilidade, quando houver conveniência do BCB, dos termos de compromisso serem mantidos em sigilo, quando entender que a sua publicidade pode colocar em risco a estabilidade e a solidez do SFN.
A ideia de se dar publicidade às informações reveladas nas colaborações é, justamente, prevenir a ocorrência de novos ilícitos, sem que isso implique em qualquer risco no sistema. Aliás, a manutenção de sigilo dos termos do compromisso poderia, inclusive, interferir na atuação do Ministério Público e, consequentemente, em uma possível responsabilização criminal dos responsáveis.
De uma forma ou de outra, o que nos resta é aguardar as cenas dos próximos capítulos e acompanhar quem vai se arriscar a ser submetido aos novos processos administrativos do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários. Uma coisa, porém, é certa: o cerco está fechando, e cada vez menos sobra espaço para quem quer tirar vantagem dos nossos institutos burocráticos.