Novas regras de declaração do Beneficiário Final.

Isadora Boroni Valério Simonetti

Recentemente foi publicada a Instrução Normativa RFB nº 2.290, de 30 de outubro de 2025, que altera a Instrução Normativa RFB nº 2.119/2022, moderniza e aprofunda as regras anteriormente estabelecidas pela Instrução Normativa RFB nº 1.634/2016, e impacta diretamente as rotinas dos processos de divulgação das informações relativas aos beneficiários finais de pessoas jurídicas e outros arranjos legais e, consequentemente a manutenção da conformidade cadastral das entidades.

As inovações trazidas pela nova norma visam aumentar a transparência, aprimorar os mecanismos de fiscalização e combate a crimes financeiros, e alinhar o Brasil às melhores práticas internacionais. A compreensão detalhada dessas mudanças é fundamental para garantir a regularidade cadastral e evitar as penalidades previstas. Haverá uma maior frequência na prestação dessas informações e um maior rigor no controle.

Essa obrigatoriedade será aplicável às sociedades civis e comerciais, associações, cooperativas e fundações, inclusive as suspensas e inaptas, domiciliadas no País e inscritas no CNPJ. Também deverão cumprir a norma as instituições financeiras, administradores de fundos de investimento, entidades ou arranjos legais (trusts) domiciliados no exterior que sejam titulares de direitos, exerçam atividade ou pratiquem ato ou negócio jurídico no País para os quais seja obrigatória a inscrição no CNPJ. 

Preparamos uma breve análise comparativa entre o regime anterior e as novas disposições que entrarão em vigor a partir de 1º de janeiro de 2026

Quadro Comparativo: Principais Alterações

Característica Norma Anterior
(IN 1634/2016)
Nova Norma
(IN 2.290/2025)
Instrumento de
Declaração
Documento Básico
de Entrada (DBE)
via Coletor Nacional.
Formulário Digital
de Beneficiários Finais
(e-BEF), via Portal de
Serviços Digitais da RFB.
Forma de
Apresentação
Preenchimento manual
de uma ficha específica
(código 267).
Formulário pré-preenchido
pela RFB, com necessidade de conferência e complementação pelo declarante.
Assinatura Assinatura do
representante legal
da entidade.
Assinatura digital
obrigatória da entidade
e de cada beneficiário
final inscrito no CPF.
Prazos de
Atualização
Prazo único para a primeira adequação (31/12/2018). Prazos dinâmicos: 30 dias após a inscrição, alteração
ou desenquadramento da
dispensa, e uma declaração anual de manutenção.
Cronograma
de Adesão
Obrigação geral para
todas as entidades a
partir de 2017.
Implementação
progressiva (2026-2028), baseada no faturamento
e tipo de entidade.
Responsabilidade
Penal
Não havia menção
expressa na norma.
Tipificação expressa:
a prestação de informação
falsa configura, em tese,
o crime de falsidade
ideológica.
Guarda de
Documentos
Não havia prazo definido
na norma.
Obrigação de manter
a documentação
comprobatória por 5 anos.
Fundos de
Investimento
Tratamento genérico, com
dispensa para fundos
regulamentados pela CVM.
Obrigações mensais
específicas para
administradores e
distribuidores de cotas.

Como a Instrução Normativa RFB nº 2.290/2025 introduzirá mudanças processuais e conceituais que merecem atenção, detalhamos, a seguir, os pontos de maior impacto para as rotinas societárias:

1. O Novo Formulário Digital de Beneficiários Finais (e-BEF)

A principal inovação é a substituição do antigo procedimento via DBE pelo e-BEF, uma declaração totalmente digital que será acessada através do Portal de Serviços Digitais da Receita Federal. Essa mudança representa um avanço significativo, pois a RFB disponibilizará um formulário pré-preenchido com as informações que já constam em seus bancos de dados. Caberá à entidade e aos seus beneficiários a conferência, correção e complementação dos dados, o que exigirá uma atenção redobrada para garantir a exatidão das informações.

A exigência de assinatura eletrônica tanto da entidade quanto de cada beneficiário final (que possua CPF) é outro ponto de atenção. Essa medida aumenta a responsabilidade de todos os envolvidos e pode demandar uma nova logística interna para a coleta dessas assinaturas, especialmente em estruturas societárias complexas ou com beneficiários residentes no exterior.

2. Prazos Dinâmicos e Cronograma Progressivo

O sistema de prazo único foi abandonado em favor de um modelo mais dinâmico e contínuo. A partir de 2026, a apresentação do e-BEF deverá ocorrer em duas situações principais:

  • Prazo de 30 dias: Contado a partir (i) da data de inscrição no CNPJ, (ii) de qualquer alteração na estrutura de beneficiários finais, ou (iii) da data em que uma entidade anteriormente dispensada se torne obrigada.
  • Declaração Anual: Caso não ocorra nenhuma das hipóteses acima durante o ano, a entidade deverá, ainda assim, apresentar uma declaração anual até o último dia do ano-calendário para confirmar a manutenção das informações.

Adicionalmente, a norma estabeleceu um cronograma progressivo de obrigatoriedade para a apresentação do e-BEF, que se estenderá de 2027 a 2028 para determinadas entidades, com base em seu faturamento anual. 

  • A partir de 01/01/2027: entidades com faturamento acima de R$ 78 milhões, bem como as entidades estrangeiras com aplicação em mercados financeiros e as sem fins lucrativos destinatárias de verbas públicas.
  • A partir de 01/01/2028: entidades com faturamento entre R$ 4,8 milhões e R$ 78 milhões, bem como fundos de previdência/seguros domiciliados no exterior e entidades de previdência e fundos de pensão.

As entidades que não se enquadram nesse cronograma específico, incluindo aquelas com faturamento até R$ 4,8 milhões, fazem parte da regra geral e deverão iniciar a prestação de informações já a partir de 01/01/2026.

3. Aumento da Responsabilidade e Penalidades

A nova regulamentação eleva o grau de responsabilidade dos declarantes. A inclusão do art. 55-D na IN RFB nº 2.119/2022 estabelece que a prestação de informações falsas no e-BEF pode configurar, em tese, o crime de falsidade ideológica, previsto no Código Penal. Além disso, a penalidade de suspensão do CNPJ, que impede a entidade de realizar transações bancárias, foi mantida e seu procedimento de aplicação, detalhado, com a previsão de uma intimação prévia para regularização em 30 dias.

A apresentação do e-BEF em atraso sujeitará a entidade às multas previstas no art. 57 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 por descumprimento de obrigação acessória tributária, e a comprovação da regularidade desta obrigação será exigida em diversos procedimentos, como alterações contratuais e baixa de CNPJ.

Recomendações e Próximos Passos

Diante das profundas alterações, recomendamos que todas as entidades iniciem o processo de adequação o mais breve possível. Sugerimos a adoção das seguintes medidas:

  • Revisão Cadastral Imediata: Realizar um diagnóstico completo da estrutura societária para identificar corretamente todos os beneficiários finais, conforme os critérios atualizados da nova norma, incluindo, por exemplo, a análise de sócios de SCPs e a verificação de administradores em casos específicos.
  • Verificação do Enquadramento: Determinar se a entidade se enquadra em alguma das hipóteses de dispensa ou, caso contrário, em qual etapa do cronograma progressivo de obrigatoriedade ela se insere, com base no faturamento do ano anterior.
  • Coleta de Dados e Documentos: Iniciar a coleta das informações cadastrais detalhadas de cada beneficiário final, como o Número de Identificação Fiscal (NIF) para residentes no exterior e o endereço de e-mail, e organizar a documentação que comprova a cadeia de participação societária.
  • Providenciar Certificados Digitais: Assegurar que não apenas a entidade, mas também todos os seus beneficiários finais que possuem CPF, tenham um certificado digital válido para a aposição das assinaturas no e-BEF.
  • Estabelecimento de Processos Internos: Criar um fluxo de trabalho interno para monitorar continuamente qualquer alteração na estrutura de beneficiários finais, a fim de garantir o cumprimento do prazo de 30 dias para atualização, bem como para assegurar a entrega da declaração anual.

A transição para o e-BEF e as novas regras de declaração do beneficiário final representam uma evolução natural no movimento global por maior transparência corporativa e fiscal. Embora a nova sistemática traga mais complexidade e responsabilidades, ela também oferece a oportunidade para as empresas revisarem e fortalecerem suas estruturas de governança.

Nosso escritório está à inteira disposição para auxiliá-los na interpretação da nova legislação, na revisão de suas estruturas societárias e no planejamento para a completa adequação a esta nova obrigação acessória.

SELIC é a taxa aplicável às dívidas civis.

Manuella de Oliveira Moraes

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, de forma unânime, que a taxa Selic é a taxa legal de juros de mora aplicável às dívidas civis, conforme o artigo 406 do Código Civil, mesmo antes da entrada em vigor da Lei nº 14.905/2024. A decisão foi julgada sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.368), o que significa que o entendimento passa a ser obrigatório para todos os juízes e tribunais do país.

Segundo o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do caso, a Selic é a única taxa em vigor para a mora no pagamento de tributos federais, prevista em várias leis e reconhecida pela Emenda Constitucional nº 113/2021. Por isso, deve ser adotada também nas relações civis, garantindo uniformidade e equilíbrio entre as obrigações públicas e privadas.

O acórdão destacou que a fixação de juros moratórios civis diferente do parâmetro nacional poderia gerar distorções econômicas, permitindo ganhos indevidos aos credores civis. Ressaltou-se ainda que os juros de mora têm caráter compensatório, e não punitivo, e que eventual prejuízo superior pode ser reparado por meio de indenização suplementar.

Com essa decisão, o STJ pacifica definitivamente uma discussão que perdurava há anos e confirma a posição já adotada em julgamentos anteriores, posteriormente validada também pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, salvo acordo diferente entre as partes, a Selic passa a ser o índice oficial para calcular juros e correção monetária nas dívidas civis, trazendo mais clareza e segurança jurídica às relações contratuais e judiciais.

Filme de Tribunal: “Acusação” (1995).

Thiago Pacheco

Recentemente, completaram-se 30 anos do “Caso Escola Base”, episódio midiático-jurídico de triste memória: acusações falsas de abuso de crianças feitas contra os proprietários de uma escola infantil de bairro, localizada nos arredores do centro de São Paulo, destruíram definitivamente não apenas a pequena escola, mas a vida dos acusados – em grande parte pelo sensacionalismo de órgãos de imprensa e da apuração dos fatos feita de maneira precipitada, embalada por um clima de histeria criado de maneira artificial pelos próprios jornalistas. O tempo absolveu os acusados – mas já era tarde. 

Um caso muito semelhante aconteceu nos EUA, alguns anos antes do escândalo brasileiro: a família McMartin era proprietária de um jardim de infância na cidade de Manhattan Beach, distrito de Los Angeles. A mãe de um dos alunos, recém divorciada do pai da criança, acionou a polícia para informar que o filho havia sido abusado, suspeitando do pai e de um professor da escolinha dos McMartin. A partir daí, uma investigação com semelhantes contornos sensacionalistas e midiáticos é iniciada – e duraria quase 10 anos até que a inocência dos acusados fosse comprovada. 

Em “Acusação”, telefilme produzido pela HBO e lançado em 1995, a história dos McMartin é contada de dentro das salas de julgamento – com o advogado Danny Davis (outra excelente atuação de James Woods como defensor) enfrentando a promotora Lael Rubin (Mercedes Ruehl) ao longo de torturantes audiências, em que crianças são levadas a testemunhar com o apoio de psicólogos forenses e fazem revelações perturbadoras – até que uma fragilidade no método empregado para extrair as narrativas é detectada. 

Com o tempo, as acusações principais vão perdendo força, e a promotoria passa a imputar aos McMartin outros fatos desabonadores, como um meio de tentar dar credibilidade às acusações iniciais. A jornada da família é angustiante, como é a do espectador – e, no fim das contas, como qualquer percurso em busca do restabelecimento da verdade. 

Há, normalmente, certo preconceito contra “telefilmes” – longas-metragens produzidos para o formato específico da televisão, lançados diretamente nesse meio, e com a reputação de serem obras mais simples e, por vezes, toscas. Mas “Acusação” é uma produção da operadora de tv a cabo HBO (responsável por clássicos como “Os Sopranos” e “Band of Brothers), feita com cuidado e que vale ser revisitada, mesmo 30 anos depois, quando ainda se discute ardentemente o poder das mentiras amplificadas pela mídia e pelas redes sociais. 

A LGPD e a nova certificação ISO/IEC 27701-2025.

Flávia Lubieska N. Kischelewski

Publicada em outubro de 2025, a ISO/IEC 27701:2025 é um reforço estratégico às empresas que pretendem demonstrar o cumprimento à Lei nº 13.1709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoaisou LGPD). A nova norma ISO é autônoma em relação à anterior ISO/IEC 27001:2019, que exigia a certificação prévia em segurança da informação, criando barreiras de entrada para muitas empresas e organizações, que acabavam implementando previamente um Sistema de Gestão de Informações de Privacidade (PIMS).

A versão 2025 é um padrão stand-alone, que permite a certificação a empresas e organizações que utilizam outros frameworks, como o do NIST (National Institute of Standards and Technology) ou CIS Controls (Center for Internet Security Controls). 

Com essa certificação, a proteção da privacidade passa a ser melhor auditável, com critérios mais robustos. Esta isso/2025 foi concebida levando em conta o Regulamento Geral de Proteção de Dados da UE, que é a legislação que inspirou a LGPD, o que facilita sua aplicação no Brasil.

A norma introduz requisitos explícitos para a gestão de riscos de privacidade, detalha responsabilidades de controladores e operadores, abrange tecnologias emergentes como inteligência artificial, serviços em nuvem e transferências internacionais, espelhando obrigações cruciais da LGPD. Embora não seja uma norma jurídica, é um facilitador na demonstração de seu cumprimento, fornecendo uma estrutura auditável para traduzir princípios legais em controles operacionais práticos e na accountability.

A advogada Flávia Lubieska N. Kischelewski destaca que, apesar do custo de certificação, a obtenção é recomendável para empresas com elevado volume de tratamento de dados ou que desenvolvam atividades de risco na cadeia de tratamento de dados pessoais. Evidenciar que o tratamento é realizado de forma segura e responsável é certamente um diferencial competitivo e um respeito ao titular de dados.

Painel da Receita Federal com Ranking de “Contrabandistas”: Avanços na Transparência ou Violação de Garantias Fundamentais?

Michelle Heloise Akel

A recente iniciativa da Receita Federal ao lançar painel público com o ranking dos maiores contrabandistas [sic] – ainda que apresentada como medida de transparência e combate ao crime organizado – suscita relevante questionamento jurídico: até que ponto a divulgação pública de dados e atos administrativos (autuações aduaneiras, por vezes ainda não definitivas) respeita a presunção de inocência, o dever de sigilo fiscal e o princípio do devido processo legal

Ora, em primeiro lugar, é preciso destacar que a autuação fiscal com a aplicação de pena de perdimento é ato administrativo sujeito à própria revisão e discussão quanto à veracidade dos fatos e ao efetivo cometimento da infração. Por sua vez, a representação fiscal para fins penais, que normalmente a acompanha, é medida também preparatória, cujo objetivo é encaminhar à autoridade competente (Ministério Público Federal) indícios de prática de ilícito penal. Todavia, antes da conclusão do processo administrativo aduaneiro e de eventual condenação penal, não há como se imputar a prática de crime de “contrabando”, que a propósito não se confunde com outras figuras como descaminho. 

Nessa esteira, de plano, há que se apontar que a medida adotada pela Receita Federal do Brasil, ao divulgar nomes e dados de empresas sob a pecha de serem “contrabandistas”, especialmente quando o próprio processo de aplicação da pena de perdimento não fora concluído, representa afronta direta ao princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal). Trata-se de violação evidente à garantia de que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Além disso, a publicização de informações parciais e não definitivas pode configurar abuso de poder e violação ao dever de sigilo fiscal, previsto no art. 198 do Código Tributário Nacional, o qual impõe à Administração Tributária o dever de resguardar dados obtidos em razão de sua função fiscalizadora e na legislação de proteção de dados.

Com efeito, quando, conforme consta do próprio site, a Receita Federal lança “um painel interativo que apresenta o ranking dos maiores contrabandistas do país” está acusando, de forma grave, pessoas físicas ou jurídicas que sequer foram julgadas definitivamente. Aliás, há casos, em que as autuações por perdimento foram julgadas improcedentes e, mesmo assim, as empresas tiveram seus nomes incluídos na lista. Há, outrossim, situações em que – aprofundando-se na consulta das informações – vê-se que se trata de episódio pontual e cujos valores envolvidos são irrisórios; muito longe de a pessoa se caracterizar como grande contrabandista.

Não se pode ignorar que, do ponto de vista dos efeitos práticos, a inclusão de pessoas físicas e empresas nesse ranking, sem decisão final, causa danos reputacionais irreparáveis, por exemplo, podendo repercutir na perda de contratos, restrição de crédito e quebra de confiança comercial.

Vale refletir que, se se  tratasse de uma pessoa privada que fizesse uma divulgação em rede social de tal natureza, antes da conclusão da discussão administrativa aduaneira e de condenação criminal, estaria ela cometendo o crime de calúnia. A propósito, a Havan, após ser notificada pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), teve de retirar do ar publicações, em redes sociais, que mostravam pessoas flagradas por câmeras de segurança “supostamente” cometendo furtos em suas unidades. 

De se recordar que a jurisprudência pátria tem se firmado, na linha de que o vazamento de dados sensíveis enseja a configuração de dano moral presumido, tal como no julgamento do REsp 2.121.904, ocorrido em fevereiro de 2025, perante o Superior Tribunal de Justiça.  No mesmo sentido, entendeu a 3ª Turma do STJ, no REsp 2.201.694. 

A seu turno, o Poder Judiciário já enfrentou situações em que a atuação estatal, ao expor ou cobrar indevidamente contribuintes, ensejou condenação ou reparação por parte do Estado. Por exemplo, em 2023, a Justiça Federal condenou a União Federal, a Caixa Econômica Federal (CEF), a Dataprev e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD) a pagarem uma indenização pelo vazamento dos dados de mais de 4 milhões de beneficiários do programa Auxílio Brasil. 

Em resumo, ainda que o discurso oficial da Receita Federal mencione a “transparência” e o “interesse público”, tais valores não se sobrepõem às garantias individuais asseguradas pela Constituição e pela legislação brasileira. As pessoas – físicas ou jurídicas –  prejudicadas devem avaliar as medidas a serem adotadas. 

Tema 308 do TST assegura dobra de repousos e feriados a empregado com cargo de confiança.

A nova tese vinculante do Tribunal Superior do Trabalho (Tema 308), que reconhece o direito do empregado detentor de cargo de confiança à remuneração em dobro pelos dias de repouso e feriados trabalhados sem a devida compensação, foi recentemente aplicada pela 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-GO).

Antes da uniformização da matéria pelo TST, havia divergências interpretativas entre os Tribunais Regionais e até mesmo entre as Turmas do próprio Tribunal Superior do Trabalho. A controvérsia residia no fato de que o empregado investido em cargo de gestão estaria, em tese, excluído do controle de jornada, o que afastaria o direito ao pagamento em dobro.

Com o novo entendimento firmado pelo TST, encerrou-se a divergência jurisprudencial, passando-se a reconhecer expressamente que os ocupantes de cargos de confiança fazem jus à remuneração em dobro pelos dias de repouso e feriados trabalhados sem compensação.

No caso concreto apreciado pelo TRT da 18ª Região, a ação foi proposta por um trabalhador que exercia a função de subgerente. Em primeira instância, houve o reconhecimento do cargo de confiança, sendo a empresa condenada ao pagamento em dobro pelos dias de descanso trabalhados sem a devida compensação.

Em grau recursal, o colegiado manteve o entendimento quanto ao direito do trabalhador, mas afastou a condenação sob o fundamento de não haver prova suficiente do labor em dias de repouso.

De todo modo, o relator registrou expressamente a aplicação da Tese Jurídica nº 308 do TST, segundo a qual o empregado que exerce cargo de confiança tem direito ao pagamento em dobro pelos dias de repouso e feriados trabalhados sem compensação, ressalvada a hipótese de concessão de folga compensatória.

A não cumulatividade na Reforma Tributária. Entenda como funcionará a apropriação de créditos sob a LC nº 214/2025.

Luana Maria Vaz

A Lei Complementar nº 214/2025 inaugurou o regime regular da CBS e do IBS sob a lógica da não cumulatividade plena, disciplinada especialmente entre os artigos 47 e 57. Trata-se do eixo estruturante do novo modelo de tributação sobre o consumo, que assegura ao contribuinte o direito de aproveitar créditos relativos aos tributos pagos nas etapas anteriores da cadeia econômica, promovendo maior neutralidade e transparência fiscal.

A legislação indica que os créditos devem ser segregados entre IBS e CBS, não podendo ser compensados entre si. A apropriação está condicionada à existência de documento fiscal eletrônico idôneo, que reflita o destaque do tributo ou, quando aplicável, créditos presumidos.


Entretanto, a lei introduz uma flexibilização importante: quando o recolhimento não ocorrer via split payment ou diretamente pelo adquirente, dispensa-se a comprovação da extinção do débito. Nesses casos, o destaque correto do tributo no documento eletrônico é suficiente para assegurar o crédito correspondente.

A LC nº 214/2025 dedica os arts. 49 a 52 às limitações ao aproveitamento dos créditos. Operações imunes, isentas ou sujeitas a alíquota zero, a diferimento ou a suspensão, não geram direito ao crédito e, quando realizadas pelo fornecedor, acarretam a anulação proporcional dos créditos anteriores. A exceção recai sobre as exportações, nas quais o direito ao crédito é constitucionalmente garantido. Além disso, quando o fornecedor realiza operações mistas — parte tributadas, parte imunes ou isentas —, a anulação dos créditos “para trás” deve observar a proporcionalidade entre as receitas dessas operações. Já as operações com alíquota zero – embora não gerem créditos – preservam integralmente o crédito relativo às operações anteriores.

Quanto à utilização dos créditos, a lei estabelece uma ordem lógica de compensação: primeiro com débitos vencidos não pagos, depois com débitos do mesmo período e, por fim, com débitos futuros. Também é possível requerer ressarcimento dos valores acumulados. Esses créditos são utilizados pelo valor nominal, sem atualização monetária, e o direito de uso prescreve em cinco anos, sendo vedada sua transferência a terceiros – salvo nos casos de fusão, cisão ou incorporação, quando se mantém a data original da apropriação.

Outro ponto de destaque é a definição dos bens e serviços de uso ou consumo pessoal, para os quais o crédito é expressamente vedado com um rol taxativo elencado pela legislação. A lista inclui, entre outros, joias, obras de arte, bebidas alcoólicas, produtos de tabaco, armas, munições e serviços recreativos ou estéticos.
Ainda assim, o legislador reconheceu exceções relevantes: não se considera uso pessoal quando esses bens ou serviços forem preponderantemente utilizados na atividade econômica, como bebidas em empresas produtoras, armas em empresas de segurança ou serviços recreativos oferecidos a clientes. Além disso, a norma admite créditos vinculados a benefícios trabalhistas previstos em acordo ou convenção coletiva, como planos de saúde, vale-refeição, transporte e educação.

Por fim, as regras da não cumulatividade alcançam também as aquisições de fornecedores optantes pelo Simples Nacional. Nessa hipótese, o adquirente poderá se creditar apenas do montante equivalente ao IBS e à CBS embutidos no recolhimento unificado.


Por outro lado, os próprios contribuintes do Simples Nacional poderão optar pelo recolhimento separado do IBS e da CBS, fora do DAS e com as alíquotas padrão. Embora essa opção possa elevar a carga tributária, ela permite o aproveitamento integral dos créditos, tanto pelo contribuinte quanto por seus clientes — configurando, assim, um modelo híbrido de tributação, cuja viabilidade dependerá da estrutura operacional e das margens de cada empresa.

A equipe do Prolik Advogados está à disposição para auxiliar sua empresa na transição para essa nova etapa da reforma tributária do consumo.

Escolha do foro pelo consumidor pressupõe coerência.

Robson José Evangelista

Quando as partes contratantes entram em conflito no cumprimento do contrato e a via amigável não se mostra eficiente para o apaziguamento, é comum a busca do Poder Judiciário para a solução do impasse. Via de regra, em relações contratuais instrumentalizadas por escrito, há previsão de determinado foro judicial para dirimir a controvérsia. É dado às partes o poder de disposição para escolherem, de comum acordo, o juízo no qual a disputa será examinada e solucionada pelo poder estatal da jurisdição. 

Entretanto, essa escolha nem sempre é livre. Em algumas situações específicas, a própria lei determina qual é o foro do litígio. Caso, por exemplo, da ação de despejo, que deverá ser proposta na Comarca na qual se localiza o imóvel locado. Outra situação: nas ações em que o representante comercial cobra valores a título de comissão, o local de seu domicílio será o competente para a demanda. 

Então, quando não há previsão legal específica, as partes podem eleger no contrato o foro para eventuais discussões judiciais. Via de regra o foro será o do domicílio de uma das partes ou o local aonde as obrigações contratuais serão cumpridas. Apesar dessa liberdade, não podem as partes, porém, escolher um local que não tenha nenhuma pertinência com um desses critérios, sob pena de invalidade de tal disposição. 

Nas relações de consumo, considerando o viés protetivo previsto na legislação de regência da matéria, é facultado ao consumidor uma liberdade maior para escolher ao juízo no qual direcionará a sua pretensão. Poderá ser o seu domicílio, o domicílio do fornecedor, o local aonde a obrigação deverá ser satisfeita, ainda que exista no contrato cláusula de eleição diversa, principalmente se o foro especificado dificultar o exercício do direito de ação. 

É o caso típico dos contratos bancários, nos quais o foro constante no contrato é o da sede da instituição bancária, mas isso não impede que o consumidor opte pelo seu domicílio. Porém, apesar dessa liberdade para o consumidor, a escolha do foro não pode resultar de sua simples conveniência, sem justificativa plausível. 

No âmbito das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, o entendimento consolidado é no sentido de que o direito de opção do consumidor impera, mas a escolha aleatória de foro, sem razão lógica e satisfatoriamente demonstrada, deve ser repreendida. 

Imaginemos a seguinte situação: alguém mora em uma cidade e adquire um veículo da concessionária em outra cidade. Caso haja necessidade de discutir defeito do veículo em face da fabricante e da concessionária, não tem sentido ele direcionar a demanda para uma Vara especializada em relações de consumo de uma Comarca que não seja a do seu domicílio, da sede da loja de veículos ou do fabricante, sob o pretexto de que a vara especializada teria mais expertise para definir a melhor solução para a disputa judicial. 

Em suma, o critério do bom senso sempre deve imperar na escolha do consumidor sobre o local para a propositura de ações contra o fornecedor.

Reequilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos em razão da Reforma Tributária.

Eduardo Mendes Zwierzikowski

A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, que teve por objetivo substituir os impostos sobre o consumo por um modelo de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual, integrado pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), representa um marco na reestruturação do sistema tributário brasileiro. As profundas alterações introduzidas por essa reforma produzem reflexos relevantes no regime jurídico dos contratos em geral, e especialmente os contratos administrativos. 

Para mitigar os impactos das novas exações, a Lei Complementar nº 214/2025 dedicou um capítulo à disciplina do reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos públicos, reforçando a importância da segurança jurídica e da estabilidade nas relações contratuais com a administração pública.

A nova legislação estabelece, de forma cogente, a obrigação da administração pública, em todos os níveis federativos, de revisar contratos firmados antes da vigência da reforma, sempre que comprovado o desequilíbrio econômico-financeiro decorrente da instituição dos novos tributos. 

Contratos Administrativos abrangidos

Essa previsão visa preservar  o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, assegurando à contratada a manutenção das condições originais da proposta apresentada na licitação, sendo aplicável aos contratos celebrados pela administração pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive concessões públicas.

O artigo 373, da LC 214/2025, delimita o escopo de aplicação dos instrumentos de ajuste para o reequilíbrio dos contratos administrativos, estabelecendo que eles são aplicáveis apenas aos contratos firmados anteriormente  à entrada em vigor da lei (16 de janeiro de 2025) e, excepcionalmente, a aqueles que, mesmo firmados após à referida data, contem com proposta apresentada antes da sua entrada em vigor  (§ 1º). 

Parâmetros de Reequilíbrio

Já o artigo 374 define os parâmetros para aferição da “carga tributária efetiva” para fins de reequilíbrio, que deve abranger: (i) os efeitos da não cumulatividade nas aquisições e custos incorridos pela contratada e o direito a créditos de IBS/CBS; (ii) a possibilidade de repasses a terceiros, pela contratada, do encargo financeiro oriundo da instituição do IBS e da CBS; (iii) o impacto das alterações durante os períodos de transição da reforma tributária; e (iv) a perda de benefícios ou incentivos fiscais relacionados a tributos extintos. 

De modo inovador, o § 2º , do art. 374, afasta a aplicação de cláusulas contratuais que atribuam à contratada o ônus integral de tributos supervenientes, reconhecendo a excepcionalidade do cenário tributário inaugurado.

Procedimento

Os artigos 375 e 376, por sua vez, tratam do procedimento de revisão. O primeiro prevê a possibilidade de reequilíbrio de ofício quando verificada redução da carga tributária; o segundo permite o pleito pela contratada, que deve instruí-lo com elementos que comprovem o efetivo desequilíbrio. O pedido deverá tramitar de forma prioritária e o prazo para decisão definitiva é de 90 dias, prorrogável uma única vez, sendo possível, em casos de impacto relevante, o reequilíbrio cautelar (§ 4º), especialmente nas concessões de serviços públicos.

Meios para se obter o Reequilíbrio contratual

Com relação aos meios para se alcançar o reequilíbrio contratual, a LC 214/2025 prevê que ele poderá ocorrer por meio de: 1) revisão dos valores contratados; 2) compensações financeiras, ajustes tarifários ou outros valores contratualmente devidos à contratada, inclusive a título de aporte de recursos ou contraprestação pecuniária; 3) renegociação de prazos e condições de entrega ou fornecimento de serviços; 4) elevação ou redução de valores devidos à administração pública, inclusive direitos de outorga; 5) transferência a uma das partes de custos ou encargos originalmente atribuídos à outra; ou 6) outros métodos considerados aceitáveis pelas partes, observada a legislação do setor ou de regência do contrato. 

Inaplicabilidade da LC 2014/2025 aos contratos privados

Embora a LC 214/2025 exclua formalmente os contratos privados de seu regime, a magnitude da reforma reacende o debate sobre a possibilidade de aplicação de institutos tradicionais do direito privado, como a teoria da imprevisão e a onerosidade excessiva (arts. 317 e 478 do Código Civil), diante dos impactos ainda incertos da reforma tributária, que podem fundamentar pedidos de revisão contratual, desde que demonstrado o efetivo desequilíbrio e a ocorrência de um fato superveniente, imprevisível e extraordinário capaz de alterar a base objetiva do contrato.

Assim, os artigos 373 à 377 da Lei Complementar nº 214/2025 inauguram um microssistema jurídico destinado a neutralizar os efeitos da reforma tributária sobre os contratos administrativos, fortalecendo a estabilidade e a previsibilidade nas contratações públicas. Ainda que o novo regime busque simplificar o sistema, ele impõe desafios técnicos e metodológicos à gestão contratual, exigindo dos operadores do direito uma atuação proativa na análise e recomposição do equilíbrio econômico-financeiro.

Exigência ilegal de exames na admissão: empresa deve indenizar trabalhadora em R$ 5 mil.

Ana Paula Araújo Leal Cia

No momento da contratação, uma empresa de estética exigiu que a trabalhadora se submetesse a exames de HIV e de gravidez, razão pela qual foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00.

A conduta foi considerada discriminatória pelo Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (RN), que aplicou a Lei nº 9.029/95, a qual veda práticas discriminatórias para fins de acesso ou manutenção da relação de emprego.

Em sua defesa, a empresa alegou que a colaboradora tinha ciência da realização dos exames e, inclusive, consentiu com eles. Entretanto, esse tipo de exigência não guarda relação com o exame admissional, que deve se restringir à avaliação médica das condições físicas e mentais do candidato para o exercício da função.

Cumpre destacar, ainda, que a exigência de exames relativos ao estado de gravidez, como condição para admissão, além de caracterizar prática discriminatória, configura crime, nos termos do art. 2º da Lei nº 9.029/95.

Assim, a imposição desses exames como requisito prévio para contratação constitui ato ilícito, capaz de gerar constrangimento e atingir a honra da trabalhadora, legitimando a condenação ao pagamento de indenização por danos morais.