Por Fernanda Gomes Augusto
A advogada Fernanda Gomes atua no setor tributário do Prolik.
Com o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da execução da pena após a condenação em segunda instância, proferido em relação às ações criminais, especialistas vêm buscando a aplicação por analogia desse entendimento à outras áreas do direito. No âmbito do direito trabalhista, a legislação prevê a possibilidade da execução provisória do crédito e alguns tribunais já vem utilizando o precedente do Supremo como justificativa para deferir execuções, determinando alienações de bens e até liberação de valores aos trabalhadores.
Já na seara do direito tributário, a restituição de valores pela via judicial e administrativa exige a condição de imutabilidade do título executivo, o que se perfaz apenas com o trânsito em julgado da decisão.
Ocorre que, recentemente, a 2ª Turma Ordinária, da 4ª Câmara, da 3ª Seção de Julgamento do Conselho Administrativo da Receita Federal (CARF), ao dar provimento ao recurso voluntário do Contribuinte, relativizou a determinação legal dos artigos 170-A, do CTN, e 74, da Lei nº 9.430/96, que vedam expressamente a utilização de crédito judicial antes do trânsito em julgado da respectiva ação.
No caso analisado, o Contribuinte pleiteou a compensação do crédito objeto de ação judicial que discutia a ampliação da base de cálculo do PIS e da Cofins pelo § 1º, do art. 3º, da Lei nº 9.718/98, matéria cuja inconstitucionalidade restou reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral (RE nº 357.950).
O relator do caso, conselheiro Diego Diniz Ribeiro, autorizou a compensação sob o entendimento de o crédito judicial pleiteado ser objeto de precedente cuja aplicação é vinculante, conforme determina os arts. 489, § 1º, VI, e 926 e seguintes, do CPC/2015, bem como no artigo 62, § 1º, II, ‘b’, do Regimento Interno do CARF.
Explica, ainda, que a vedação do art. 170-A, do CTN, foi incluída no ordenamento jurídico antes da existência da sistemática dos recursos repetitivos, que trouxe a ideia de transubjetivação das decisões judiciais às partes envolvidas, e que, portanto, vincula o resultado de todas as demais demandas sobre a matéria.
Invocou, em seu voto, o princípio do interesse público primário, ao afirmar que o indeferimento do pedido de compensação “implicaria a movimentação da já assoberbada máquina pública (Poder Judicário e PFN) em torno de uma demanda pro-forma, que certamente desembocará em um única resposta possível: o provimento do pleito do contribuinte e a condenação da União em honorários sucumbenciais”, lembrando que o art. 2º, da Portaria PGFN nº 502/2016 dispensa a apresentação de defesa nesses casos.
Dada a crise econômica vivida pelo país, é evidente o interesse de todas as empresas na utilização de créditos para pagamentos da alta carga tributária a que estão submetidas, mas os riscos devem ser analisados com cautela, principalmente em razão do caráter isolado da decisão do CARF e considerando que o Conselho Superior de Recursos Fiscais analisará a questão, podendo reformar o entendimento do Colegiado do CARF.
Além disso, o entendimento da Fazenda Nacional permanece no sentido de que a compensação dos valores pagos indevidamente pelas empresas que possuem discussão judicial só pode ser levada a efeito após o trânsito em julgado da lide, conforme Solução de Consulta COSIT nº 119/2017:
“NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO
EMENTA: COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. MATÉRIA VINCULANTE. AÇÃO JUDICIAL PRÓPRIA. TRÂNSITO EM JULGADO. REQUISITO.
A Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) encontra-se vinculada aos entendimentos desfavoráveis à Fazenda Nacional firmados sob a sistemática de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de recurso especial repetitivo, a partir da ciência da Nota Explicativa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), nos termos da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 1, de 2014. Em regra, a jurisprudência vinculante autoriza a restituição ou compensação administrativas de tributos recolhidos indevidamente, observados os prazos e procedimentos estabelecidos na legislação. Não obstante, na hipótese em que o direito é postulado mediante ação judicial própria, o contribuinte deve aguardar o trânsito em julgado da decisão judicial, a fim de proceder à execução judicial ou à compensação administrativa.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Art. 170-A do CTN.” (DOU 13/02/2017) g.n.
Não é outro o posicionamento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Superior Tribunal de Justiça, manifestado em diversos julgados sobre a questão. Por fim, cabe destacar que, caso a decisão analisada seja reformada pelo Conselho Superior de Recursos Fiscais, o débito compensado será acrescido de multa e juros para pagamento em atraso.