Em tempos de crise, vale a pena investir em governança corporativa?

Por Flávia Lubieska Kischelewski.

Flávia é advogada do Departamento Societário.

Flávia é advogada do Departamento Societário.

Se há algo tão certo quanto o inevitável pagamento de impostos, é a ciclicidade de períodos de crise. Em relação ao empresário, quando não são crises nacionais que afetam o desempenho de seus negócios, são as próprias intempéries e desafios a que se sujeita qualquer atividade econômica. Não importa a natureza da crise, seja ela, por exemplo, política, regulatória, estrutural, relacional ou econômica, o sucesso da empresa poderá ser afetado em alguma medida.

No âmbito nacional, não há dúvidas de que o empresário precisa ser habilidoso para se desenvolver diante de tantas adversidades que ultrapassam as dificuldades operacionais internas e imediatas. Assim, em tempos de indefinições e incertezas, a prudência acaba por imperar, especialmente quando são exigidos investimentos em medidas cujo retorno é difícil de mensurar ou por não ser possível aguardar resultados a médio ou longo prazo.

Nesse contexto, investimentos em governança corporativa estão entre aqueles que causam dúvidas ao empresário, diante da dificuldade da interpretação do binômio governança corporativa versus lucratividade. Por ser necessário estabelecer um conjunto sistemático de mecanismos de políticas organizacionais, bem como de monitoramentos, no intuito de regrar e assegurar o comportamento de todos os sócios, acionistas, administradores colaboradores, em regra, é preciso despender recursos com consultores e treinamentos. Algo que em tempo de numerários escassos tende a ser, equivocadamente, postergado pelo meio corporativo.

Estudos demonstram que a adoção da governança proporciona redução do custo de capital e incrementa o valor das ações, o que se traduz em captação de recursos a custos menores, com a probabilidade de retornos maiores sobre os investimentos, e para os acionistas, maiores dividendos (http://www.revistas.usp.br/rege/article/view/36630/39351). Dessa feita, convém ponderar diante do caso concreto sobre os retornos que a governança corporativa pode trazer ao empresário, considerando, simultaneamente, que as crises sempre permeiam as atividades.

No campo das companhias abertas, as sociedades que adotam mecanismos efetivos de governança costumam receber melhor avaliação em relação aos seus valores mobiliários. A valorização da carteira de empresas listadas nos Níveis Diferenciados e do Novo Mercado pode ser aferida por meio do Índice de Governança Corporativa, criado pela Bovespa em 2001. Em linhas gerais, isso ocorre porque a transparência dos processos e da forma de gestão propicia ao investidor uma percepção de qualidade na administração, além de reforçar a imagem de longevidade e sustentabilidade do negócio.

Este ano, o tema volta ao debate no mercado acionário. A  Superintendência de Relações com Empresas (SEP), órgão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio do Ofício Circular n° 2/2016/CVM/SEP, expedido em 29 de fevereiro, reforçou a recomendação para o emprego de medidas de governança corporativa. Há inclusive sugestão expressa de consulta ao Código de Governança Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), para esclarecimento e opção pelas chamadas melhores práticas de governança corporativa.

Conforme consta no Ofício, “a SEP pretende fomentar a divulgação das informações societárias de forma coerente com as melhores práticas de governança corporativa, visando à transparência e à equidade no relacionamento com os investidores e o mercado, bem como minimizar eventuais desvios e, consequentemente, reduzir a necessidade de formulação de exigências e a aplicação de multas cominatórias e de penalidades”.

Embora essas recomendações sejam dirigidas principalmente às sociedades anônimas de capital aberto, quaisquer empresas podem usar dessas sugestões, conforme lhes sejam pertinentes. Cabe asseverar que crises são passageiras, mesmo que pareçam longas demais. Dessa forma, não se deve deixar de pensar que a empresa deve estar preparada para as fases futuras de recuperação e crescimento da economia, em que muitos voltarão a ser agraciados com bons ventos.

É certo que as empresas têm se retirado da bolsa de valores e estima-se que, ao menos, outras 15 companhias efetuem, este ano, ofertas públicas de aquisição de ações voltadas ao cancelamento de registro de companhia aberta. A ausência de cotação de títulos mobiliários em bolsa não implica dizer que diminuirá a necessidade de investimentos. No lugar de captação pública há, em regra, tão somente a mudança de investidores alvo. Assim, essas sociedades vão buscar outros meios de capitalização e os sistemas de governança corporativa contarão pontos positivos em negociações com investidores. Isso quer dizer que o investimento em governança não será perdido, nem deve ser abandonado.

Na mesma esteira de raciocínio, ainda que a BM&FBovespa esteja perdendo com a debandada de companhias de seus pregões, não se deixou de acreditar no potencial do Novo Mercado, principal segmento de governança da Bolsa, que completou 15 anos no final do ano de 2015. De acordo com a própria instituição, “a premissa adotada em sua criação era a de que a adoção de boas práticas de governança corporativa seria capaz de permitir a redução da percepção de risco por parte dos investidores. Assim, a redução da assimetria informacional e os direitos e garantias adicionais poderiam influenciar positivamente a valorização e a liquidez das ações”.

Como todo e qualquer sistema, o Novo Mercado também merece revisão, além das duas já ocorridas nos regulamentos dos Segmentos Especiais em 2006 e 2011. Assim, está em curso uma nova consulta pública (http://www.bmfbovespa.com.br/pt_br/noticias/consulta-publica.htm), visando à ampla participação do mercado e não apenas as atuais 130 companhias participantes deste segmento de listagem do mercado de capitais. Isso corrobora o entendimento de que o investimento em governança corporativa deve ser mantido, pois o mercado especializado não só o acolhe, como está realizando ações para aprimorar suas regras.

Sem prejuízo da implantação das medidas de governança corporativa, sai também na frente quem não ignora o crescente cruzamento de informações fiscais, bem como quem investe em programas de compliance ou de conformidades; cumprindo com as exigências da legislação anticorrupção brasileira e, por que não, das legislações estrangeiras (tal qual a Sarbanes-Oxley e a Foreign Corruption Practice Act). Ora, se uma das crises atuais é institucional e política, atingindo empresas conhecidas nacionalmente, não há como negar ser preciso redefinir os padrões corporativos de atuação econômica e de gestão.

Mesmo sem ilusões de que “daqui pra frente tudo vai ser diferente”, sabe-se apenas que, em vista dos acontecimentos políticos e econômicos, certas práticas terão de ser revistas e até abandonadas. No cenário empresarial, é certo que terão vantagens as empresas que tiverem melhores e mais efetivos mecanismos de transparência, ética e conformidade interna para com seus empregados, clientes, fornecedores, meio ambiente e tudo o que mais lhe cercar. Investidores estão mais avessos a riscos e será favorecida a empresa que tiver feito sua lição de casa como preparação para a competição por recursos.

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