Matheus Monteiro Morosini
A Receita Federal do Brasil está intensificando a fiscalização de empresas, especialmente indústrias, para cobrar o adicional do GILRAT/SAT as situações que ensejam a concessão de aposentadoria especial.
Os procedimentos fiscais, que têm resultado em inúmeras e vultuosas autuações, têm por fundamento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do Agravo em Recurso Extraordinária nº 664.335 e no Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 2/2019, e são motivados na exposição dos segurados empregados ao risco ambiental ruído, mesmo nas hipóteses em que as empresas fornecem equipamentos de proteção individual (EPI).
No entanto, a interpretação da Receita Federal para a cobrança da contribuição adicional ao GILRAT, mostra-se flagrantemente inconstitucional e ilegal, devendo resultar em relevante aumento de discussões administrativas e judiciais sobre o tema.
Além disso, a cobrança indistinta e indiscriminada do adicional pode acabar desestimulando investimentos em saúde e segurança do trabalho, isso porque, ainda que as empresas adotem medidas necessárias para a redução do grau de exposição (como EPI), havendo casos de ruído superior a 85 decibéis, as mesmas serão instadas ao pagamento do GILRAT majorado pelo mencionado adicional.
A aposentadoria especial é devida ao segurado que tiver trabalhado em condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou integridade física, durante quinze, vinte ou vinte e cinco anos (cf. art. 57 da Lei nº 8.213/91 e art. 201 do Decreto nº 3.048/99 – Regulamento da Previdência Social).
A concessão do benefício nessa condição excepcional dependerá de comprovação de trabalho permanente em condições especiais de exposição a agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos, em jornada integral – Anexo IV do Decreto nº 3.048/99).
O risco ocupacional é a probabilidade de um dano à saúde ou integridade física do trabalhador, em função da sua exposição a fatores de risco no ambiente de trabalho, os quais, conforme classificação do Ministério da Saúde, podem ser subdivididos da seguinte forma: ambientais, ergonômicos/psicossociais e mecânicos/de acidentes.
Para fins de aposentadoria especial, devem ser considerados apenas os riscos ocupacionais ambientais, quando os trabalhadores estiverem expostos aos agentes nocivos a que se refere a legislação:
- físicos – os ruídos, as vibrações, o calor, a umidade, a eletricidade, as pressões anormais, as radiações ionizantes e as radiações não ionizantes;
- químicos – os manifestados por névoas, neblinas, poeiras, fumos, gases, vapores e substancias que sejam absorvidas pela via respiratória ou outras vias; e
- biológicos – os micro-organismos como bactérias, fungos, parasitas, vírus, etc.
Em tais situações, as alíquotas do GILRAT/SAT serão acrescidas de 6%, 9% ou 12%, respectivamente, se a atividade exercida pelo segurado ensejar a concessão de aposentadoria especial após 25, 20 ou 15 anos de contribuição.
A empresa deverá demonstrar, quando de eventual fiscalização pela Receita Federal do Brasil, que gerencia adequadamente o ambiente de trabalho, eliminando e controlando os agentes nocivos. A existência ou não de riscos ambientais que prejudiquem a saúde ou a integridade física dos trabalhadores é comprovada mediante as seguintes demonstrações (art. 291 da Instrução Normativa RFB nº 971/2009): PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP e CAT.
A relevância de tais demonstrações ambientais se deve à possibilidade de comprovação de que a empresa fornece equipamentos de proteção individual– EPI – capazes de neutralizar ou reduzir os efeitos dos agentes nocivos a que o empregado venha a ser exposto na sua atividade profissional, evitando, assim, o comprometimento de sua capacidade de trabalho ou integridade física.
A partir dessas premissas legais e conceituais tem-se que, se de um lado, para ter direito à aposentadoria especial, é necessária a exposição do empregado a agentes nocivos, por outro lado, se o uso de um EPI neutraliza ou elimina os efeitos debilitantes, isso pode afastar a concessão desse benefício previdenciário da aposentadoria especial.
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário nº 664.335, decidiu que “o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial”.
Com isso, primeiramente, conclui-se que, se o empregado exerceu atividade especial que o expôs a algum agente nocivo, porém, utilizou um EPI comprovadamente eficaz em eliminar os efeitos nocivos do agente, não terá direito à aposentadoria especial. Em outras palavras, para tal, necessitaria ter sido totalmente exposto ao agente nocivo.
Entretanto, decidiu-se também que, “na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria”.
Ou seja, fixou-se uma exceção à concessão de aposentadoria especial, independentemente da eficácia do EPI: a exposição ao agente nocivo ruído. A referida tese fundamenta-se no fato de que, apesar de o EPI auricular reduzir a nocividade do ruído a um nível tolerável, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas, já que o nível de 85 dB, tido como inicial do desgaste do organismo, também pode ocasionar disfunções cardiovasculares (hipertensão arterial, infarto) e psicológicas (irritabilidade, distúrbio do sono, estresse). Portanto, o EPI para proteção auricular não é totalmente eficaz, de modo que o empregado continuará exposto ao agente nocivo prejudicial à sua saúde.
O citado julgamento se deu sob o rito da repercussão geral (Tema 555), sendo aplicável a todos os casos que envolvam a matéria e a União deve observar suas diretrizes na concessão de aposentadorias especiais.
Posteriormente, visando viabilizar a cobrança da contribuição adicional ao GILRAT, a RFB editou o ADI nº 2/2019, afirmando que as empresas terão que recolher a alíquota adicional mesmo adotando as medidas de proteção coletiva e individual para neutralizar ou reduzir o grau de exposição dos trabalhadores. Esse ato passou a nortear os procedimentos de fiscalização, sendo que a RFB vem exigindo das empresas cujos trabalhadores estejam expostos a ruído acima do limite de tolerância.
Ocorre que, diferentemente da interpretação da RFB, no julgamento do ARE nº 664.335 o STF não tratou da questão sob a perspectiva da tributação/custeio, ficando-se nos requisitos para a concessão da aposentadoria especial.
De fato, a decisão do STF não faz menção à cobrança do adicional do GILRAT.
Pelo contrário, há expressa ressalva na decisão que o aspecto do custeio não seria examinado. No acórdão proferido pelo STF está consignado que a relação jurídica existente entre União (INSS) e o segurado não se confunde com àquela havida entre a Receita Federal e o empregador/contribuinte, sendo que somente a primeira estraria sendo analisada.
Essa distinção é relevante, porque o simples fato de a exposição ao ruído garantir ao segurado o direito à aposentadoria especial, por si só, não induz na modificação da relação jurídico-tributária, apta a exigir das empresas o adicional do GILRAT, devem do ser observada relação de regência, que é expressa no sentido de que o fornecimento de EPI eficaz elide a responsabilidade do empregador pelo pagamento da contribuição majorada.
As normas que tratam da aposentadoria especial e do seu custeio, ao contrário do que afirma a RFB, não permite a cobrança em tela, de forma automática e indistinta quando houver a exposição ao ruído.
Por fim, de qualquer modo, como o único ato normativo (infralegal) que dá suporte aos procedimentos fiscais em comento é o ADI RFB nº 2/2019, a exigência da exação de forma retroativa, para períodos anteriores à sua edição, também se configura ilegal. Na pior das hipóteses, a Receita somente poderia exigir valores de competências posteriores à publicação do citado ato.