A controversa exigência da contribuição adicional ao GILRAT para trabalhadores sujeitos à aposentadoria especial

Matheus Monteiro Morosini

A Receita Federal do Brasil está intensificando a fiscalização de empresas, especialmente indústrias, para cobrar o adicional do GILRAT/SAT as situações que ensejam a concessão de aposentadoria especial.

Os procedimentos fiscais, que têm resultado em inúmeras e vultuosas autuações, têm por fundamento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do Agravo em Recurso Extraordinária nº 664.335 e no Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 2/2019, e são motivados na exposição dos segurados empregados ao risco ambiental ruído, mesmo nas hipóteses em que as empresas fornecem equipamentos de proteção individual (EPI).

No entanto, a interpretação da Receita Federal para a cobrança da contribuição adicional ao GILRAT, mostra-se flagrantemente inconstitucional e ilegal, devendo resultar em relevante aumento de discussões administrativas e judiciais sobre o tema.

Além disso, a cobrança indistinta e indiscriminada do adicional pode acabar desestimulando investimentos em saúde e segurança do trabalho, isso porque, ainda que as empresas adotem medidas necessárias para a redução do grau de exposição (como EPI), havendo casos de ruído superior a 85 decibéis, as mesmas serão instadas ao pagamento do GILRAT majorado pelo mencionado adicional.

A aposentadoria especial é devida ao segurado que tiver trabalhado em condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou integridade física, durante quinze, vinte ou vinte e cinco anos (cf. art. 57 da Lei nº 8.213/91 e art. 201 do Decreto nº 3.048/99 – Regulamento da Previdência Social).

 A concessão do benefício nessa condição excepcional dependerá de comprovação de trabalho permanente em condições especiais de exposição a agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos, em jornada integral – Anexo IV do Decreto nº 3.048/99).

O risco ocupacional é a probabilidade de um dano à saúde ou integridade física do trabalhador, em função da sua exposição a fatores de risco no ambiente de trabalho, os quais, conforme classificação do Ministério da Saúde, podem ser subdivididos da seguinte forma: ambientais, ergonômicos/psicossociais e mecânicos/de acidentes.

Para fins de aposentadoria especial, devem ser considerados apenas os riscos ocupacionais ambientais, quando os trabalhadores estiverem expostos aos agentes nocivos a que se refere a legislação:

  • físicos – os ruídos, as vibrações, o calor, a umidade, a eletricidade, as pressões anormais, as radiações ionizantes e as radiações não ionizantes;
  • químicos – os manifestados por névoas, neblinas, poeiras, fumos, gases, vapores e substancias que sejam absorvidas pela via respiratória ou outras vias; e
  • biológicos – os micro-organismos como bactérias, fungos, parasitas, vírus, etc.

Em tais situações, as alíquotas do GILRAT/SAT serão acrescidas de 6%, 9% ou 12%, respectivamente, se a atividade exercida pelo segurado ensejar a concessão de aposentadoria especial após 25, 20 ou 15 anos de contribuição.

A empresa deverá demonstrar, quando de eventual fiscalização pela Receita Federal do Brasil, que gerencia adequadamente o ambiente de trabalho, eliminando e controlando os agentes nocivos. A existência ou não de riscos ambientais que prejudiquem a saúde ou a integridade física dos trabalhadores é comprovada mediante as seguintes demonstrações (art. 291 da Instrução Normativa RFB nº 971/2009): PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP e CAT.

A relevância de tais demonstrações ambientais se deve à possibilidade de comprovação de que a empresa fornece equipamentos de proteção individual– EPI – capazes de neutralizar ou reduzir os efeitos dos agentes nocivos a que o empregado venha a ser exposto na sua atividade profissional, evitando, assim, o comprometimento de sua capacidade de trabalho ou integridade física.

A partir dessas premissas legais e conceituais tem-se que, se de um lado, para ter direito à aposentadoria especial, é necessária a exposição do empregado a agentes nocivos, por outro lado, se o uso de um EPI neutraliza ou elimina os efeitos debilitantes, isso pode afastar a concessão desse benefício previdenciário da aposentadoria especial.

Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário nº 664.335, decidiu que “o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial”.

Com isso, primeiramente, conclui-se que, se o empregado exerceu atividade especial que o expôs a algum agente nocivo, porém, utilizou um EPI comprovadamente eficaz em eliminar os efeitos nocivos do agente, não terá direito à aposentadoria especial. Em outras palavras, para tal, necessitaria ter sido totalmente exposto ao agente nocivo.

Entretanto, decidiu-se também que, “na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria”.

Ou seja, fixou-se uma exceção à concessão de aposentadoria especial, independentemente da eficácia do EPI: a exposição ao agente nocivo ruído. A referida tese fundamenta-se no fato de que, apesar de o EPI auricular reduzir a nocividade do ruído a um nível tolerável, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas, já que o nível de 85 dB, tido como inicial do desgaste do organismo, também pode ocasionar disfunções cardiovasculares (hipertensão arterial, infarto) e psicológicas (irritabilidade, distúrbio do sono, estresse). Portanto, o EPI para proteção auricular não é totalmente eficaz, de modo que o empregado continuará exposto ao agente nocivo prejudicial à sua saúde.

O citado julgamento se deu sob o rito da repercussão geral (Tema 555), sendo aplicável a todos os casos que envolvam a matéria e a União deve observar suas diretrizes na concessão de aposentadorias especiais.

Posteriormente, visando viabilizar a cobrança da contribuição adicional ao GILRAT, a RFB editou o ADI nº 2/2019, afirmando que as empresas terão que recolher a alíquota adicional mesmo adotando as medidas de proteção coletiva e individual para neutralizar ou reduzir o grau de exposição dos trabalhadores. Esse ato passou a nortear os procedimentos de fiscalização, sendo que a RFB vem exigindo das empresas cujos trabalhadores estejam expostos a ruído acima do limite de tolerância.

Ocorre que, diferentemente da interpretação da RFB, no julgamento do ARE nº 664.335 o STF não tratou da questão sob a perspectiva da tributação/custeio, ficando-se nos requisitos para a concessão da aposentadoria especial.

 De fato, a decisão do STF não faz menção à cobrança do adicional do GILRAT.

Pelo contrário, há expressa ressalva na decisão que o aspecto do custeio não seria examinado. No acórdão proferido pelo STF está consignado que a relação jurídica existente entre União (INSS) e o segurado não se confunde com àquela havida entre a Receita Federal e o empregador/contribuinte, sendo que somente a primeira estraria sendo analisada.

Essa distinção é relevante, porque o simples fato de a exposição ao ruído garantir ao segurado o direito à aposentadoria especial, por si só, não induz na modificação da relação jurídico-tributária, apta a exigir das empresas o adicional do GILRAT, devem do ser observada relação de regência, que é expressa no sentido de que o fornecimento de EPI eficaz elide a responsabilidade do empregador pelo pagamento da contribuição majorada.

As normas que tratam da aposentadoria especial e do seu custeio, ao contrário do que afirma a RFB, não permite a cobrança em tela, de forma automática e indistinta quando houver a exposição ao ruído.

Por fim, de qualquer modo, como o único ato normativo (infralegal) que dá suporte aos procedimentos fiscais em comento é o ADI RFB nº 2/2019, a exigência da exação de forma retroativa, para períodos anteriores à sua edição, também se configura ilegal. Na pior das hipóteses, a Receita somente poderia exigir valores de competências posteriores à publicação do citado ato.

MP 1.040/2021: Desburocratização da atividade empresária e proteção de acionistas minoritários

Por: Cícero José Zanetti de Oliveira

Entrou em vigor no dia 30 de março, a Medida Provisória nº 1.040, de 29 de março de 2021 “MP 1.040/2021” que dispõe, dentre outros aspectos, sobre a facilitação para o desenvolvimento da atividade empresária e a proteção de acionistas minoritários.

No que se refere a primeira temática, levando em consideração a sua utilidade prática para os empresários, sócios, acionistas, administradores e demais pessoas ou entidades interessadas no assunto, elencamos abaixo as principais medidas introduzidas pelo dispositivo legal:

  • Dispensa de reconhecimento de firma em documentos levados a registro nas juntas comerciais;
  • Transferência de bens utilizados para formar ou aumentar o capital social a partir de certidão de ato societário, mediante transcrição no registro público competente, desde que fornecida, a certidão, pela mesma junta comercial na qual o documento foi registrado;
  • Possibilidade de coexistência de denominações sociais semelhantes, permanecendo vedada, contudo, a coexistência das idênticas;
  • Admissão do CNPJ como denominação social, que deverá ser seguido da partícula identificadora do tipo societário, quando exigida por lei.

Ex. 01.234.567/0001-89 LTDA;

  • Elaboração da classificação de risco das atividades econômicas, pelo Poder Executivo federal, que será aplicada para todos os integrantes da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (“Redesim”) nos casos de ausência ou omissão da legislação estadual, distrital ou municipal;
  • Emissão automática de alvarás de funcionamento e licenças para atividadeseconômicas em que o grau for considerado baixo ou médio, em conformidade com a classificação de risco das atividades econômicas acima mencionada. Em contrapartida, o empresário ou responsável legal pela pessoa jurídica assinará termo de ciência e responsabilidade e firmará compromisso, sob as penas da lei, de observar os requisitos exigidos para o exercício das atividades econômicas constantes do objeto social, cumprindo as normas de segurança sanitária, ambiental e de prevenção contra incêndio, sem prejuízo de fiscalização pelos órgãos competentes;
  • Permuta de informações cadastrais fiscais entre a Fazenda Pública da União e os demais entes federativos a fim de otimizar a utilização de dados já prestados pelo usuário, de modo que não mais poderão ser exigidos, no processo de registro de empresários e pessoas jurídicas via Redesim, dados ou informações que constem da base de dados do Governo federal;
  • Devolução/eliminação de documentos físicos pelas juntas comerciais após a preservação da sua imagem. Nos demais casos, os documentos arquivados pelas juntas comerciais não serão retirados, em qualquer hipótese, de suas dependências;
  • Integração da administração da Redesim, cujo Comitê Gestor passará a contemplar a representação dos órgãos e entidades envolvidos no registro e legalização, bem como no licenciamento e autorização de funcionamento de empresários e pessoas jurídicas; e
  • Facilitação ao acesso a informações, orientações e instrumentos pelos órgãos e entidades envolvidos no processo de registro e legalização de empresas, permitindo aos usuários conhecer as etapas e documentos exigíveis para fins de registro, alteração, baixa, licenciamento e autorizações de funcionamento de empresários e pessoas jurídicas, sem custos, presencialmente ou por meio da rede mundial de computadores.

No que pertence à proteção de acionistas minoritários, a MP 1.040/2021 realizou mudanças na Lei nº 6.404/1976, também conhecida como “Lei das S/A”, das quais merecem destaque as seguintes:

  • Inclusão do inc. X no Art. 122, adicionando as seguintes competências privativas da assembleia geral, voltadas para as sociedades anônimas de capital aberto:
  • deliberar sobre a alienação ou a contribuição com ativos para outra empresa, caso o valor da operação corresponda a mais de 50% (cinquenta por cento) do valor dos ativos totais da companhia constantes do último balanço aprovado; e
  • deliberar sobre a celebração de transações com partes relacionadas que atendam aos critérios de relevância a serem posteriormente definidos pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”).
  • Alteração do inc. II, do Parágrafo 1º, e do inc. I, do Parágrafo 5º, ambos do Art. 124, este último referente ao modo e local de convocação das assembleias gerais, a fim de, nas companhias de capital aberto, respectivamente:
  • modificar o prazo de antecedência da primeira convocação da assembleia geral, que passa de 15 (quinze) para 30 (trinta) dias. O prazo de antecedência da segunda convocação permanece o mesmo: 8 (oito) dias; e
  • estabelecer que a CVM poderá, mediante decisão fundamentada de seu Colegiado, a pedido de acionista e ouvida a companhia, “declarar quais documentos e informações relevantes para a deliberação da assembleia geral não foram tempestivamente disponibilizados aos acionistas e determinar o adiamento da assembleia por até 30 (trinta) dias, contado da data de disponibilização dos referidos documentos e informações aos acionistas”.
  • Inclusão dos Parágrafos 3º e 4º no Art. 138, a fim de, nas sociedades anônimas de capital aberto, vedar a acumulação, em uma única pessoa, dos cargos de presidente do conselho de administração e de diretor-presidente ou de principal executivo da companhia, exceto se excepcionado pela CVM em conformidade com regulamento próprio.
  • Inclusão dos Parágrafos 1º e 2º no Art. 140, que trata da composição do conselho de administração no âmbito das sociedades anônimas tanto de capital aberto, quanto de capital fechado dispondo que:
  • o estatuto poderá prever a participação, no conselho de administração da companhia, de representantes dos empregados escolhidos pelo voto destes em eleição direta, organizada pela empresa em conjunto com as entidades sindicais que os representam.
  • na composição do conselho de administração das companhias abertas é obrigatória a participação de conselheiros independentes, nos termos e nos prazos definidos pela CVM.

Neste sentido, vale ressaltar que, como regra, no que diz respeito aos temas aqui expostos, as medidas e alterações introduzidas pela MP 1.040/2021 passaram a produzir efeitos no ordenamento jurídico desde o dia 30 de março, com exceção do Parágrafo 3º do Art. 138, da Lei das S/A – que veda a acumulação dos cargos de presidente do conselho de administração e de diretor-presidente ou de principal executivo nas sociedades anônimas de capital aberto – cujo vigência será a partir de 25/03/2022.

Ainda, há que se destacar que, em complementação às alterações supracitadas, naquilo que disser respeito às companhias de capital aberto, a CVM poderá estabelecer regras de transição para as obrigações decorrentes da MP 1.040/2021, de acordo com o seu Art. 6º.

Por fim, no que se refere às disposições referentes à facilitação para a abertura de empresas, em conformidade com o Art. 4º, os órgãos, as entidades e as autoridades competentes, a exemplo das Juntas Comerciais e das Prefeituras Municipais, terão até o dia 29/05/2021 para se adequar às modificações promovidas.

O impacto da obrigatoriedade da vacinação nos contratos de trabalho

Por Ana Paula Araújo Leal Cia

Iniciada a vacinação na população brasileira os cuidados com o impacto da pandemia do Coronavírus aumentaram nas empresas. Neste ambiente de calamidade pública fica a dúvida sobre a obrigatoriedade de vacinação contra a Covid-19 e sobre eventual exigência das empresas.

A Constituição Federal assegura a saúde como o direito de todos e um dever do Estado e quando tratamos do contrato de trabalho, existe uma previsão específica para o empregador sobre a necessidade de redução dos riscos inerentes ao trabalho através da instituição de normas de saúde, higiene e segurança.

A Lei 13. 979/2020, a qual estabeleceu medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, destacou a vacinação como um critério para o combate à Covid-19.

A referida legislação determina que os estabelecimentos em funcionamento durante a pandemia da Covid-19 são obrigados a fornecer gratuitamente a seus funcionários e colaboradores máscaras de proteção individual, sem prejuízo de outros equipamentos de proteção individual estabelecidos pelas normas de segurança e saúde do trabalho.

Além disso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que a vacinação compulsória contra Covid-19 é constitucional, visto que os direitos da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais.

A Norma Regulamentar n. 32, que trata da Segurança e Saúde no Trabalho em Serviços de Saúde, estabelece que o Programa de Controle Médico Ocupacional das empresas, também, deverá conter um plano de vacinação. Determina, ainda, que todos os trabalhadores dos serviços de saúde deverão receber, gratuitamente, programa de imunização ativa contra tétano, difteria, hepatite B e os estabelecidos no PCMSO.

Aponta que sempre que houver vacinas eficazes contra outros agentes biológicos a que os trabalhadores estão, ou poderão estar, expostos, o empregador deve fornecê-las gratuitamente, devendo o empregador, caso seja necessário, providenciar o reforço das vacinas.

Reforça a premissa fundamental de o empregador assegurar informação aos trabalhadores demonstrando as vantagens, os efeitos colaterais, riscos a que estarão expostos por falta ou recusa de vacinação.

A CLT possui previsão expressa sobre a necessidade de exame toxicológico para a contratação de motorista profissional, sob o argumento de que o interesse da coletividade ultrapassa os interesses individuais das pessoas.

Portanto, como a vacinação é obrigatória segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal e o Ministério da Saúde já estabeleceu critérios para o início da vacinação através do Plano Nacional de Vacinação o empregador, também, poderá exigir que o seu colaborador tome a vacina.

O empregador poderá incluir no seu regulamento interno norma sobre a obrigatoriedade de vacinação para trabalhadores que se encontrem em grupo de risco, por exemplo, e a recusa pelo empregado deverá ser realizada de forma expressa não podendo, caso este adoeça, discutir eventual indenização perante o empregador.

O problema maior sobre a falta de vontade do empregado em querer receber a vacina é quando este trabalhador acaba adoecendo e contaminando outros colaboradores, logo, a exigência feita pelo empregador não é despropositada. Nesse sentido, qualquer recusa, pelo colaborador, deverá ser fundamentada.  Portanto, o diálogo será fundamental.

O Ministério Público do Trabalho produziu um guia sobre a vacinação da Covid-19, considerando-se os aspectos epidemiológicos que exigem a vacinação em massa para controlar a pandemia.

Em seu guia, o Ministério Público do Trabalho, considera que a recusa injustificada do empregado poderá ser caracterizada como ato faltoso. Por óbvio, então, que a dispensa por justa causa, pela recusa do trabalhador em receber a vacina, será muito debatida.

As orientações foram desenvolvidas, também, com o objetivo de auxiliar as empresas sobre a necessidade de orientar os colaboradores e demonstrar que a finalidade da vacinação é materializar o direito fundamental à saúde e à vida do trabalhador.

Portanto, será indispensável que a empresas incluam nos Programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO e nos Programas de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA medidas de prevenção, ações de identificação da COVID-19, protocolos de informação de sintomas, além de instruções de higiene e etiqueta respiratória entre outras.

Neste aspecto, como o Plano de Vacinação trata-se de uma política pública de saúde coletiva que ultrapassa os interesses individuais das pessoas, sendo um mecanismo relevante que tem o intuito de minimizar os avanços da pandemia, as empresas deverão ponderar cada situação concreta e avaliar a aplicação de medidas disciplinares.

Direitos da Personalidade

Dr. Robson José Evangelista

Muito ouvimos falar sobre os direitos da personalidade e sua fundamental importância na consolidação dos preceitos que orientam a dignidade da pessoa humana.

Mas, na prática, qual o conceito e dimensão dos direitos da personalidade e como eles se exteriorizam na legislação civil?

Direitos da personalidade encerram uma plêiade de normas protetivas à dignidade de uma pessoa em suas relações com outras pessoas, físicas e jurídicas, e o Estado.  

O artigo 1º da Declaração dos Direitos do Homem da ONU (de 1948) determina que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.” Outras convenções internacionais também se dedicam à proteção da personalidade, como o Tratado da União Europeia de 1992 (modificado em 2007) e o Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1966.

Já a nossa Constituição Federal consagra a dignidade da pessoa humana ao arrolar, em vários incisos de seu artigo 5º, os chamados direitos e garantias individuais, dentre os quais, o direito à vida, à intimidade, à vida privada, à imagem e à honra.

No plano infraconstitucional, o Código Civil é o principal diploma legal que trata especificamente dos direitos da personalidade, em seus artigos 11 a 21.

Arrolaremos, a seguir, algumas das previsões constantes desse importantíssimo capítulo do referido Código.

O artigo 11 esclarece: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.”

Em outras palavras, significa dizer que tais direitos são indisponíveis, ou seja, são perpétuos e não podem ser objeto de negociação. Ninguém, por exemplo, poderá, em sã consciência, abrir mão de sua liberdade ou da sua honra a favor de um terceiro ou mesmo da coletividade. Ainda que pareça possível na prática fazê-lo, é fundamental que essa proteção inegociável exista em prestígio à força vinculante pela qual os direitos da personalidade devem se exteriorizar.

O artigo 12, por sua vez, determina que: “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único: Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.”

A dignidade, a honra, a moral e a imagem da pessoa humana são valores absolutos, de modo que a ofensa a tão caros direitos justifica o acionamento dos poderes competentes (polícia, Ministério Público e Judiciário) para que a lesão cesse, inclusive com a condenação do ofensor ao pagamento de indenização por danos morais, cuja proteção se estende à pessoa do falecido, a ser exercida por seus parentes.

No aspecto biológico, o artigo 13 estabelece: “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.”

O comando visa resguardar a integridade físico psíquica da pessoa, a qual não pode livremente dispor do seu corpo ou parte dele quando tal ato importar em agressão injustificada à sua saúde e conformação física, ressalvado, entretanto, o transplante legalmente previsto em lei, possível tanto em vida ou em ato de última vontade do doador.

Quanto ao nome das pessoas, o artigo 17 é bem claro: “O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.”

Essa previsão é consequência do direito à honra e à intimidade da pessoa humana. O uso do nome de outrem só se justifica para atos lícitos, como, por exemplo, para fins jornalísticos e sempre na medida do necessário e justificável.

O mesmo se diga com relação à divulgação de escritos ou imagem de alguém, conforme prevê o artigo 20, do Código Civil, nos seguintes termos: “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a responsabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”

Na trilha da defesa da intangibilidade da vida íntima e familiar da pessoa, o artigo 21 ordena: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”

Corolário atual da norma citada é a recente introdução, em nosso ordenamento jurídico, da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que assegura a qualquer pessoa o adequado tratamento de seus dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.

Parece que ainda muito precisamos avançar não só na conscientização da premente necessidade de todos nós respeitarmos os direitos da personalidade, tão singelos na compreensão mas ao mesmo tempo tão relevantes e fundamentais para alcançarmos uma sociedade mais justa e apaziguada.

Porém, não só no plano pessoa devemos nos policiar diuturnamente para dispensarmos ao nosso próximo respeito e consideração, mas também devemos exigir do poder estatal, enquanto promotor nato do bem comum, que dirija seus melhores esforços no sentido de propiciar aos seus administrados uma vida digna, próspera e que atenda aos interesses maiores e legítimos de seu povo.

Espectros da decisão do STF – incidência tributária sobre softwares

Por Michelle Heloise Akel

O ano de 2020, além da inédita experiência em termos de convivência com uma pandemia, tem sido marcado – no âmbito jurídico – por “discussões” em sessões virtuais de julgamento e por decisões na esfera tributária controversas. Especialmente, no plano do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), recentemente, vimos duas situações de mudança significativa de entendimento, até então, aparentemente consolidado nas cortes superiores. É o caso da questão atinente à dedutibilidade do valor de materiais da base de cálculo do ISSQN, nos serviços de construção civil e afins, e a incidência tributária sobre softwares. 

O Supremo Tribunal Federal (STF), no recente julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5659), ainda não concluído por conta de pedido de vista pelo Min. Kassio Nunes, formou maioria para julgar inconstitucional a incidência do ICMS nas operações com programas de computador, reconhecendo, portanto, a incidência do ISSQN.

Estão sendo analisadas duas ações que discutem as legislações dos Estados do Mato Grosso (ADI 1945) e de Minas Gerais (ADI 5659), uma de relatoria da Ministra Carmem Lúcia e outra do Ministro Dias Toffoli, tendo prevalecido o seu entendimento.

Para o Ministro Dias Toffoli, que foi acompanhado por Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, quando uma pessoa ou empresa compra um software, e este programa é constantemente atualizado, ainda contando com serviços de manutenção e de suporte ao usuário, há caracterização de uma prestação de serviço e não de uma operação de circulação de mercadoria, independentemente se o software for personalizado ou não.  

No entendimento de Dias Toffoli, havendo a constante prestação de serviços, “há uma operação mista ou complexa, envolvendo, além da obrigação de dar um bem digital, uma obrigação de fazer. A obrigação de fazer está presente naquele esforço intelectual e, ainda, nos demais serviços prestados ao usuário, como o Help Desk, a disponibilização de manuais, atualizações tecnológicas e outras funcionalidades previstas no contrato de licenciamento”. 

                        O exemplo dado quando do julgamento foi o do software Microsoft 365, que se é contratado por assinatura e inclui os recursos conectados à nuvem mais colaborativos e atualizados, em uma experiência integrada e contínua. Na visão do ministro, “ainda que se admita ser legítima a incidência do ICMS sobre bens incorpóreos ou imateriais, como admito, é indispensável para que ocorra o fato gerador do imposto estadual que haja transferência de propriedade do bem, o que não parece ocorrer nas operações com software que estejam embasadas em licenças ou cessões do direito de uso”. Por outro lado, pontuou que a compra do Pacote Office de forma única, como era realizada antigamente, sem direito a atualizações e outros recursos, seria passível de tributação pelo ICMS, por ser apenas a compra de uma mercadoria.

Em relação aos serviços de computação em nuvem, dentro do raciocínio, também incidiria o ISS e não o ICMS, por haver o fornecimento de serviços como servidores, armazenamento, rede, banco de dados, análise e inteligência ao usuário. 



Na linha de raciocínio do ministro Luís Roberto Barroso, que acompanhou o voto de Dias Toffoli, no caso em que o usuário faz o uso do programa online, sem cessão definitiva do programa de computador, renumerada por pagamentos periódicos, “não há … uma transferência da titularidade do bem. O programa nesse caso não é vendido e, portanto, … não é possível falar tecnicamente em circulação de mercadoria e consequentemente não é possível falar de incidência de ICMS”.

De um lado, a decisão coloca um ponto final quanto à pretensão de cobrança do ICMS sobre serviços de streaming, como NETFLIX, SPOTIFY e afins, e, igualmente, armazenamento de dados em nuvem, definindo a incidência do ISS.

Contudo, traz dúvidas quanto à extensão e espectros do entendimento apresentado. 

De um lado, o aspecto de padronização, que, há muito, vinha sendo usado como norte, determinante na diferenciação de software de prateleira e o customizado, restou afastado. Por outro, o critério de periodicidade da remuneração ganhou status de relevância, inobstante tenha que se pontuar que o pagamento periódico, por si só, na nossa análise, não interfere na caracterização em mercadoria ou serviço. Há, por exemplo, casos usuais de aquisição de mercadorias mediante pagamentos periódicos. É o que ocorre em clubes de livros ou de vinhos, em que o adquirente paga um valor mensal (uma assinatura) e adquire um “conjunto” de mercadorias por período. A operação não deixa de ser uma circulação de mercadoria e se torna prestação de serviço, meramente pelo fato de o pagamento ser periódico.

E, nesse passo, o posicionamento do Supremo não deixou de surpreender em certo modo, haja vista que – até então – havia se formado maioria quanto à incidência do ICMS sobre softwares-padrão, incluindo os adquiridos por meio de transferência eletrônica de dados” e, bem como, firmado entendimento quanto à irrelevância do meio físico (corpóreo) para caracterização de uma mercadoria (ADI 1945 MC, Relator Min. Octavio Gallotti. Relator p/ Acórdão:  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 26/05/2010).

Aliás, parece haver uma brecha no próprio voto do Min. Dias Toffoli para que, em determinadas situações, se reconheça a incidência do ICMS. É o que se extrai da sua observação na linha de que admite “(…) ser legítima a incidência do ICMS sobre bens incorpóreos ou imateriais, como admito, é indispensável para que ocorra o fato gerador do imposto estadual que haja transferência de propriedade do bem”.

Poderíamos, assim, concluir que a incidência do ICMS nas hipóteses contempladas pelo Convênio ICMS 106/2017 permanecem hígidas, haja vista que se refere às “operações com bens e mercadorias digitais, tais como softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, que sejam padronizados, ainda que tenham sido ou possam ser adaptados, comercializadas por meio de transferência eletrônica de dados” ??  

Ou seja, quando se tratar e uma operação única, em que há o pagamento isolado por um programa, há incidência do ICMS, como nas operações com jogos eletrônicos ou aplicativos??

E, qual o tratamento no caso de programas “embarcados”, quais sejam, aqueles que são fornecidos instalados em equipamentos??

Vale por fim recordar que a caracterização das operações com software como prestação de serviço traz repercussões na tributação federal, no que se refere aos percentuais de presunção do IRPJ.

Remanescem alguns questionamentos que, quiçá, poderão ser esclarecidos quando as íntegras dos votos estejam disponíveis, bem assim, após a conclusão do julgamento e formalização do acordão.

Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador: breves considerações

Letícia Marinhuk

Foi apresentado, neste 20 de outubro de 2020, pelo Poder Executivo, o Projeto de Lei nº 249/2020 (PLP 249/2020), que tem por condão instituir o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador. Mas, afinal, quais são os requisitos para uma empresa ser qualificada como startup e quais são os objetivos atrelados a ele?

Consoante o art. 3º, do referido Projeto, “são consideradas startups as organizações empresariais, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados”, constituídas sob a forma de empresário individual, empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), sociedade empresária ou sociedade simples, e que atendam aos seguintes requisitos:

  • Faturamento bruto anual de até R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais) no ano-calendário anterior ou de R$ 1.333.334,00 (um milhão trezentos e trinta e três mil trezentos e trinta e quatro reais) multiplicado pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior, quando inferior a 12 (doze) meses;
  • Até 6 (seis) anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ); e
  • Possuam, no mínimo, declaração, em seu ato constitutivo ou alterador, de utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços, em conformidade com o inc. IV, do art. 2º, da Lei nº 10.973/2004; ou enquadramento no regime especial Inova Simples, consoante o art. 65-A, da Lei nº 123/2006.

Para tanto, destacamos abaixo as principais proposições do Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador:

  • Investimento em inovação:

A fim de promover o desenvolvimento das startups, o PL 243/2020 propõe maneiras de a empresa receber aportes de capital por investidores, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, sem que, por sua vez, tais investidores componham, ao menos em um primeiro momento, o quadro de sócios ou acionistas da investida.

De acordo com o art. 4º, são modalidades de aporte o contrato de opção de subscrição de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e a empresa; o contrato de opção de venda de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e os acionistas ou sócios da empresa; debênture conversível emitida pela empresa; contrato de mútuo conversível em participação societária celebrado entre o investidor e a empresa; estruturação de sociedade em conta de participação celebrada entre o investidor e a empresa; ou outros instrumentos de aporte de capital em que o investidor não integre o capital social da empresa.

Neste ponto, vale destacar que, nos termos do art. 6º, ainda que haja o investimento, não serão, os investidores, considerados sócios ou acionistas, nem tampouco possuirão poder de gerência sobre a empresa, embora, a depender das negociações, possam participar das deliberações em caráter consultivo.

Consequentemente, salvo nos casos em que restar comprovado dolo, fraude ou simulação, o investidor não poderá ser responsabilizado pelas dívidas da empresa, inclusive em recuperação judicial, e não se estenderá a ele as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica existentes na legislação atualmente em vigor.

  • Fomento à pesquisa, ao incentivo e à inovação

As empresas que possuírem obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação oriundas de outorgas ou delegações firmadas por meio de agências reguladoras ficam autorizadas a cumprir seus compromissos com aporte de recursos em startups.

Tais aportes, por seu turno, salvo os casos onde há percentual mínimo destinado a fundos públicos, poderão ocorrer através de fundos patrimoniais, na forma da Lei nº 13.800/2019, voltados à inovação; e/ou Fundos de Investimento em Participações (FIPs), desde que autorizados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), nas categorias de capital semente, empresas emergentes e/ou empresas com produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

  • Programas de ambiente regulatório experimental:

Nos termos do §2º, do art. 9º, o ambiente regulatório experimental é compreendido como o “conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos e das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais”, estando condicionadas ao atendimentos de critérios e limites a serem previamente estabelecido pelas respectivas autoridades.

A partir disso, tais autoridades regulamentadoras poderão, individualmente ou em colaboração, no âmbito de programas de ambiente regulatório experimental, afastar a incidência de normas sob sua competência em relação à entidade ou grupo de entidades regulados, devendo, para tanto, estabelecer as regras sobre o funcionamento dos programas, sua duração e alcance e os critérios para seleção ou qualificação dos participantes.

  • Contratação de soluções inovadoras pelo Estado:

Subordina os órgãos e as entidades da administração pública direta, autárquica e fundacional, estabelecendo modalidade especial de licitações e de contratos administrativos que tenham por finalidade a resolução de demandas públicas que exijam soluções inovadoras com emprego de tecnologia e a promoção da inovação no setor produtivo, mediante o uso do poder de compra do Estado.

Para tanto, por intermédio de modalidade especial de licitação, a administração pública poderá contratar pessoas físicas ou jurídicas, isoladamente ou em consórcio, para o teste de soluções desenvolvidas ou a pendentes de desenvolvimento, com ou sem risco tecnológico, podendo, inclusive, restringir o processo licitatório a empresas ou consórcio de empresas enquadradas como startups.

Assim, se sancionado, a lei resultante do PL 249/2020 representará considerável avanço nas disposições legais que regem o tema, em especial as do art. 61-A, da Lei 123/2006, que atualmente limitam a participação do investidor na startup a prazo não superior a 7 (sete anos); demarcam a remuneração pelos aportes em período máximo de 5 (cinco) anos e desde que em valor não superior a 50% (cinquenta por cento) dos lucros auferidos pela empresa; e vedam o direito de resgate do investimento, pelo investidor, em prazo inferior 2 (dois) anos do aporte de capital, na hipótese de não ter sido estabelecido vencimento diferenciado no contrato de participação.

Desse modo, considerando justamente o fato de as startups serem empresas ainda em consolidação, voltadas sobretudo à inovação, visa, o Marco Legal, conferir-lhes medidas que estimulem a sua criação e, mais que isso, a sua permanência no mercado. Adicionalmente, busca estabelecer os princípios e as diretrizes para a atuação da administração pública, fomentando e modernizando o ambiente de negócios brasileiro, notadamente no que se refere à contratação de soluções inovadoras.

Vale registrar que, atualmente, a proposição encontra-se apensada ao Projeto de Lei nº 146/2019, que também estabelece medidas voltadas às startups, e ambos seguem aguardando apreciação do Plenário, de acordo com informações disponibilizadas aqui[  pela Câmara dos Deputados.

Sendo notável os avanços sobre o tema, haja vista o reconhecimento da contribuição da startups para o desenvolvimento econômico, social e ambiental do Brasil, espera-se que o Congresso Nacional se sensibilize pelo tema, e sobre ele delibere em curto espaço de tempo.


Reintegra: extensão dos benefícios às saídas para Zona Franca de Manaus

Por: Suzanne Dobignies Santos 

O REINTEGRA é um Regime Especial para Reintegração de Valores Tributários destinado às empresas exportadoras, previsto na Lei nº 13.043/2014, bem como nos Decretos nº 7.660/2011 e nº 8.415/2015, cujo objetivo é, principalmente, aumentar a competitividade da indústria nacional mediante a desoneração das exportações.

Tal Regime garante às pessoas jurídicas produtoras um crédito tributário sobre a receita de exportação, que pode ser compensado com débitos próprios, relativos a tributos administrados pelo Ministério da Economia, ou ressarcido em espécie, observadas as demais condições previstas na legislação pertinente.

O benefício deve ser calculado sobre a receita de exportação de bens que, cumulativamente: (i) tenham sido industrializados no País; (ii) estejam classificados em códigos (NCMS) relacionados no anexo do Decreto nº 8.415/2015, e; (iii) tenham custo total de insumos importados não superior ao limite percentual do preço de exportação, consideradas as regras contidas no anexo do Decreto nº 8.415/2015.

A legislação elenca, de forma taxativa, como sendo receitas decorrentes de exportação, para fins de apuração do benefício, o valor da mercadoria no local de embarque, no caso de exportação direta; ou o valor da nota fiscal de venda para empresa comercial exportadora – ECE, no caso de exportação via ECE.

Note-se, portanto, que as receitas derivadas de saídas destinadas à Zona Franca de Manaus- ZFM não estão expressamente previstas como decorrentes de exportação beneficiadas pela legislação do REINTEGRA.

Em contrapartida, o Decreto-lei nº 288/1967 (art. 4º), recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e expressamente repetido no art. 40 do ADCT, expressamente, equiparou a uma exportação brasileira as operações com mercadorias de origem nacional para consumo e/ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou para a reexportação.

Em desacordo com tal entendimento, a Fazenda Nacional, no bojo do art. 111 do Código Tributário Nacional- CTN, considera que o REINTEGRA não se aplica às saídas para aquela região, já que a legislação que confere o benefício foi taxativa e não mencionou a ampliação pretendida expressamente, devendo ela ser interpretada de forma literal.

Tais dissensos ocasionaram uma série de demandas judiciais propostas pelas empresas, com fundamento no Decreto – Lei nº 288/1967, cujo objetivo foi o de equiparar as saídas para Zona Franca de Manaus às exportações, para fins de apuração dos créditos tributários à luz do REINTEGRA.
Chegando na Suprema Corte, o litígio não foi formalmente apreciado. Embora alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal- STF tenham se mostrado favoráveis à tese do empresariado, a demanda não chegou a ser deliberada, bem como não foi reconhecida a repercussão geral ao tema (Recurso Extraordinário nº 1.023.434).

Dito fato se explica porque o STF concluiu, na ocasião, que a análise da equiparação entre as vendas para ZFM à exportação, para fins de fruição do REINTEGRA, deveria ser realizada à luz da legislação infraconstitucional aplicada ao caso e não sob a óptica de afronte à Constituição Federal, de modo que qualquer contrariedade à Carta Magna seria reflexa, o que não justificaria o julgamento pela mais alta instância do poder judiciário brasileiro.

De outro modo, o Superior Tribunal de Justiça – STJ tem várias decisões favoráveis à tese, de forma que aprovou, em 18.02.2020, a Súmula nº 640, prevendo que ” O benefício fiscal que trata do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (REINTEGRA) alcança as operações de venda de mercadorias de origem nacional para a Zona Franca de Manaus, para consumo, industrialização ou reexportação para o estrangeiro. ”

A edição da Súmula se justifica, uma vez que a Corte compreende que o modelo da Zona Franca de Manaus, na forma idealizada e instituída pelo Decreto-Lei nº 288/1967, tem a finalidade de propiciar um ambiente adequado ao desenvolvimento do interior da Amazônia, em função das adversidades daquela região.

Com efeito, a ZFM deve ser mantida com as características de área de livre comércio, de exportação e importação, equivalendo a uma exportação as saídas de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização naquela região, para os efeitos de benefícios do REINTEGRA.

De tal forma, o STJ concluiu que não se pode conferir outra interpretação aos normativos do Programa, que não equiparar as saídas destinadas à ZFM às exportações para fruição das benesses fiscais previstas na Lei nº 13.043/2014, já que o objetivo principal do REINTEGRA está em perfeita sintonia com o modelo almejado e instituído para o desenvolvimento da Zona Franca.

Ainda que a Súmula nº 640 do STJ tenha a eficácia de orientar as decisões da Corte e das instâncias inferiores do judiciário, ela não possui efeitos vinculantes aos órgãos da administração pública, o que pode ocasionar questionamentos por parte do Ministério da Economia, nos casos de extensão unilateral, pelas empresas, dos benefícios do REINTEGRA às saídas destinadas à Zona Franca de Manaus.

Ocorre que a discussão na esfera administrativa ainda não está pacificada e tão bem cimentada quanto no judiciário. Apesar da tendência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais- CARF entender que as operações destinadas à Zona Franca de Manaus equiparam-se à exportação, o órgão ainda sinaliza a restrição ao REINTEGRA, devido às condições normativas do Programa expressamente limitadoras.  Resultado de tal interpretação é que somente as exportações elencadas na legislação estariam aptas ao benefício, no que não se enquadram as operações com a ZFM.

Destarte, tendo em vista assegurarem a ampliação do REINTEGRA às saídas destinadas à Zona Franca de Manaus, destinadas a consumo, à industrialização na região ou à reexportação, é recomendável que as empresas recorram ao Judiciário, onde as perspectivas de êxito são efetivas.

Transação de débitos tributários federais

Por Fernanda Gomes Augusto

Em outubro de 2019, foi publicada a Medida Provisória nº 899, onde foram estabelecidas as condições para que a União e os devedores realizem transação referente a débitos federais.

No final de novembro/2019, os procedimentos, requisitos e condições necessários à realização das transações de dívida ativa com a União foram regulamentados, através da Portaria PGFN nº 11956/2019.

Essa medida adotada pela Procuradoria visa viabilizar que os contribuintes superem a crise econômica vivida nos últimos anos, preservando a atividade produtiva de empresas e permitindo a manutenção de empregos dos trabalhadores. Consequentemente, a Fazenda Nacional também se beneficia com o recebimento de receitas de difícil arrecadação e, ainda, assegura a possível fonte de renda tributária para o futuro.

Desde logo, cabe destacar que não são passíveis de transação os débitos de FGTS, Simples Nacional e multas qualificadas e criminais.

Foram estipuladas 2 modalidades de transação: por adesão e individual.

A modalidade por adesão é destinada a devedores com dívidas de até R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) e a adesão deverá feita pela Plataforma REGULARIZE, de acordo com as condições e benefícios estipulados no Edital de Acordo de Transação por Adesão nº 01/2019, publicado no sítio da PGFN em 04/12/2019. O Edital traz a proposta completa da Procuradoria para adesão à transação na cobrança da dívida tributária.

Já a modalidade individual é destinada aos contribuintes com débitos superiores a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais).

Serão concedidos descontos para os débitos inscritos em dívida ativa da União que são considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação. Entende-se por débitos de difícil recuperação quando se verifica que o contribuinte não gera recursos suficientes para realizar o pagamento integral das dívidas no prazo de até 5 (cinco) anos.

Ainda, são considerados de difícil recuperação ou irrecuperáveis aqueles débitos que: (i) estão inscritos há mais de 15 (quinze) anos sem suspensão ou garantia; (ii) suspensos por decisão judicial há mais de 10 (dez) anos; (iii) de contribuinte com falência decretada, em processo de recuperação judicial ou extrajudicial, em liquidação judicial, ou em intervenção ou liquidação extrajudicial; (iv)de empresa que a situação cadastral do CNPJ seja baixada, inapta ou suspensa; (v) de contribuinte pessoa física com indicativo de óbito; e (vi) sejam objeto de execuções fiscais arquivadas há mais de 3 (três) anos.

Além disso, também poderão ser transacionados outros débitos inscritos, mas sem descontos, desde que atendidos os requisitos previstos pela PGFN.

Os benefícios que podem ser obtidos nas transações são os seguintes:

Descontos de até 50% sobre o valor da dívida;

Parcelamento em até 84 meses;

Flexibilização das regras de oferecimento de garantias, penhoras e alienação de bens;

Possibilidade de amortização ou quitação de dívidas com precatórios federais próprios ou de terceiros.

Para pessoas físicas, empresários individuais, microempresas e empresas de pequeno porte em recuperação judicial, os descontos chegam até 70% sobre o valor do débito e o parcelamento pode ser feito em até 100 meses.

Além disso, empresas em processo de recuperação judicial terão carência para iniciar o pagamento em até 180 dias.

Com a realização da transação do débito, a cobrança será suspensa até a sua quitação. Dessa forma, uma vez que a dívida esteja suspensa, o devedor regularizará sua situação fiscal, sendo excluído dos cadastros de devedores, viabilizando a emissão das certidões de regularidade fiscal federal, suspendendo as cobranças judiciais e podendo cancelar eventuais protestos extrajudiciais.

Os contribuintes que aderirem à transação, além de cumprir os termos do acordo, estarão reconhecendo definitivamente os débitos transacionados, inclusive renunciando a quaisquer alegações de direito, atuais ou futuras, que envolvam os créditos incluídos na transação, deverão manter-se regular com o FGTS e regularizar eventuais débitos que vierem a ser inscritos em dívida ativa ou se tornarem exigíveis no prazo de 90 (noventa) dias.

Caso não cumpridas as condições do acordo ou comprovada fraude praticada pelo devedor ou, ainda, decretada a sua falência, a transação será rescindida, sendo retomada a cobrança e afastando-se os benefícios concedidos, deduzidos os valores pagos. Além disso, a PGF estará autorizada a requerer a falência do devedor e não será aceito nova transação pelo devedor pelo prazo de 2 (dois) anos, ainda que de outros débitos.

Por fim, cabe destacar que por se tratar de um benefício público, todas as transações firmadas serão divulgadas, contendo as condições e valores, preservando, todavia, as informações do contribuinte.

O STJ e o Agravo de Instrumento: Novos Capítulos

Por:Thiago Cantarin Moretti Pacheco

Para alívio de grande parcela dos operadores do direito, o Superior Tribunal de Justiça, no final de 2018, decidiu que o art. 1.015 do CPC não pode ser interpretado literalmente e a taxatividade das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento de que trata o comando legal deve ser “mitigada”. Na prática, estabeleceu-se um sistema quase igual ao do CPC/73 logo antes de sua revogação: o agravo de instrumento era cabível contra decisões interlocutórias, independentemente de sua natureza, quando se demonstrasse que a parte estava submetida, pela decisão desafiada, a risco de “lesão grave e de difícil reparação”, conforme previa o art. 522 do Código Buzaid. Fora disso, o agravo era cabível, mas apenas na modalidade retida – ou seja, para ser conhecido juntamente com a apelação, em futuro mais ou menos remoto.

O novo CPC inovou ao prever um rol taxativo de hipóteses de cabimento para o agravo de instrumento – e, ao mesmo tempo, extinguir a figura do “agravo retido”, dispondo simplesmente que, não se verificando hipótese para interposição do agravo, a questão ficaria a salvo da preclusão e poderia ser discutida em apelação. No entanto, tendo a questão do cabimento do agravo de instrumento em outras hipóteses ganhado relevo, o STJ a afetou ao tema repetitivo n. 988, o qual foi julgado em dezembro de 2018, concluindo-se pela “taxatividade mitigada” e adoção, como critério de cabimento, “quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”. Ou seja: sistema idêntico ao do CPC/73, fundado na “urgência”. A decisão sobre o tema 988 incluiu também inédita modulação de efeitos, sendo sua conclusão aplicável somente a agravos de instrumento voltados contra “decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão”, ocorrida em 19/12/2018.

No entanto, o STJ continua tendo que enfrentar discussões que não são resolvidas mediante a aplicação do julgamento do tema n. 988, justamente porque se trata de agravos de instrumento voltados contra decisões proferidas antes de 19/12/2018. E foi justamente em uma situação deste tipo que o tribunal novamente se pronunciou sobre o cabimento de agravo de instrumento voltado contra decisão que não está prevista expressamente pelo art. 1.015 do CPC. Naquele caso concreto, a parte interpôs recurso contra a decisão que saneou o feito originário, decidindo pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor e afastando alegação de prescrição. O TJRJ conheceu e negou seguimento ao agravo de instrumento, sob o fundamento de que a decisão desafiada não estava incluída no rol taxativo do art. 1.015, tendo a parte então interposto recurso especial.

Coincidentemente, o recurso foi distribuído para a Minª. Nancy Andrighi, relatora do tema n. 988, e assim foi a controvérsia delimitada no acórdão:

“O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base no art. 1.015, II, do CPC/2015, contra a decisão interlocutória que, na fase de saneamento do processo, estabelece a legislação aplicável ao deslinde da controvérsia e afasta a prescrição tendo como base essa regra jurídica”.

O recurso especial fundava-se na violação ao art. 1.015, II, do CPC – isto é, a parte entendia que sob a rubrica “mérito do processo” se incluiria a decisão saneadora e o conteúdo decisório relativo à determinação na lei material aplicável ao caso concreto e pronunciamento sobre prescrição. Por isso, após definir o mérito do processo como um “conceito jurídico indeterminado”, o acórdão concluiu que a hipótese de cabimento do art. 1.015, II, não se limita às decisões parciais de mérito (art. 365), já que “mérito do processo é conceito jurídico substancialmente mais amplo e elástico, amoldando-se também às hipóteses do previstas no art. 487[1] do CPC/2015”.  Assim, já sendo firmado na Corte o entendimento de que prescrição e decadência versam sobre mérito do processo, a discussão a respeito da aplicação do CDC ao caso concreto acaba sendo atraída pela hipótese de cabimento – eis que, a depender de se aplicar o Código Civil ou o Código de Defesa do Consumidor ao caso dos autos, se fará opção, igualmente, pelo prazo prescricional correspondente – decidindo-se, de acordo com ele, se a prescrição de verificou ou não:

“A despeito de o simples enquadramento fático-normativo ser, em princípio, amplamente modificável por ocasião do julgamento do recurso interposto contra a sentença de mérito, é preciso reconhecer que essa questão pode se tornar estável se a ela estiver associada, ou se dela depender, o exame de outra questão com aptidão para a definitividade, como é a hipótese da prescrição, que, pronunciada ou afastada, reconhecidamente versa sobre o mérito do processo e, como tal, pode ser acobertada pelo manto da preclusão ou da coisa julgada material se da decisão interlocutória não for interposto o respectivo recurso”.

Assim, o recurso especial foi conhecido e provido, determinando-se ao TJRJ que examine o agravo de instrumento ao qual havia negado seguimento. É de se esperar, aliás, que o STJ ainda seja chamado a decidir sobre muitas situações que não foram abrangidas pela modulação dos efeitos do julgamento do tema 988, constituindo este mais recente acórdão um importante precedente. RECURSO ESPECIAL Nº 1.702.725 – RJ (2017/0260458-1)

[1] Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:

I – acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção;

II – decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;

III – homologar:

  1. a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção;
  2. b) a transação;
  3. c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção.

Parágrafo único. Ressalvada a hipótese do § 1º do art. 332 , a prescrição e a decadência não serão reconhecidas sem que antes seja dada às partes oportunidade de manifestar-se.

A Lei de Liberdade Econômica e as implicações no Direito Tributário

Por Nádia Rubia Biscaia

Instituída pela Lei nº 13.874, de 20 setembro de 2019, a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, popularmente denominada “Lei da Liberdade Econômica”, propõe uma mudança paradigmática na dimensão da atuação do Estado frente à sociedade, como ferramenta para impulsionar e promover o desenvolvimento nacional e a eficiência da Administração Pública.

Conforme consubstanciado pela Exposição de Motivos Interministerial (EMI) de nº 00083/2019 ME/AGU/MJSP, diante da percepção de que “no Brasil ainda prevalece o pressuposto de que as atividades econômicas devam ser exercidas somente se presente expressa permissão do Estado (…)”, somada à “triste realidade atual de mais de 12 milhões de desempregados, a estagnação da econômica  e a falta de crescimento da renda real dos brasileiros (…)”, concluiu-se, a par de estudos empíricos, que a “liberdade econômica é cientificamente um fator necessário e preponderante para o desenvolvimento e crescimento econômico de um país”.

Em linhas introdutórias e gerais, portanto, a providência legislativa, suscitada em um cenário de decrescimento econômico, busca aportar segurança jurídica à aplicabilidade do princípio constitucional da liberdade econômica, estampado no art. 170, da CF/88, buscando a desburocratização administrativa, empoderando o particular e “expandindo sua proteção contra a intervenção estatal”. Em outras palavras: instiga a simplificação, o empreendedorismo e a inovação, sobretudo em relação àquelas atividades consideradas de baixo risco.

Pois bem.

A fim de empreender o giro paradigmático, o legislador formulou e seccionou a “Lei de Liberdade Econômica” entre: (a) disposições gerais; (b) declaração de direitos de liberdade econômica; (c) garantias de livre iniciativa; (d) análise de impacto regulatório; e (e) alterações legislativas.

Alguns aspectos de repercussão em matéria tributária precisam, portanto, ser pontuados.

1) Inaplicabilidade ao Direito Tributário?

No que tange às disposições gerais, especificamente na disposição do §3º, do art. 1º, houve inquietação generalizada por parte dos juristas que se dedicam ao direito tributário. Isso porque o legislador expressamente destaca que o conteúdo dos arts. 1º, 2º, 3º e 4º, que balizam a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica, não se aplicam à seara tributária.

Nesse aspecto, nada mais equivocado. Consoante se extrai dos estudos empreendidos no âmbito da Ciência do Direito, é uníssona, há muito, a percepção de que não há que se falar em autonomia absoluta do Direito Tributário, mas, tão somente, em um ramo didaticamente autônomo do direito. Ora, Paulo de Barros Carvalho (2018, p. 47) bem destacou que “a ordenação jurídica é uma e indecomponível”, de modo que “(…) está visceralmente ligado a todo o universo das regras jurídicas em vigor, não podendo dispensar, nas suas construções, qualquer delas, por mais distante que possa parecer” (CARVALHO, 2018, p. 50).

Sabendo da inevitável repercussão sistêmica da ordem tributária, sobretudo porque tributos são fonte primordial de financiamento do Estado; sabendo que a liberdade econômica é um princípio constitucional e de caráter fundamental; e sabendo, ainda, que a medida formulada trata de temas caríssimos ao direito tributário, não se vislumbra fundamento para afastar as implicações da “Lei de Liberdade Econômica” ao direito tributário.

2) O reconhecimento de documentos digitais

Um dos primeiros efeitos concretos da “Lei de Liberdade Econômica”, conforme anunciamos em nosso boletim (https://boletim.prolikadvogados.com.br/2019/10/23/livros-e-documentos-fiscais-digitalizados/), foi a possibilidade de arquivamento de qualquer documento por meio de microfilme ou por meio digital, com a equiparação ao documento físico para todos os efeitos legais e para comprovação de qualquer ato de direito público.

 A propósito, foi por meio desta lei que se introduziu o art. 2º-A da Lei de nº 12.682/2012, que baliza a elaboração, manutenção e arquivamento de documentos em meio eletromagnético.

3) Modificações voltadas à redução da litigiosidade tributária

A “Lei de Liberdade Econômica” introduziu, mediante alterações legislativas, 5 (cinco) importantes aspectos em matéria tributária.

O primeiro diz respeito à instituição de comitê próprio, formado por integrantes (i) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF); (ii) da Secretaria da Receita Federal do Brasil; e (iii) da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), para fins de edição de súmulas da administração tributária federal, que vinculará atos, normas e decisões levadas a efeito pelos referidos órgãos.

O segundo aspecto condiz com a possibilidade de dispensa da PGFN de contestar, oferecer contrarrazões e interpor recursos, bem como desistir daqueles já interpostos, desde que presente um dos seguintes dos seguintes fatores:

(a) inexista fundamento relevante diverso; ou

(b) seja tema:

(i) objeto de parecer, vigente e aprovado pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional, que conclua no mesmo sentido do pleito do particular;

(ii) sobre o qual exista súmula ou parecer do Advogado-Geral da União que conclua no mesmo sentido do pleito do particular;

(iii) fundado em dispositivo legal declarado inconstitucional pelo STF, com execução suspensa por resolução do Senado Federal; ou exista enunciado de súmula vinculante; ou tenha que tenha sido definido pelo STF em sentido desfavorável à Fazenda Nacional em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

(iv) tenha sido decidido, em matéria constitucional, pelo STF; ou pelo STJ, TST, TSE ou pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, no âmbito de suas competências, quando: for definido em sede de repercussão geral ou recurso repetitivo; ou não houver viabilidade de reversão da tese firmada em sentido desfavorável à Fazenda Nacional; ou

(v) objeto de súmula da administração tributária federal;

Observe-se, ainda, que as dispensas destacadas nos itens (iii) e (iv) poderão ser estendidas a tema não abrangido pelo julgado, quando a ele forem aplicáveis os fundamentos determinantes extraídos do julgamento paradigma ou da jurisprudência consolidada, desde que inexista outro fundamento relevante que justifique a impugnação em juízo.

O terceiro e quarto aspectos se vinculam ao anterior. Isso porque de um lado previu-se a possibilidade de “mutirões tributários”, onde a PGFN, em conjunto com o Poder Judiciário, analisará casos passíveis de aplicação da dispensa. E, de outro, a fim de garantir a segurança jurídica e a viabilidade do referido procedimento, ratifica a possibilidade de a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional regulamentar a realização de negócios jurídicos processuais em seu âmbito de atuação, inclusive no que se refere à cobrança administrativa e judicial da dívida ativa da União – a exemplo, pelo o que se denota, das Portarias PGFN nºs 502/2016 e 360/2018.

Por fim, o quinto e último aspecto condiz com possibilidade de dispensa dos auditores fiscais em relação ao lançamento do crédito tributário, especificamente nos casos em que se verifique uma das condições acima elencadas.

Conclusão

Ainda que o legislador não tenha percebido aspecto já superado pela Ciência do Direito em matéria tributária, a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica denota plena aplicação ao direito tributário, sobretudo porque não se trata de que não é ramo absolutamente autônomo e necessita conversar com o sistema constitucional como um todo.

Enfrentada essa questão, é de se anotar que a “Lei de Liberdade Econômica”, evidencia a compreensão do Estado brasileiro tanto em relação ao atual cenário mundial, quanto aos efeitos da crise econômica enfrentada internamente; e a necessidade urgente de simplificação e de promoção do empreendedorismo e inovação.

A análise da necessidade, ou não, da normatização de um princípio constitucionalmente previsto e garantido, inclusive com viés fundamental, tal como o da liberdade econômica, implicaria em um círculo argumentativo e que em nada acrescentaria – inclusive em razão da cultura legislativa brasileira.

Ora, a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica tem por proposta a desburocratização da Administração Tributária com vistas à promoção do desenvolvimento nacional e, consecutivamente, de políticas públicas eficientes. Não se pode negar, neste aspecto, que as balizas e as alterações legislativas introduzidas no ordenamento jurídico vêm, num primeiro olhar, para somar, descomplicar e garantir segurança aos particulares.